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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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O problema do suicídio entre adolescentes

O assunto está em voga nos últimos tempos; confira sintomas, mitos e como ajudar nesses casos

Por Arnaldo Cheixas
Atualizado em 19 Maio 2017, 17h27 - Publicado em 8 Maio 2017, 16h52

O debate sobre o suicídio entre adolescentes tem sido destacado nos meios de comunicação em função do controverso jogo “blue whale” (baleia azul), sobre o qual ainda há poucas certezas. Existem casos recentes de suicídios e de tentativas de suicídio que parecem estar associados ao jogo.

Baleia Azul

Ao que parece, curadores anônimos convidam adolescentes a participar do jogo por meio das redes sociais. Depois de aceitar participar, o adolescente passaria a receber sucessivos desafios envolvendo assistir a filmes de terror durante a madrugada e automutilação – dentre outros –, culminando com o desafio derradeiro de tirar a própria vida. Os adolescentes seriam coagidos a manter a participação até o fim sob ameaças dos curadores de que, em caso de desistência, males seriam praticados contra seus familiares.

Casos foram registrados em vários países, inclusive no Brasil. Aqui a investigação tem sido conduzida principalmente pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática do Rio de Janeiro mas há investigações paralelas feitas pelas polícias de outros estados. Por enquanto não se sabe a extensão do problema e é importante aguardar os resultados preliminares da investigação policial. De qualquer modo, os casos apurados por jornalistas de diversos veículos realmente aconteceram e estão sendo investigados. Todo o resto são boatos e conjecturas. E, independentemente disso, o problema da morte auto-imposta é real e nessas horas é melhor não subestimar os riscos de uma onda de suicídios entre adolescentes.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (O.M.S.), a cada quarenta segundos em média uma pessoa tira a própria vida em algum lugar do planeta. Foram quase um milhão de casos registrados em 2012, ano de referência dos dados do relatório mais recente do órgão internacional, publicado em 2014.

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O suicídio é a segunda causa global de mortalidade de adolescentes e adultos jovens (de 15 a 29 anos), atrás apenas dos acidentes de carro. Embora no Brasil a maior incidência esteja na faixa etária seguinte, de 30 a 39 anos, ela também é alta entre adolescentes, de modo que o problema não deve ser subestimado e exige atenção permanente no país, devendo envolver em suas ações os próprios adolescentes, os pais, a escolas e os governos.

13 Reasons Why

À luz desse cenário preocupante, a Netflix estreou a série 13 Reasons Why. Uma tradução livre do título pode ser Treze Motivos Pelos Quais – o número treze em inglês traz uma associação direta com a adolescência. A série conta a história de Hannah, uma adolescente que, antes de cometer suicídio, grava em fitas cassete treze razões que a levaram a tirar a própria vida. Os núcleos explicativos para o suicídio são o bullying e a incompreensão dos adultos sobre o sofrimento de Hannah.

Como é sabido que a publicidade de casos de suicídio pode fazer com que outras pessoas o executem logo após a divulgação – fenômeno conhecido como efeito Werther –, a série gera sim preocupação. O suicídio da personagem Hannah Baker é envolto em bastante romantismo, desde a beleza da maior parte das personagens até o próprio fato de que a protagonista, mesmo morta, continua presente na vida dos demais por conta dos áudios deixados com sua voz. Esse aspecto particularmente atiça uma fantasia muito presente no discurso de quem tem ideação suicida, que é a expectativa de que sua morte fará com que as pessoas que lhe magoaram sofram e de certo modo paguem pelo mal praticado.

Um dado interessante é que a série da Netflix fez aumentar a quantidade de pessoas que estão entrando em contato com o Centro de Valorização da Vida, um serviço gratuito voltado para a prevenção do suicídio. Mas ainda é difícil saber se esta notícia é boa ou ruim.

