Denise Weinberg sobre Clara Carvalho: “Conhecemos a alma uma da outra”
A atriz, um dos símbolos do Grupo Tapa, escreve sobre a amiga e colega, que apresenta o espetáculo "O Jardim das Cerejeiras" no Teatro Aliança Francesa
Eu e Clara Carvalho somos testemunhas oculares de nossas próprias vidas até hoje, por mais de 33 anos. Clara entrou no Grupo Tapa em 1985, quando ainda morávamos todos no Rio de Janeiro e apresentávamos o Festival de Teatro Brasileiro no Teatro Ipanema. Em 1986, partimos todos para São Paulo para uma temporada do espetáculo O Tempo e os Conways, dirigido por Eduardo Tolentino de Araujo. O resultado foi tão bom que decidimos ficar radicados na cidade, acreditando na possibilidade de que São Paulo seria uma praça bem mais receptiva para nosso teatro que o Rio, que já estava dominado pela televisão.
Viramos uma família em São Paulo, primeiro locados em um hotel meio abandonado na Santa Efigênia, que foi o único que nos deu permuta. O sucesso de O Tempo e os Conways no Teatro Aliança Francesa gerou o convite para ocupar o espaço, que foi a nossa casa, a casa do Grupo Tapa, por várias décadas. Depois, fomos nos virando, morando em apartamentos meio buracos, mas dedicadas inteiramente à vida no teatro, que nos fazia muito felizes.
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Clara sempre foi firme nesta decisão, de se dedicar ao teatro. Eu me lembro que em 1986 o irmão dela se casou no Rio. Ela não podia ir. Tínhamos espetáculo para apresentar naquela noite. A família não acreditou que ela não estaria presente, mas foi neste momento que vi na Clara a vontade e a obsessão que nós duas temos com o fazer artístico e é isso que nos move nesta vida.
Na verdade, não deixamos nossas famílias contrariadas, muito pelo contrário, deixamos nossas famílias acreditando que uma nova possibilidade estava a nossa frente e que o esquema extremamente burguês atrapalhava demais nossos desejos e intenções. Por isso, formamos uma nova família, o Grupo Tapa em São Paulo, em que nos casamos entre nós mesmos. Clara teve Helena, fruto do casamento com Brian Penido Ross, que acompanhei desde a barriga e sempre fomos nos acompanhando. Fomos nos segurando uma na outra para sobreviver em uma cidade estranha e tão diferente do Rio de Janeiro, mas, ao mesmo tempo, extremamente amigável e que nos recebeu de braços abertos, o que fazia com que nós acreditássemos mais ainda que a nossa opção tinha sido a melhor. E foi, sem dúvida nenhuma.
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E foi nessa cidade que fizemos nossos melhores amigos, que fomos apoiados pela imprensa e que começamos a acreditar em nós mesmos. Clara, assim como eu, tem uma obsessão e uma disciplina invejável com seu ofício e foi exatamente essa característica que nos juntou sempre, e até hoje, pensamos de forma parecida, torcemos uma pela outra. Dirigimos juntas A Máquina Tchekov, de Matei Visniec, assistimos aos espetáculos uma da outra, vou até as oficinas que ela dá, enfim, temos um prazer enorme em estarmos juntas, tanto no palco como na vida.
Por isso nos chamamos de irmãs. Conhecemos a alma uma da outra e temos uma amizade muito rara, profunda e muito preciosa, construída por uma vivência juntas, passando por perrengues juntas, tendo prazer e também chorando juntas. Isso não tem preço.
Viva a Clara, que tenho certeza que vai construir lindamente a personagem Liuba, da peça O Jardim das Cerejeiras, que estreia agora na nossa casa, o Teatro Aliança Francesa. E são essas relações preciosas que fazem a vida valer a pena de ser vivida.