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Academia em casa: paulistano improvisa para fazer exercícios na quarentena

Galões de água, saco de arroz e cabo de vassoura viram acessório para manter rotina de atividade física com academias fechadas

Por Juliene Moretti, Pedro Carvalho e Fernanda Bassette
Atualizado em 12 jun 2020, 19h09 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

No apartamento de Costanza Pascolato, em Higienópolis, uma série de móveis é herança da antiga casa da família na Itália. Entre eles, um banquinho de madeira comprido e estreito, feito nos anos 1930, que a mãe da empresária usava ao lado da cama para repousar o penhoar (roupão). Nas últimas semanas, o objeto mudou de função. “Eu o adaptei para as aulas on-line de pilates”, ela conta. “Como tem o topo macio e confortável, posso me deitar sobre ele e deixar os braços penderem para o lado, para fazer alongamentos.” Mesmo com as adequações caseiras, Costanza, aos 80 anos, não abriu mão dos exercícios na quarentena. Ao contrário: graças ao tempo livre, tem malhado mais. Além do pilates, faz posturas de ioga e medita todas as manhãs. E, diariamente, em outro exemplo de criatividade adaptativa, caminha por duas horas na garagem do prédio. “Eu ‘viajo’ nos podcasts e ando 4 ou 5 quilômetros. Gosto de ouvir as análises do The New York Times, do Financial Times, do Bill Gates, do (best-seller Yuval) Harari”, ela explica. Na juventude, Costanza dançou balé e chegou a competir nos saltos ornamentais. “Não vou descuidar do corpo agora. Não é que eu ainda me preocupe com namorados ou algo assim. Mas, nesta idade, é como viver uma última cartada… Não perco tempo com chateação e me cuido ao máximo”, ensina.

A empresária Costanza e o banquinho dos anos 1930, herança de família: pilates adaptado, caminhadas na garagem e podcasts no celular (Acervo pessoal/Veja SP)

Descobrir alternativas para se manter saudável é um desafio da quarentena. A água sanitária, por exemplo, tem feito mais do que higienizar superfícies. Sem poder frequentar academia, a roteirista Julia Priolli, 41 anos, adaptou as embalagens do produto para servirem de peso nas videoaulas de treinamento funcional que passou a praticar, três vezes por semana, com um grupo de amigas. A depender dos exercícios, sacos de arroz e feijão assumem o papel de halteres, enquanto cabos de vassoura ajudam a manter o equilíbrio nos agachamentos. “O difícil é achar motivação, sabendo que vamos ficar ‘saradas’ hoje e só poder sair de casa sabe-se lá quando”, brinca. A iniciativa mantém ainda a saúde financeira da personal Cristiane Magalhães, que ganha cerca de 200 reais por aula do grupo — espirituosamente nomeado, no WhatsApp, de “quarentonas na quarentena”. “Não perdi alunos nesse período. Algumas pessoas tinham preguiça de ir às aulas e agora acham prático malhar pelo computador. Outras, que não querem treinar por vídeo, seguiram pagando as mensalidades e voltarão quando tudo se normalizar”, afirma Cristiane. “O ‘quarentonas’ é tão divertido que, às vezes, isso vira um problema: a gente troca a água sanitária por garrafas de vinho e acaba não terminando o treino”, conta Julia.

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Membro de uma equipe de jogadores de vôlei no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa de São Paulo, o estudante Leonardo Veronezi, 16 anos, treinava todos os dias, das 16 às 21 horas. Com o fechamento temporário do local, que forma atletas de alto rendimento, o grupo adaptou parte das práticas dentro de casa mesmo. A equipe, formada por vinte jovens, se reúne em videoaula diária de uma hora para manter o programa de exercícios sob os olhos do treinador André Vicente Oliveira da Silva, 38 anos. O técnico envia uma planilha de atividades a ser cumpridas para que os alunos não percam o ritmo. “O vôlei é um esporte coletivo, então tive de redefinir estratégias de treino técnico e físico de forma individual.” Para fazer um dos exercícios, Leonardo desenhou um quadrado na parede do quarto com fita-crepe. A atividade inclui bater a bola dentro dessa delimitação. É uma forma de treinar força, saque, ataque, precisão e controle. “Fico batendo a bola por quase uma hora, minha mãe e os vizinhos não devem estar muito felizes”, brinca. Outras dinâmicas incluem circuitos montados com objetos domésticos, como garrafas, cadeiras e até chinelos.