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Como psicólogo não posso deixar de olhar com preocupação o fato de o suicídio ser apresentado de forma tão romantizada na TV mas não se pode negar que os produtores de 13 Reasons Why foram corajosos ao trazer o tema de forma tão aberta. Um efeito positivo inegável é a repercussão que tem feito com que o tema seja discutido. Se se trata apenas de comoção passageira ou se produzirá avanços na prevenção, só o tempo dirá. Por enquanto não podemos deixar passar a oportunidade de conversar a respeito.

 Fatores de risco para o suicídio

A seguir os elementos mais comuns na vida de pessoas que se suicidaram e que servem como sinais de alerta:

  1. Presença de perturbações mentais (presentes em 90% dos casos).
  2. Stress social.
  3. Grandes perdas (ente querido, emprego, patrimônio…).
  4. Abuso no passado, físico ou emocional.
  5. Desesperança em relação à própria vida.
  6. Sensação de desamparo, impossibilidade de agir sobre os problemas.
  7. Exposição ao suicídio de alguém conhecido ou famoso.
  8. Dificuldades sexuais.
  9. Doença e dor.
  10. Acesso facilitado aos meios necessários para se suicidar.
  11. Acontecimentos violentos (guerra, desastres, golpes de estado).
  12. Repertório pobre para enfrentamento de problemas.
  13. Problemas familiares.

Fatores de proteção

Os elementos que significam menor risco de suicídio são:

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  1. Existência de apoio da família e de uma rede de amizade sólida.
  2. Presença de crenças.
  3. Envolvimento na comunidade.
  4. Vida social satisfatória.
  5. Acesso aos serviços de saúde existentes.

Os avisos que aparecem antes de uma tentativa de suicídio

Na maioria dos casos de suicídio, há alguns sinais que antecedem a ação e que podem ajudar quem está perto a prestar apoio e até evitar que a tragédia de fato aconteça. Aqui estão eles:

  1. Falta de interesse pelo próprio bem-estar.
  2. Mudanças de comportamento.
  3. Declínio da produtividade.
  4. Alterações no sono e na alimentação.
  5. Tentativa de ficar em dia com pendências pessoais e de fazer as pazes com desafetos.
  6. Interesse incomum em como os outros se sentem.
  7. Preocupação com temas de morte e violência.
  8. Súbita melhoria no humor após uma depressão.
  9. Promiscuidade repentina ou aumentada.
  10. Dificuldade em lidar com problemas.
  11. Pressão negativa dos colegas/bullying.
  12. Família disfuncional.

Mitos sobre o suicídio

Os mitos mais comuns e que geram confusão e preconceito são os seguintes:

  1. “Quem fala em suicídio não se mata porque na verdade só quer chamar a atenção.” Errado. A maioria dos suicidas falaram sobre essa possibilidade antes de se matar efetivamente. Na verdade o suicida muda de ideia frequentemente.
  2. “Suicídio é sempre um ato impulsivo e acontece sem aviso.” Errado. O suicídio normalmente é elaborado aos poucos ao longo do tempo.
  3. “Suicidas querem mesmo morrer e estão decididos, não havendo nada que se possa fazer para persuadi-los a mudar de ideia.” Errado. A maioria manifesta ambivalência.
  4. “Quando alguém sobrevive a uma tentativa, está fora de perigo.” Errado. Ao menos uma tentativa prévia ocorre na maioria dos casos que se efetivam. O período logo após uma tentativa é especialmente perigoso.
  5. “Conversar sobre suicídio é o mesmo que dar ideia.” Errado. Discutir o tema em todos os níveis ajuda alguém com ideação suicida a mudar de ideia e procurar ajuda.
  6. “Crianças não se suicidam.” Errado. Embora a incidência seja menor do que em qualquer outra fase da vida, crianças se suicidam sim e deve haver atenção permanente quanto a esse risco.

Como ajudar o adolescente que fala em suicídio

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Durante uma crise de ideação suicida é importante oferecer suporte com tranquilidade. Não se deve julgar o desejo do outro de interromper a própria vida mas sim procurar escutar com atenção as razões que o motivam para tal. Nesse ponto é importante saber reconhecer e respeitar a escolha que resulta dos elementos apresentados mas sem jamais aceitar a escolha como algo normal.

