Caçador de gatos já laçou milhares de felinos
Funcionário tem 37 anos de experiência na difícil arte de capturar bichanos nas ruas para que sejam castrados
Rogerio de Oliveira, de 57 anos, já teve uma das funções mais odiadas pelos paulistanos. Era o homem da carrocinha, no tempo em que eram retirados da rua por dia cerca de quarenta cães e gatos vadios, sem sinal de dono nem identificação. Os tutores tinham três dias para reclamá-los. Após esse prazo, os bichos eram sacrificados com uma injeção letal, salvo alguns que tinham chance de adoção. Quando Rogerio aparecia para executar o serviço, não era raro receber vassouradas ou enfrentar pessoas furiosas. Desde 2008, ele não faz mais esse trabalho, ingrato para um apaixonado por animais (tem em casa dois felinos, um vira-lata, uma calopsita e um papagaio). Naquele ano, uma lei proibiu a prática da eutanásia em pets saudáveis. Há alguns anos, o profissional usa seus conhecimentos para uma tarefa mais bem-vista. Atendendo aos pedidos de cidadãos pelo telefone 156, recolhe felinos de rua e os encaminha para o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), onde são castrados, vacinados, microchipados e testados para doenças. Nas mais de três décadas de atividade na área, acumulou uma expertise incomum no mercado, a de caçar gatos, mais sorrateiros e ligeiros do que os cães e, por isso, de difícil resgate. Pelas suas contas, foram mais de 11 000 capturas. Sua arte é conhecida inclusive fora da capital. Viajou pelo Brasil e até para o Paraguai para ensinar suas técnicas.
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Como no CCZ não há espaço suficiente para abrigar os animais, depois de três dias, em média, eles são devolvidos ao local da captura. A exceção são alguns filhotes mansos que conseguem facilmente um novo lar. “O prazo de atendimento das solicitações varia de acordo com a situação. Pode ser uma semana ou três meses de espera”, explica a veterinária responsável pelo gatil, Leda Schoendorfer. Entre as artimanhas de Rogerio para pegar os bigodudos no pulo, além de paciência e atenção total, estão engenhocas como uma gatoeira automática, que ele deixa armada com comida dentro — a conquista é pelo estômago — e vai buscar no dia seguinte. Em algumas ocasiões, entraram ali pombos, gambás e lagartos. “Eu chego lá todo feliz achando que é um gato e encontro outros bichos”, diz. Ele também utiliza uma rede e um cambão ou uma corda para segurar as vítimas pelo tronco.
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No CCZ, Rogerio embolsa um salário mensal de 2 800 reais. Complementa a renda fazendo bicos. Por 120 reais, realiza serviços particulares, cerca de dois por semana, para protetores de animais ou gente de olho em algum gato abandonado para criar como pet. Foi requisitado até no Paraná. Nesses casos, fica de tocaia pelo tempo que for necessário, que pode chegar a dez horas, principalmente de madrugada, o momento preferido dos felinos vadios para sair e procurar comida. Ele se esconde com uma cordinha na mão, atrelada à portinha de uma gatoeira manual. Quando o gato entra, bam!, puxa o barbante e a peça de madeira cai, acuando o azarado. Houve quem ligasse para pedir que o caçador pegasse e depois sumisse com o bichano. “Não faço isso de jeito nenhum”, garante. O trabalho já lhe rendeu muitos arranhões, mas nada tão grave.
Rogerio está envolvido em uma ação extremamente necessária no controle populacional de gatos de rua, problema bastante preocupante também em relação aos cães. Apesar do crescimento do número de felinos domésticos, há ainda muitos pets sem dono procriando por aí. Uma gata tem um período de gestação de dois meses, com uma média de cinco filhotes em cada parto. São cerca de três partos por ano, o que significa aproximadamente quinze novos gatinhos nesse período. “A castração é a solução para o abandono. Cuidar é esterilizar”, afirma a produtora cultural Mayena Buckup, do grupo Bicho no Parque. O coletivo atua no Ibirapuera, onde mapeou 140 gatos. Com a ajuda de Rogerio, o mais experiente, ou de outro dos três funcionários da equipe de captura do CCZ, os voluntários conseguiram castrar todos eles. Outras turmas também tomam para si a responsabilidade e promovem mutirões, como a Confraria dos Miados e Latidos, que em 2013 esterilizou 1 800 animais. “Não damos conta de atender a tantos pedidos de resgate”, explica Susan Yamamoto, fundadora da ONG Adote um Gatinho, a maior da cidade, que está com seu abrigo lotado.
Rogerio, que conquistou muito de sua fama através do boca a boca, ajudou a instituição. Em uma de suas aventuras, o expert invadiu um terreno baldio em Moema onde alguém havia lacrado o portão para que os bigodudos morressem de fome. Um por um, ele conseguiu tirar os cerca de vinte gatos de lá. “O Rogerio consegue hipnotizá-los, sou fã dele”, diz Susan. Movido a desafios, o caçador ainda se gaba de ter subido em uma árvore de “40 metros” — ele jura —, que os bombeiros se recusaram a escalar, para resgatar um filhote. Também anda à procura, há pelo menos seis anos, de uma gata que vive no Cemitério do Araçá. “Parece que ela adivinha que eu estou lá e some”, brinca. “Mas não vou desistir.”