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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Corpo perfeito: a mulher como prisioneira da própria liberdade

Lá se foram quase 50 anos desde que as militantes do Movimento pela Libertação das Mulheres “queimaram” seus sutiãs em Atlantic City. O objetivo do ato era dar um grito de liberdade, abdicando de símbolos da beleza feminina de então, dado que a beleza era definida principalmente por vestimentas e maquiagem. As mulheres não queriam mais […]

Por VEJASP
5 dez 2014, 18h01
Modelo e apresentadora, Andressa Urach está internada na UTI após aplicação de gel nas coxas

Modelo e apresentadora, Andressa Urach está internada na UTI após aplicação de gel nas coxas

Lá se foram quase 50 anos desde que as militantes do Movimento pela Libertação das Mulheres “queimaram” seus sutiãs em Atlantic City. O objetivo do ato era dar um grito de liberdade, abdicando de símbolos da beleza feminina de então, dado que a beleza era definida principalmente por vestimentas e maquiagem. As mulheres não queriam mais atender às expectativas machistas de beleza. Desde então muitas conquistas vêm sendo alcançadas. A maior inserção no mercado de trabalho e a ampliação da vivência da sexualidade são elementos que se destacam. Mas a queima dos sutiãs parece não ter sido suficiente para a libertação do aprisionamento à beleza. Talvez as mulheres (e a sociedade) tenham caído em outra armadilha.

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A mulher, antes aprisionada pela beleza por meio de roupas e adereços, passou a ser aprisionada pela mesma ditadura da beleza, agora por meio do culto ao corpo. A medicina e a ciência se desenvolveram a tal ponto que permitem hoje que a mulher atenda melhor aos padrões de beleza, não apenas com o uso de adereços, mas com intervenções no corpo.

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Existe sempre um padrão de beleza a ser alcançado. No contexto de nossa cultura, toda a responsabilidade pela beleza fica no plano individual. É questão de mérito. Só não é bonita a mulher que não quer ou que não se esforçou o suficiente. Mesmo a atividade física reforça tais padrões. Antes ela servia como forma de manutenção da saúde. Agora, embora ainda sob o pretexto da vida saudável, também serve à manutenção do culto ao corpo. É curiosa, por exemplo, a quantidade de selfies de celebridades em posições de ioga e treinos de musculação,  maximizados por dietas restritivas, uso de suplementos alimentares, hormônios artificiais, silicone e bisturi.

Especialista alerta para os limites na busca do corpo perfeito

As clínicas de cirurgia plástica estão cada vez mais lotadas, tanto aquelas conduzidas por cirurgiões plásticos quanto aquelas operadas por falsos profissionais com métodos comprovadamente danosos. Tem até programa de TV com cirurgião de sotaque à Henry Sobel. Nesta busca frenética pelo corpo perfeito, muitas mulheres se submetem aos mais pavorosos procedimentos cirúrgicos, colocando em risco sua saúde. São cada vez mais frequentes os casos de celebridades com problemas de saúde gerados por cirurgias plásticas. Há também casos de morte por complicações pós-cirúrgicas.

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Uma vez que a beleza é elemento central na determinação da identidade, a cirurgia plástica é importante e útil para muitos casos corretivos. Atualmente, dentro de nossa lógica mercantilista e utilitarista, muitos limites foram rompidos. O corpo passou a ser também um objeto de consumo.

O corpo ideal é aquele percebido como um objeto de consumo do prazer. E a mulher está a serviço de seu corpo como tal. A academia e a plástica agregam valor a este produto. Assim, embora haja um discurso libertário segundo o qual a mulher é dona de seu corpo e pode fazer com ele o que bem entender, a estrutura social acaba por aprisionar novamente a mulher nos padrões de beleza vigentes. O corpo deixa de ser percebido como parte de si e passa a ser visto como um inimigo que precisa ser domado. É preciso lutar contra o envelhecimento, contra a gordura e é preciso dar ao corpo o que lhe falta: seios, bunda, coxas, lábios…

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O que leva as mulheres a se preocuparem tanto com a beleza de seus corpos a ponto de se submeterem a procedimentos invasivos que acabam por lhe ameaçar a saúde e a própria vida? Considero que há fatores sociais e fatores individuais.

No plano social, todos nós estamos sujeitos às normas sociais. Isso não significa que somos agentes passivos, mas tais normas têm forte poder sobre a vida das pessoas. Até porque quem está fora da norma sofre preconceito e discriminação. É sabido que nos Estados Unidos mulheres consideradas mais bonitas têm salários melhores do que suas colegas “feias”. Embora não existam dados, a realidade não deve ser diferente no Brasil. A pressão sofrida pela mulher na sociedade é dura.

Se uma mulher com corpo fora dos padrões ousa mostrá-lo em público, seja usando biquíni, seja com roupas mais curtas, é punida com olhares de deboche e reprovação. Há casas noturnas que usam uma regra falsa segundo a qual só se pode entrar com nome na lista de convidados. Na verdade, é um jeito de evitar a entrada de mulheres consideradas fora do padrão de beleza. Sim, porque abre-se exceção no caso de qualquer mulher dentro do padrão. Neste contexto atroz, as mulheres que dispõem de recursos, tendem a buscar soluções plásticas para fazer frente a tais pressões sociais. Se não pode vencer o inimigo, junte-se a ele.

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Quando olhamos a dimensão individual, a primeira coisa que deve ser levada em conta é o fato de que cada mulher está inserida exatamente neste contexto social. Cada uma delas sente e reage de modo particular às pressões sociais. Cada uma tem sua própria personalidade, sua própria história de vida, sua própria genética, suas próprias condições concretas de vida.

De qualquer modo, o que se vê em comum entre a maioria das mulheres que exageram na realização de cirurgias plásticas é a baixa auto-estima em função de inseguranças geradas ao longo de sua vida. Tais inseguranças podem ser falsamente compensadas por um nariz novo, seios maiores ou lábios carnudos. A intervenção cirúrgica possibilitará uma nova selfie que será compartilhada e poderá receber muitos likes.

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Cada nova curtida anestesia momentaneamente a angústia que a mulher sente a respeito de seu corpo e de si própria. O acesso a um marido mais bonito ou mais rico termina de compor a cena da selfie e anestesia ainda mais a dor de olhar pra si de maneira integral. Mas a angústia que se sente não é algo ruim, é parte da condição humana. A percepção de plenitude na vida depende de olhar também para as próprias limitações e imperfeições. A angústia vem daí. Ignorá-la é solução artificial. O caminho sempre é aprender a lidar com ela.

Talvez o ponto central que a cirurgia plástica atinja seja o medo da morte, essa algoz indomável e irreversível. A plástica vira uma obra de arte que nos distrai, mulheres e homens, da realidade do envelhecimento e da morte. O triste da solução artificial é que a vida acaba por passar sem ter sido vivida. Uma vida de plástico. A individualidade fica comprimida debaixo da pele esticada, escondida para que ninguém a veja, nem sua própria dona.

Algumas mulheres descobrem a ilusão dessa solução ainda antes de envelhecer, na solidão de uma maca no hospital enquanto se recuperam das complicações geradas pela plástica. Evitar a morte precoce ou o vazio da artificialidade corporal depende de um olhar franco para si. A efetiva vivência da liberdade da mulher passa pelo enfrentamento dos ditames socialmente impostos e pela coragem em enfrentar as angústias de acordo com seu próprio tempo. Do contrário, os mesmos seios que se libertaram do sutiã ficarão agora esmagados entre bolsas de silicone.

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