A pessoa com ideação suicida deve ser estimulada a se abrir e a compartilhar o que pensa e o que sente. O foco do ouvinte deve permanecer no momento atual; falar sobre o passado ou o futuro só aumenta a ansiedade e reforça os sentimentos de frustração. Nesse sentido, deve-se evitar conselhos amplos. As sugestões e conselhos devem se concentrar no aqui e agora.

O ponto mais importante sobre a ajuda a um adolescente com ideação suicida talvez seja o quanto é possível não atrapalhá-lo. E a forma mais desastrosa de atrapalhar um adolescente potencialmente suicida é julgá-lo, estigmatizando-o em seu sofrimento. Frases como “Eu na sua idade fazia assim e assado…” devem ser evitadas fortemente.

Finalmente, é importante discretamente restringir o acesso da pessoa aos meios de praticar o suicídio porque, em um momento de dúvida, a disponibilidade dos meios pode fazer toda a diferença entre a vida e a morte.

 Alguns apontamentos

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Ainda que os efeitos da depressão sobre o cérebro sejam muito similares para qualquer pessoa do ponto de vista da fisiologia dos neurotransmissores, o tratamento que funciona para um não necessariamente funciona para outro. A melhor conduta deve ser determinada pelos profissionais de saúde sempre em conjunto com o paciente e com os familiares, respeitando-se as particularidades de cada caso.

Embora 60% dos suicidas estivessem deprimidos, o fator principal que os levou ao ato (quando há registro) foi a sensação de desesperança, muito mais do que a depressão em si. Isso se confirma pelos casos de suicídio em que não havia evidência de depressão mas sim a desesperança, a sensação de que a própria vida não tem sentido.

O consumo de álcool e outras drogas deve preocupar particularmente durante a adolescência porque é sinal de que algo não vai bem na vida do adolescente. A substância química, de modo geral, preenche um vazio que normalmente tem a ver com frustrações prévias. Três quartos das crianças e adolescentes com ideação suicida não conseguem falar com um adulto a respeito. Nesse sentido, os professores têm papel chave na vigilância porque eles têm uma posição privilegiada, uma vez que não são tão distantes do adolescente a ponto de não gerar confiança (como um estranho) e nem tão próximos a ponto de gerar desconfiança, vergonha e medo (como os pais).

Adolescentes são mais vulneráveis que adultos porque a pouca experiência com a vida, combinada com seu foco no aqui e agora, os atrapalha na hora de avaliar as consequências de seus atos. Ainda assim, o sofrimento é muito forte com as questões que angustiam um adolescente em risco (bullying, perdas, violência etc). Isso tudo acontecendo num ambiente social virtual, no qual tudo tem velocidade espantosa. Às vezes, é difícil para um adulto entender as expectativas e as angústias vivenciadas pelos adolescentes no ambiente virtual uma vez que esse ambiente não fez parte da adolescência dos adultos de hoje.

Um dado motivador é que, de acordo com o citado relatório da O.M.S., o número absoluto de suicídios caiu globalmente 9% de 2000 para 2012, a despeito do aumento populacional. Isto significa que as políticas de prevenção estão avançando.

Embora o Brasil faça parte de um seleto grupo de países que possuem informações confiáveis sobre o suicídio, tal precisão informativa ainda não se converteu em políticas que permitam a redução de ocorrências trágicas em consonância com a média global. Este é, portanto, o desafio diante do qual estamos. Debater incessantemente o problema é o primeiro passo a ser adotado. Nesse sentido, que o burburinho gerado pelo seriado 13 Reasons Why sirva como gatilho para nos impulsionar para ações concretas de prevenção.

Finalmente…vale registrar aqui que, se você precisa de ajuda neste momento, o CVV atende gratuitamente e de forma completamente anônima por meio do número 141.

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