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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Um defeito? Sou perfeccionista!

Um elemento interessante sobre o perfeccionismo é que, embora seja um padrão comportamental disfuncional, ele é frequentemente visto como uma qualidade desejável. Quando eu conduzia entrevistas para contratação de funcionários em uma grande indústria, chamou minha atenção a frequência com que os candidatos mencionavam o perfeccionismo como um ponto negativo de si mesmos. Eles provavelmente […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 22h07 - Publicado em 29 abr 2014, 14h23

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Um elemento interessante sobre o perfeccionismo é que, embora seja um padrão comportamental disfuncional, ele é frequentemente visto como uma qualidade desejável. Quando eu conduzia entrevistas para contratação de funcionários em uma grande indústria, chamou minha atenção a frequência com que os candidatos mencionavam o perfeccionismo como um ponto negativo de si mesmos. Eles provavelmente declaravam esse “defeito” por entenderem que se trata, digamos, de um defeito bom. Isso aumentaria suas chances de serem contratados. Minha suspeita foi confirmada quando passei a pedir que me explicassem um pouco sobre como aquele ponto negativo atrapalhava suas vidas. A maioria não conseguia construir uma explicação coerente. Alguns até gaguejavam. Apenas alguns poucos respondiam com propriedade de que forma o perfeccionismo os atrapalha. E diziam claramente que se tratava de um problema. Lembro-me de uma candidata a estágio na área de engenharia que chegou a se emocionar falando das angústias geradas por seu perfeccionismo. Por que ele é um padrão de comportamento disfuncional e por que ele se confunde com uma qualidade desejável?

O perfeccionismo não é um único comportamento mas, na verdade, uma classe de diversas respostas que cumprem a mesma função para o indivíduo. É esta função que explica o porquê de alguém se comportar de modo perfeccionista. Uma pessoa dita perfeccionista é aquela equivocadamente convicta de que só será aceita socialmente se tudo o que fizer for feito com perfeição. Quando algo é feito com falha ou limitação, o perfeccionista acredita que as pessoas ao seu redor gostarão menos dele por aquilo. Acredita que seu valor como indivíduo é reduzido. Acredita não ser merecedor da atenção, do afeto e da admiração do outro. A fim de evitar a reprovação social, o perfeccionista busca fazer tudo sem falhas. É exatamente esta a função do comportamento perfeccionista, evitar a reprovação social. Embora pareça algo óbvio, essa relação entre comportamento e consequência esconde um aspecto perverso nela contido. Na grande maioria das situações ao longo da vida essa reprovação não acontece de fato. Isso é perverso porque o indivíduo pode passar a vida se esforçando para evitar que aconteça o que jamais acontecerá de fato, ou seja, a oportunidade para verificar que a expectativa não tem sentido pode não aparecer. Fazendo uma metáfora, imagine que alguém lhe diga que você deve segurar fechada a tampa de um tubo. Você é advertido mentirosamente de que, se soltar a tampa, vai acontecer uma explosão capaz de destruir o planeta. É assim que vive uma pessoa perfeccionista. Está sempre segurando a tampa do tubo para evitar o apocalipse. Ela segura a tampa o tempo todo… enquanto trabalha, enquanto escreve, enquanto toma banho, enquanto dorme (!). O gasto de energia e o estresse são muito grandes.

De fato, a despeito de todo o esforço empenhado em fazer as coisas com perfeição, vez por outra o perfeccionista também falha. Mas admitir uma falha ou limitação seria a morte para o perfeccionista. É nessas horas que aparece uma característica marcante do perfeccionista: justificar-se excessivamente. Sempre há uma explicação externa para as falhas do perfeccionista. Na grande maioria das ocasiões os outros sequer estão preocupados com a falha e muito menos com a notícia de que o perfeccionista não é perfeito. Mas não é assim que o perfeccionista vê. Ele jura que todos estão notando sua falha e estão falando a respeito sem que ele saiba. Por isso mesmo ele trata de se explicar o mais breve possível. Para ficar tranquilo, ele precisa de uma declaração explícita dos outros de que está tudo bem e de que a culpa não foi dele. Depois da confirmação explícita dada pelos outros, ainda sobra de brinde um “Mesmo?”… Esse padrão acaba por afastar as pessoas. Infelizmente, o perfeccionista tende a interpretar esse afastamento como uma prova de que as pessoas não aceitaram sua falha e não como um afastamento por estarem simplesmente cansadas de ouvirem o perfeccionista falando de si e se justificando.

