3 perguntas para… Vera Holtz
Artista fala sobre a experiência de viver uma ativista iraquiana na peça “Palácio do Fim”
A atriz paulista Vera Holtz, de 59 anos, titubeou muito antes de aceitar o convite do diretor José Wilker para interpretar uma ativista iraquiana no drama “Palácio do Fim”, que estreia na sexta (20) no Sesc Consolação. Ao lado de Camila Morgado e Antonio Petrin, ela revive no palco os horrores da Guerra do Golfo e conta o quanto é doloroso incorporar a personagem, que narra as crueldades da polícia do ditador Saddam Hussein (1937-2006).
VEJA SÃO PAULO — Por que levou mais de um ano para aceitar o papel?
Vera Holtz â É um texto muito pesado, a minha personagem detalha uma tortura infantil. Eu chorava sem parar toda vez que lia, e isso me fazia mal. Não conseguia separar a atriz do ser humano. Então o Wilker me tranquilizou, disse que até o projeto sair levaria um tempo e eu poderia amadurecer a ideia. No aniversário dele, em agosto, soube que outras colegas haviam sido sondadas. Fui tomada por um ciúme enorme e enfrentei o desafio. Ainda sofro durante o espetáculo, mas hoje não interessa mais o meu sentimento, e sim como ele se reflete para o público.
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VEJA SÃO PAULO — Essa negação tem relação com o fato de você fazer parte de uma geração que viveu ainda sob um regime militar?
Vera Holtz â Quando entrei na USP, em 1973, era complicado, mas eu fazia parte da turma hippie, chamada de alienada por todos. Pesquisei na internet fotos das crianças violentadas no Iraque. Injustiças me tocam muito, e o público associa à realidade brasileira. Vejo em São Paulo a intervenção das autoridades na região da Cracolândia e me revolto, porque ninguém oferece auxílio àquelas pessoas. Durante a temporada no Rio, a plateia comparava com os garotos dos morros. Tenho consciência do meu papel social. A dimensão humana dos meus personagens aumenta à medida que as pessoas me abordam nas ruas.
VEJA SÃO PAULO — Você acha que, pelo seu jeito extrovertido, as pessoas se sentem mais à vontade para abordá-la?
Vera Holtz â Minha mãe é de uma família de catorze filhos, tenho três irmãs e fomos criadas junto de mais de cinquenta primos. Aprendi a viver no meio de um monte de gente e sempre tive plena noção de que não sou única. Quando cheguei à capital, sofria porque em Tatuí, minha cidade, no interior de São Paulo, todos me acenavam. Eu dizia que um dia seria assim por aqui também. Depois de mais de vinte anos no Rio, voltei aos poucos para São Paulo. Montei um apartamento nos Jardins e fico nele metade do meu tempo. As pessoas me abordam, acenam, chamam pelo nome… Fico feliz por ter reencontrado esse carinho.