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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Memória: morre o restaurateur Belarmino Iglesias (1931-2017)

Fundador do Grupo Rubaiyat faleceu nesta madruga em São Paulo, onde estava internado no Hospital Albert Einstein

Por Arnaldo Lorençato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 jan 2022, 14h16 - Publicado em 30 Maio 2017, 10h45

Faleceu nesta madrugada em decorrência de falência múltiplas de órgão aos 85 anos, Belarmino Fernandez Iglesias, o senhor churrasco. Figura de proa da gastronomia nacional, Iglesias era personagem encantador. No melhor estilo self-made man, ele ergueu um império gastronômico do nada, o que torna sua trajetória ainda mais saborosa.

Iglesias foi um dos homens que ensinou o paulistano a apreciar carnes de qualidade — antes dele, existiam apenas espetos de filé e o contrafilé, cortes ditos nobres, ou melhor, macios. Com sua churrascaria Rubaiyat, nascida em 1957 de um projeto já ambicioso na então elegante Rua Vieira de Carvalho no centro de São Paulo e hoje transformada em uma rede internacional, o restaurateur investiu no desenvolvimento de matrizes bovinas – sim, tudo começa com a qualidade da matéria-prima, ou seja, como se cria o gado –, nas técnicas de maturação, em novos cortes e na grelha inclinada que passou a usar depois de seguidas viagens à Argentina.

 

Belarmino ao lado do filho em outubro de 2011: no vinhedo plantado em Rosendo, na Galícia (Álbum de família/Divulgação)

A história dele com o Brasil e mais especificamente São Paulo começa quase sete décadas atrás, quando o jovem boa pinta e de fala fácil deixou para trás uma Europa emprobrecida e ainda arrasada pela II Guerra Mundial e sob os efeitos da ditadura franquista. Meteu-se no porão do navio Cabo de Hornos tendo com destino uma metrópole desconhecida, mas em pleno desenvolvimento e cheia de oportunidades, que ele soube agarrar.

Diz a lenda que trazia apenas 1 dólar no bolso – todo o dinheiro que havia amealhado, não muito, contou em uma das muitas entrevistas que fiz com ele, gastou em farras antes do embarque para cruzar o Atlântico. Apoiado por outros imigrantes que já se encontravam na cidade, começou a vida como lavador de pratos num boteco do Largo do Paiçandu, pouco depois de se instalar num cortiço no então distante bairro do Belenzinho. Começava ali a saga que o consagraria como um dos maiores empresários da gastronomia que a capital paulista já teve.

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Aliás, Iglesias levou o título de restaurateur do ano pela edição VEJA COMER & BEBER em setembro de 2007, quando esse prêmio foi criado. Escrevi que o seu “dom de grande empreendedor não tardou a aflorar. O rapazote conseguiu um posto raso na extinta e lendária Cabana, churrascaria da família de Massimo e Venanzio Ferrari. Em ascensão vertiginosa, tornou-se maître em oito meses. Convidado para comandar o salão do Baby Beef Rubaiyat, aberto em 1957, fez uma exigência aos novos patrões: queria 10% da sociedade. Aceita a proposta, cinco anos depois Iglesias, fazendo empréstimos, tornou-se o único proprietário. Seus investimentos não se limitaram ao restaurante. Desde 1968, ele tem uma fazenda em Mato Grosso do Sul, onde promove o aprimoramento genético de novilhos. […] Além das duas churrascarias, mantém os prodigiosos Figueira Rubaiyat e Porto Rubaiyat, inaugurado em janeiro. Os negócios de Iglesias não se limitam ao Brasil. Em 1995, associou-se à churrascaria Cabaña Las Lilas, de Buenos Aires. Do ano passado para cá, desfraldou a bandeira Rubaiyat em três casas de Madri. Aos 76 anos, está longe de se acomodar. Quer agora levar sua grife ao Rio de Janeiro, Brasília e Salvador.”

Essa expansão não parou aí. Depois levar sua bandeira para Buenos Aires, voltou os olhos para sua Espanha natal. Foi na capital espanhola que inaugurou em 2006 o Rubaiyat Madri, ao arrematar o restaurante Cabo Mayor. Não foi um negócio simples de concretizar. Depois de duas tentativas de compra, Iglesias conseguiu em março de 2005, alugar o restaurante instalado no térreo de um edifício residencial de sete andares dos anos 60, pertinho do estádio do Real Madrid e da Plaza de Castilla. No finalização da compra, VEJA noticiou que se tratava de um empreendimento de custou 5 milhões de dólares, com capacidade atender até 12.000 clientes por mês.

Na época do negócio, Iglesias, sempre apoiado na administração por seu primogênito, Belarmino Filho, dá a volta por cima como poucos imigrantes. Regressava a seu país de origem de uma forma muito confortável. Ao inaugurar seu restaurante oficialmente em Madri, contou com a presença de Felipe González, ex-primeiro-ministro da Espanha. “Saí daqui como um imigrante e, hoje, volto para o meu país como um empresário”, disse cheio de orgulho na ocasião.

Com a flutuação da moeda estrangeira, houve um revés no grupo em 2012. Iglesias, já sofrendo com efeitos de um AVC, delegou a Belarmino Filho a missão de vender 70% da rede ao fundo espanhol Mercapital. Nos últimos cinco anos o bife Rubaiyat chegou a outras capitais brasileira com a abertura de filiais no Rio de Janeiro e em Brasília. Também ganhou unidades internacionais em Santigo do Chile e na Cidade do México.

No início deste ano, os filhos de Iglesias acabaram selando um negócio para a recomprar a rede, que em São Paulo recebeu no ano passado nada menos que o 15º prêmio de melhor carne, um recorde da categoria nos vinte anos de história de VEJA COMER & BEBER. . Numa conversa com Belarmino Filho, ele contou que só foi possível fazer isso porque nas casas da rede atendem 1 milhão de clientes por ano e faturaram perto de 40 milhões de dólares em 2016.

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Belarmino Fernandes Iglesias não partiu sem antes de o negócio que ele fundou voltar à de sua família. Numa conversa que tive ontem como Belarmino Filho, entre emocionado resignado pelo estado de saúde delicado do pai, que o obrigou a vir às pressas da Espanha, disse o empresário: “Devo tudo a ele o que sei e que sou. Simplesmente tudo. Ele me ensinou o que é caráter, perseverança. É um exemplo de superação.”

O velório será a partir do meio-dia às 7 da noite no Hospital Albert Einstein, nessa terça (30). Depois o corpo segue para ser enterrado na cidade espanhola de Rosende na Galícia, onde ele nasceu.

Deixa os filhos os Belarmino, Luiz Fernando e José Carlos, três noras, entre elas Ana Lucia Iglesias que participa ativamente da direção dos restaurantes, e sete netos.

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