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Só o bafômetro não assusta motoristas imprudentes

Polícia põe em operação aparelho que mede teor alcoólico a distância. Mas é preciso ampliar a fiscalização da Lei Seca na cidade

Por Mariana Barros e Mauricio Xavier (Colaboraram Arthur Guimarães, Carolina Giovanelli e Flora Monteiro)
Atualizado em 14 Maio 2024, 11h29 - Publicado em 28 out 2011, 23h50
Capa 2241 - Trânsito - Acidente com Camaro
Capa 2241 - Trânsito - Acidente com Camaro (Oslaim Brito/Futura Press/)
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Eram 20h51 de quarta-feira (26) quando uma viatura estacionou na Rua dos Pinheiros, próximo à esquina com a Avenida Rebouças, na Zona Oeste, para iniciar uma blitz. Em dez minutos, outros cinco carros policiais e um guincho também haviam encostado e os soldados se preparavam para iniciar a abordagem aos motoristas em meio a um congestionamento de três quarteirões. “Boa noite. Operação Direção Segura. A senhora ingeriu bebida alcoólica nos últimos quinze minutos?”, perguntou um policial, enquanto aproximava um aparelho da janela do veículo. Chamado de etilômetro passivo, ele detecta vestígios de álcool no ar (apontando positivo ou negativo no visor) e ajuda os PMs a fazer a triagem de quem será encaminhado ao teste de sopro, que pode ser realizado com o mesmo aparelho.
Oito máquinas do tipo entraram em operação nesta semana, ao custo de 9.000 reais cada uma, valor superior aos 7.500 reais do modelo comum. “Com o reforço, a quantidade de medidores alcoólicos usados na cidade subiu para 282”, diz o capitão Paulo Sérgio de Oliveira, chefe do setor operacional do Comando de Policiamento de Trânsito. A Polícia Rodoviária testou equipamentos semelhantes, sem previsão de implantação. Na blitz realizada em Pinheiros, muitas pessoas se surpreenderam com a novidade. “Vocês estão chiques!”, reagiu uma motorista ao ser informada de que o resultado da medição já tinha dado negativo em segundos. Se tivesse sido positivo, ela seria convidada a soprar o aparelho.
Até o fim da operação, o aparelho realizou 535 provas e acusou álcool em quinze motoristas. Num primeiro momento, alguns se recusaram a fazer a prova definitiva no bafômetro tradicional. Como a maioria não exibia sinais de embriaguez, os policiais insistiram para que o teste fosse realizado. Puderam tomar água, fazer bochechos e esperar meia hora para soprar. Havendo medição de zero a 0,13 miligrama de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões, o motorista é liberado. Isso costuma equivaler a um copo de cerveja ou uma taça de vinho. Entre 0,14 e 0,33 miligrama, ele tem a habilitação suspensa por até doze meses e paga multa de 957 reais. De 0,34 miligrama em diante, é instaurado um inquérito criminal. Dos quinze de quarta-feira, apenas três foram enquadrados nesse último caso.
As cenas observadas na blitz mostram que a nova tecnologia, embora tenha lá sua utilidade para agilizar a fiscalização, não vai resolver o problema essencial da Lei Seca, implantada em junho de 2008: o motorista segue com o direito de recusar a análise do aparelho tradicional, amparado pela premissa legal de que um cidadão não é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Quem se recusa a soprar o bafômetro, no entanto, fica submetido às mesmas sanções impostas a quem é flagrado com teor alcoólico acima de 0,33 miligrama: suspensão da carteira por um ano, multa de 957 reais e instauração de um inquérito criminal.
Além disso, é encaminhado ao Instituto Médico-Legal para realização de um exame clínico, anexado ao processo. É estipulada a fiança e o motorista pode responder ao processo em liberdade. Se condenado, fica sujeito a uma pena de seis meses a três anos. “No mundo todo, o uso do bafômetro é obrigatório. O interesse do indivíduo não pode ser levado em conta quando a sociedade está sob ameaça”, diz o médico José Montal, vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego. “É como conceder um alvará para a pessoa transgredir e matar.”
+ Quanto vale a vida das vítimas de motoristas irresponsáveis
+ A luta de quem perdeu um familiar em uma tragédia de trânsito
As estatísticas da Lei Seca na metrópole mostram alguns avanços. Neste ano, até outubro, mais de 170.000 testes haviam sido realizados por aqui, um recorde desde o início do programa. As prisões de condutores flagrados por embriaguez também aumentam ano a ano, totalizando mais de 3.000 casos. “Apesar disso, a população não mudou o hábito de continuar pegando o volante depois de beber”, diz o consultor Gabriel Feriancic, doutor em engenharia de transporte pela Poli-USP. “Se houvesse maior variação nos endereços e horários de fiscalização, poderia diminuir essa impressão de impunidade.”
Pelo Twitter, é possível ser avisado sobre os locais das operações. A de quarta-feira, por exemplo, já estava anunciada no perfil @LeiSecaSP menos de meia hora após seu início. “Quem enche a cara e dirige usa essas ferramentas para fugir do controle. É preciso ir atrás dessas pessoas”, afirma Feriancic.
Um cenário diferente se verifica no Rio de Janeiro, onde a coisa pegou para valer. O senador Aécio Neves e o ex-jogador Romário (atualmente no cargo de deputado federal) fazem parte do time de personalidades que tiveram a carteira de habilitação retida por lá nos últimos tempos. Desde 2009, a polícia da capital fluminense realizou mais de 500.000 testes para uma frota de 2 milhões de veículos. Num exercício matemático livre, que não considera a possibilidade de a mesma pessoa ter sido examinada mais de uma vez, calcula-se que a fiscalização abrangeu 28% dos condutores. São Paulo registrou um índice de 11% no mesmo período. Isso ajuda a explicar o diferente impacto da Lei Seca nas duas cidades na redução do número de vítimas fatais em acidentes. No Rio de Janeiro, eles caíram 15%, pouco mais que o dobro da taxa registrada em nossa metrópole (veja os dados no final desta reportagem) .
+ Carros possantes se transformam em armas fatais nas ruas da cidade
Os últimos meses foram especialmente pródigos em tragédias na capital. No dia 22, às 7h30, o gerente de banco Fernando Mirabelli voltava de uma noitada em Guarulhos dirigindo uma Toyota Hilux em alta velocidade pela Marginal Pinheiros. Ao passar a entrada do acesso à Avenida dos Bandeirantes, virou bruscamente o volante, perdeu o controle do carro, bateu no guardrail e atingiu os ajudantes de jardinagem Alex de Souza e Roberto de Jesus, que trabalhavam a serviço da prefeitura no canteiro. Ambos morreram na hora. No banco de trás, ficaram os restos da festa regada a álcool: latas de cerveja e uma garrafa de bebida destilada. Mirabelli se recusou a fazer o teste do bafômetro, foi encaminhado ao 89º Distrito Policial, no Morumbi, e pagou fiança de 50.000 reais. “Ele destruiu a vida de duas famílias honestas”, diz a viúva de Roberto, Marineide. “Precisa ir para a cadeia.”
Outros casos com vítimas fatais tiveram destaque neste semestre. No dia 4 de outubro, Edson Domingues morreu após seu carro ser atingido por um Camaro na Avenida Inajar de Sousa, na Freguesia do Ó. Dois dias antes, William Bittar foi atropelado por um caminhão na Rodovia Imigrantes; o motorista fugiu. Em 17 de setembro, Miriam e Bruna Baltresca, mãe e filha, morreram juntas após ser atropeladas ao lado do Shopping Villa-Lobos. Em julho, mais duas mortes haviam chamado atenção: a de Vitor Gurman, atropelado na Rua Natingui, e a de Carolina Santos, que se envolveu em um acidente com um Porsche no Itaim Bibi. Filho e irmão de duas das vítimas recentes, Rafael Baltresca se tornou militante do movimento “Não Foi Acidente”, criado pela OAB-SP para pressionar as autoridades a fazer mudanças na Lei Seca para aperfeiçoá-la.
+ Tragédias que viraram movimento social