Um efeito colateral que também surge no repertório do perfeccionista pela sua necessidade de justificar-se é o padrão de cobrança em relação aos outros. Sim, quando não é possível achar uma justificativa inanimada para suas falhas, resta ao perfeccionista responsabilizar os outros. É por isso que é difícil para um perfeccionista realizar atividades em equipe, uma vez que o resultado de um projeto não depende só de si. Como o foco do perfeccionista é o resultado, ele acaba negligenciando a forma como interage com os outros e cobra desempenho dos demais para que o seu próprio não seja maculado.

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Os perfeccionistas não se comportam todos da mesma maneira. Cada um tem seu próprio padrão de comportamento. Ainda assim, essas características mencionadas aqui podem ser observadas em muitas pessoas que sofrem com esse padrão disfuncional. Como não é possível a ninguém realizar tudo com máxima perfeição, o perfeccionista acaba se concentrando em menos atividades, às quais se dedica com toda a intensidade. Embora esta também pareça uma característica desejável, o fato é que o perfeccionista acaba evitando fazer coisas bacanas para evitar o julgamento. Ele se expõe o menos possível. Em ambiente escolar/acadêmico não vai ao quadro, não faz perguntas, não comenta na aula, não dá sua opinião e assim por diante. Já que cada manifestação é uma possibilidade de julgamento, o perfeccionista entende que o melhor mesmo é ficar quieto. O mesmo vale em outros ambientes como o de trabalho, o familiar, entre amigos… O perfeccionista pode dizer que nunca errou uma cobrança de pênalti… mas tampouco realizou uma alguma vez.

Ao evitar se expor, o perfeccionista acaba desenvolvendo outro padrão comportamental marcante: a procrastinação. No texto sobre financiamento financeiro eu falei sobre como nosso cérebro é mais sensível às consequências de curto prazo do que àquelas de longo prazo de nossos comportamentos. Como o perfeccionista acha que qualquer falha ou fracasso pode ser uma catástrofe que comprometerá sua aceitação no grupo, ele acaba atrasando a realização de tarefas como forma de atrasar as consequências aversivas de seu fracasso.

A zona de conforto do perfeccionista é onde ele não precisa se expor ou onde haja alguma medida de seu desempenho que lhe dê alguma sensação de segurança. Notas escolares, avaliação corporativa de desempenho, metas… são fatores que ajudam o perfeccionista a controlar a própria ansiedade gerada pelo perfeccionismo. Essa zona de conforto faz com que perfeccionistas se engajem principalmente em projetos bem planejados, muitas vezes sem novidade. É difícil ver um perfeccionista empreendedor. Quando é, a angústia experimentada por ele é enorme durante o empreendimento. De modo geral, perfeccionistas lidam melhor com tarefas já planejadas e rotineiras.

O perfeccionismo acaba sendo uma espécie de aquecimento para o estabelecimento de psicopatologias como o transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos alimentares e outros transtornos ligados à ansiedade. Como efeitos posteriores, há ainda a ocorrência de distúrbios depressivos.

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Um dos grandes desafios em relação ao perfeccionismo é que nosso modo de vida ocidental atual é, de certo modo, perfeccionista. Há uma percepção bem difundida de que trabalhar bastante é bom, de que fazer hora-extra é admirável, de que produzir mais significa ser alguém melhor. O perfeccionismo talvez traga em si o maior grau de meritocracia dentre os padrões disfuncionais de comportamento. Perfeccionismo aparece até em currículo de muita gente. Habilidades: pacote “Office”, noções de eletrônica e perfeccionismo.

Costumo dizer aos meus pacientes que arrogância e modéstia excessiva são duas faces da mesma moeda, a moeda da insegurança e da baixa autoestima. Tanto num caso quanto no outro o padrão (arrogante ou excessivamente modesto) serve para evitar a exposição das próprias fraquezas. O perfeccionismo pode aparecer ligado a qualquer das duas faces dessa moeda. A única forma de enfrentar o perfeccionismo é testando a realidade. É ter coragem de soltar a tampa do frasco e ver o que acontece. A fim de escolher as melhores situações para testar isso, a visão de pessoas próximas ajuda. A terapia sempre é um espaço importante para promover a consistência dessa percepção e o enfrentamento da dificuldade com a mudança dos comportamentos perfeccionistas. Isso porque a origem do perfeccionismo está em um padrão consistente de aprendizagem. Uma infância com excessiva cobrança (que pode acontecer mesmo sob a máscara do elogio, como vimos na história de Laurinha, a menina que sempre ganhava elogios) tem o poder de gerar um adulto perfeccionista. Testar a realidade pode ser arriscado, mas é o que garante a mudança e a abertura para uma vida mais prazerosa e de experiências mais ricas.

Nossa… as palavras perfeccionista e perfeccionismo aparecem, juntas, 50 vezes no texto. Isso é um problema de estilo. Tenho que corrigir isso. Ah… deixa assim mesmo. Ufa!

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