Elias Andreato fala sobre “A Graça do Fim” e sua amizade com o dramaturgo Fauzi Arap: “é melhor rir disso, não?”
No início da década de 70, Elias Andreato descobriu o teatro ao ver Maria Bethânia no show “Rosa dos Ventos”. A direção era de Fauzi Arap, e o jovem saiu do espetáculo certo do que pretendia fazer pelo resto da vida. Não tardou para que o palco e a admiração pela cantora baiana aproximasse de vez […]
No início da década de 70, Elias Andreato descobriu o teatro ao ver Maria Bethânia no show “Rosa dos Ventos”. A direção era de Fauzi Arap, e o jovem saiu do espetáculo certo do que pretendia fazer pelo resto da vida. Não tardou para que o palco e a admiração pela cantora baiana aproximasse de vez Elias Andreato e o dramaturgo e encenador Fauzi Arap. Os dois solidificaram uma amizade que durou mais de 30 anos e foi ao consagrado ator e diretor, hoje com 59 anos, que Arap, morto em dezembro de 2013, entregou seu último texto. Trata-se da comédia “A Graça do Fim”, que pode ser vista com entrada franca até o dia 22, de sextas a domingos, no Mezanino do Centro Cultural Fiesp – Ruth Cardoso. Na trama, um velho doente (interpretado por Nilton Bicudo) conversa com o cuidador (papel de Cleiton Santos) e defende uma inusitada visão da morte. E vale lembrar que o onipresente Elias ainda assina outros quatro espetáculos em cartaz. São eles “Elza e Fred”, “Florilégio Musical II – Nas Ondas do Rádio”, “Meu Deus!” e “Myrna Sou Eu”. Mas por aqui o assunto é Fauzi Arap. Vamos, Elias?
Como você recebeu o texto?
O Fauzi escreveu “A Graça do Fim” para o Niltinho Bicudo e para mim, que também dirigiria a montagem. Claro que eu interpretaria o velho, e o Niltinho, o cuidador, não é? Fizemos uma leitura na nossa última visita a ele, pouco antes de sua morte. O Fauzi disse que era só colocar no palco. A minha decisão de não fazer o papel veio um pouco do conhecimento profundo que eu tinha sobre o que ele esperava desse texto. Com a direção, eu ficaria só com o lado divertido. O Niltinho, claro, é um ator deslumbrante e trabalharia melhor essa questão do humor. Hoje, não vejo ninguém melhor para o personagem.
+ Leia entrevista com Nilton Bicudo.
O Fauzi tinha noção de que seria sua última peça?
Sim, ele sabia. Fauzi não suportava mais viver com dor, reclamava que estava tudo muito chato. Nos últimos tempos, nós falávamos muito sobre a morte.
O que é essa graça do fim?
É o fim mesmo. Sem nenhum tom trágico. Simplesmente isso, o fim. Nós brincávamos muito com esse tema. Pode parecer mórbido, mas quando a vida está avançada, isso se torna inevitável. Então, é melhor rir disso, não? Na intimidade dos nossos encontros, eu adorava vê-lo gargalhar com minhas observações irônicas.
+ Morre Fauzi Arap, o diretor da palavra.
Quais são os momentos mais marcantes que você guardou dessa amizade?
Conheci o Fauzi na minha juventude como “o diretor dos shows da Maria Bethânia”. Através dos roteiros de Bethânia e Fauzi, fui apresentado aos textos de Clarice Lispector e Fernando Pessoa. Eu assisti a todos os seus espetáculos e também fui assistente de direção dele. Fauzi sempre me dava sugestões de como resolver o final das minhas peças ou personagens. Também lia os meus poemas para ele (confira abaixo poema escrito em homenagem a Arap). Era maravilhoso. Ele prestava atenção. Caminhávamos pela cidade à noite e terminávamos sentados num banco diante da estátua da Mãe Preta, lá no Largo do Paissandu, com o dia amanhecendo. Ele sempre me chamava de Eliasinho. E, assim, fui me tornando artista.
+ Leia o perfil de Elias Andreato.
De que forma a figura do Fauzi faz mais falta ao teatro brasileiro?
Fauzi trouxe para o teatro a liberdade poética, sem medo de ser romântico, frágil ou louco. Ele percorria o masculino e o feminino sem clichês, sem se preocupar com julgamentos. Seu único compromisso era com a verdade. Também usava a trilha sonora como um complemento do texto de maneira única. Os cantores populares eram seus colaboradores, entende? Você podia odiá-lo, mas ele estava sempre inteiro com suas angústias e tormentos. E não eram poucos. O seu teatro era visceral, gesticulado, o pensamento nunca foi cartesiano. O discurso era alucinógeno. E, na época em que nos conhecemos, o país vivia uma ditadura. Era proibido pensar nas frescuras da alma. E, como eu vinha da periferia, a frescura me seduziu e me deixei arrebatar por ele. Hoje, fico com a saudade e a arte do meu amigo. Até que a minha morte nos separe.
Poema para Fauzi Arap
“Meu Mestre do Encantamento
Você descerrou a cortina das minhas retinas revelando segredos…
E como numa longa viagem de regressão… Fui conduzido ao universo místico do teatro… como uma deliciosa brincadeira entre ‘Mocinhos e Bandidos’
Suas palavras imantadas… Num inesquecível poema… Me revelaram um ‘Ponto de Luz’
Guardo também a lembrança da sua ‘Rosa dos Ventos’, que provocou minha juventude… Inundando de amor meu coração nas águas profundas do ‘Mare Nostrum’ e foi assim que eu passei a viver o meu grande ‘Amor do Não’
Hoje sei que só os poetas… Loucos e enfermos de alma podem brilhar tanto… É para iluminar nosso planeta toda vez que se abre um ‘Pano de Boca’”
Elias Andreato
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