Oslaim Brito/Futura Press

Acidente com Camaro: mais uma morte

O que se pretende é que os casos de acidente provocados por motoristas embriagados sejam enquadrados como homicídio doloso, ou seja, aquele crime em que o praticante saiu de casa com a intenção de matar. “A discussão se arrasta na Justiça por um longo tempo e contribui para passar a sensação de impunidade”, afirma o advogado Roberto Podval, que sugere a criação de uma faixa intermediária de enquadramento entre homicídio culposo (em que não há intenção de matar) e doloso. Outra saída, mais polêmica, seria afrouxar o limite de álcool permitido pela lei, mas apertar o controle. Nos Estados Unidos, por exemplo, o nível tolerado é de 0,8 grama por litro de sangue, quatro vezes o brasileiro. “Quando a lei exagera, perde a eficácia”, diz o advogado Antônio Sérgio Moraes Pitombo
+ O teste da bebida para menores
A percepção de que o sistema não funciona é reforçada pelo fato de que os motoristas acabam soltos para responder ao processo em liberdade. O valor da fiança varia de um a 200 salários mínimos, de acordo com a gravidade do caso. “Mas o juiz pode dispensar o pagamento ou aumentar o valor em até 1.000 vezes, dependendo da situação econômica do acusado”, diz Podval. Alguns casos demoram quinze anos para chegar a um desfecho. “As pessoas vão presas, mas ninguém fica sabendo”, comenta o advogado Alberto Zacharias Toron.
Em relação à fiscalização, o governador Geraldo Alckmin afirmou nesta semana que colocará 2.100 policiais a mais nas ruas para reforçar o controle. E as operações passarão a ocorrer todos os dias, com o horário ampliado até as 6 horas (antes disso, eram concentradas nos fins de semana e terminavam às 4 horas). “Vamos fechar ainda mais o cerco aos infratores”, diz o capitão Oliveira, do Comando de Policiamento de Trânsito. É um avanço, assim como a chegada do novo bafômetro. Mas falta muito ainda para resolver o problema.VÍTIMAS FATAIS EM ACIDENTESO efeito da Lei Seca nas duas principais cidades do paísSão Paulo
2008 ……….. 1.463
2009 ……….. 1.382
2010 ……….. 1.357QUEDA DE 7,2%

Rio de Janeiro
2008 ……….. 234
2009 ……….. 227
2010 ……….. 199QUEDA DE 15%

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