O estudante Leonardo Veronezi: “fico batendo a bola por quase uma hora, minha mãe e os vizinhos não devem estar muito felizes” (Acervo pessoal/Veja SP)

Apaixonado por academia e frequentador assíduo desde os 16 anos, o apresentador Juliano Ceglia, 42, ficou apreensivo quando o espaço fechou. Dentro do pequeno apartamento na Vila Olímpia, lembrou dos dois galões de água que serviriam de peso. A ideia foi moldar os exercícios de funcional do crossfit para a sua varanda. Também aproveitou uma área comum do prédio que estava vazia para alternar sua rotina de atividade física, uma hora por dia de domingo a domingo. Com isso, virou referência no assunto entre os vizinhos. “No grupo de WhatsApp, com cerca de 200 pessoas, recebo perguntas sobre o que se pode fazer em casa.” Os moradores dos condomínios ao redor se engajaram na malhação e acompanham os exercícios de Ceglia pela varanda. “Percebi que as pessoas estavam vendo e fazendo os movimentos em seus terraços. No final, costumam até aplaudir.”

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Juliano Ceglia: cronograma de treinos diários e adaptações em espaços pequenos (Leo Martins/Veja SP)

Quem também ficou perdido quando as academias foram fechadas foi o advogado Evandro Carneiro Rios Junior, 33 anos. Ele costumava treinar pelo menos duas horas por dia. “Se não faço exercícios, não consigo passar o dia bem. Fico ansioso, irritado e como sem controle.” Foi por isso que procurou um personal trainer para orientá-lo em aulas virtuais duas vezes por semana. “Sou superdeterminado na academia, mas em casa não estava conseguindo me encontrar.” Para completar seu cronograma de malhação, instalou uma fita suspensa na porta do quarto. A vantagem é que o treino trabalha tórax, costas, pernas e glúteos. “É um acessório bem versátil e posso levar para qualquer lugar.”

Evandro e a fita suspensa no quarto: treino completo para o corpo (Leo Martins/Veja SP)

Diante do novo cenário, os profissionais também tiveram de se reinventar para atender seus alunos de forma remota. Norton Mello viu o número de alunos virtuais saltar de trinta para 86 em cerca de dois meses. Mello mantém dois tipos de atendimento: as aulas personalizadas, em que acompanha e treina com o aluno por meio de videochamada, e as consultorias, treinos formulados para cada cliente, sem o acompanhamento ao vivo. Além disso, coloca no Instagram vídeos de exercícios e faz lives. No último dia 1º, atingiu a marca de 30.700 pessoas se exercitando ao mesmo tempo. As transmissões ao vivo também estão sendo usadas por academias como Competition, Runner e Bodytech.

Lui, em aulas remotas pelo celular: aumento de seguidores, atividades em trinta minutos e alunos no exterior (Leo Martins/Veja SP)

Personal trainer de famosas como Sabrina Sato e Luciana Gimenez, Marcio Lui, 42 anos, também começou a dar aulas remotas, que muitas vezes terminam perto da meia-noite. O treino de uma hora passou para trinta minutos. “Percebi que na quarentena as pessoas não estavam preparadas para práticas em casa, sozinhas, por esse período. Por isso adaptei as atividades para a metade do tempo, e está funcionando muito bem”, diz Lui, que atende 45 alunos por meio de aulas personalizadas em vídeo, incluindo brasileiros que moram na Alemanha, em Portugal e nos Estados Unidos.

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Cada aula sob o olhar atento de Lui sai por 140 reais — ele trabalha com pacotes mínimos de dez aulas. Ele pede ao aluno que o celular seja posicionado em local onde consiga enxergá-lo por completo executando o movimento, para fazer correções. Para quem não pode pagar pelo treino personalizado, Lui publica aulas e desafios nas redes sociais e ganhou mais de 100 000 seguidores nos últimos sessenta dias. Ele afirma que os treinos virtuais devem se tornar uma tendência, mesmo após o fim da quarentena. “As pessoas estão começando a se adaptar e estão se dando conta de que mesmo dentro de casa é possível manter o corpo saudável.”

(Marcio Lui/Veja SP)

Esse movimento chamou a atenção dos consultores de venda da Technogym, marca de equipamentos de ginástica voltada para o público A. “Na quarentena, as pessoas perceberam que ter um aparelho pode ser vantajoso”, diz Marcela Cooke, responsável pelo time de vendas para clientes que querem ter os equipamentos em casa. No ano passado, nesse mesmo período, foram vendidas cerca de vinte esteiras ergométricas. Agora, passaram de 100. Os atendimentos são feitos por telefone e há opções de esteira a partir de 27 000 reais na empresa (nas grandes lojas de varejo, é possível encontrar modelos que começam em 1.200 reais). Para quem não quer investir muito, há aluguel doméstico de aparelhos como esteiras, formato que nunca teve grande adesão e que agora disparou. “Só não alugo mais porque não consigo fabricá-las em quantidade suficiente”, diz Fernando Benatti, 42 anos, sócio da Ergolife/ AlugaFitness, que produz por volta de 1 000 esteiras por mês no Ipiranga. Por lá, a locação começa a partir de 199 reais mensais de um equipamento que poderia custar 4 000 na aquisição. “Antes, a gente alugava 10% da produção, o resto era vendido a academias e condomínios. Agora, os aluguéis caseiros representam 60% dos negócios. Contratamos mais dez funcionários e mesmo assim não damos conta dos pedidos.” A nova demanda, no entanto, não significa tranquilidade para o empresário. “Não sabemos o que vamos fazer caso surja uma vacina e todos esses usuários devolvam os equipamentos ao mesmo tempo.” No momento, a marca tem esteiras em cerca de 3 000 lares paulistanos. A Fasafit, no mercado há 25 anos, também tinha como foco locação e venda de equipamentos para academias, condomínios e clínicas. A busca por aluguéis para residências surpreendeu a loja, que hoje está sem estoque e com fila de espera que varia de trinta a sessenta dias, dependendo do item desejado. O gerente Arthur Gentil, 23 anos, diz que, para conseguir atender aos pedidos, técnicos foram chamados para agilizar a manutenção de aparelhos semi-novos, entre esteiras, bicicletas, elípticos e miniestações de musculação. A influenciadora digital Isadora Lopes, 37 anos, foi uma das que ajudaram a aquecer o mercado. “Sempre fui muito esportista, e se eu não praticar exercícios eu durmo mal, fico estressada.” Sem poder correr ao ar livre, alugou uma esteira e a posicionou no meio da sala. “O bom é que incentivou a família toda a praticar exercícios.” No mesmo time está a advogada Marina Chaves, 35 anos. Sem saber como conciliar sua rotina de home office com a atividade física diária, adquiriu acessórios básicos, como halteres, caneleiras, elásticos e fita suspensa, para manter seu treino funcional. “Ajudou a recuperar a resistência, mas sentia falta da atividade muscular e aeróbica mais intensa.” Nas suas buscas, descobriu o aluguel de aparelhos, e optou pelo elíptico, equipamento para exercícios que trabalham a parte cardiovascular. “Sinto que a minha quarentena está mais saudável física e psicologicamente.”

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Isadora com a esteira alugada: família em forma (Beto Mellao/Veja SP)

A fisiatra e coordenadora do serviço de reabilitação do Hospital Sírio-Libanês, Christina May, é categórica ao afirmar que os exercícios físicos só trazem benefícios. “Cada vez mais descobrimos quanto aumenta a capacidade física e cognitiva, além de prevenir doenças e melhorar o humor.” Mas ela chama a atenção para os cuidados de fazer em casa, longe de um profissional que possa orientar. Christina diz que a dança, por exemplo, é uma das práticas a ser feitas sem medo, assim como a caminhada. “Se tem problemas nos joelhos, basta evitar o impacto dos saltos e dançar no mesmo lugar.” O ideal é que as atividades moderadas completem 150 minutos durante a semana. “Quando a pessoa perceber que não consegue mais manter uma conversa ou está sem fôlego, significa que a atividade passou de baixa intensidade para moderada ou alta. Nesse caso, se não tiver uma orientação, ela deve parar”, diz a médica Silvana Vertematti, presidente do Departamento Científico de Medicina Desportiva da Associação Paulista de Medicina. Além do aeróbico, o fortalecimento também é necessário. Abdominal, isometria e levantamento de peso estão entre as alternativas. A meta deve ser de dez a quinze repetições em três séries. “Se não puder, diminua a frequência ou o peso e tente de novo no dia seguinte”, orienta Christina.

O isolamento social também não deve ser desculpa para descuidar da alimentação, dupla perfeita da atividade física. “É com ela que vamos fortalecer a nossa imunidade e manter o corpo saudável”, diz a nutricionista Gabriela Bisogni, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Nada é proibido, desde que consumido em equilíbrio.” Uma das estratégias é deixar o estoque de comidas mais saudável possível em casa para não perder o foco. “A gente sabe que existe aquela fome emocional, vontade de comer algo que nos traz boas lembranças. Pode fazer, desde que não seja constante”, explica. Para quem for entrar no modo malhação, ela indica alimentos de fácil digestão e que tenham carboidrato, como frutas com aveia e, depois da atividade, iogurte com granola ou torrada com queijo branco. “Não existe uma receita única e cada indivíduo tem sua especificidade, mas não pode deixar de se alimentar antes da prática.” As especialistas enfatizam a importância de se manter em movimento para evitar o sedentarismo e suas consequências. “Até mesmo varrer a casa vira uma atividade que conta”, afirma Christina.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 10 de junho de 2020, edição nº 2690.  

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