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Castilla y León, na Espanha, é berço de vinhos seculares e ótimos queijos

Com história riquíssima, muitos castelos, lindas paisagens, gastronomia excelente e nove rotas vinícolas, a região desponta como atraente destino enoturístico

Por Fabio Codeço
22 nov 2024, 08h00
Rio Douro visto da cidade de Toro, na província de Zamora
Rio Douro visto da cidade de Toro, na província de Zamora (Junta de Castilla y León/Divulgação)
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Há 530 anos, em 7 de junho de 1494, os reinos de Castela (hoje Espanha) e de Portugal, então os mais periféricos em grandes navegações, assinaram um acordo de cavalheiros para dividir entre si o planeta e as terras descobertas.  Os termos do pacto histórico, certamente celebrado sob taças de vinho, foram traçados nos cômodos das Casas del Tratado, construção que permanece de pé e hoje abriga um museu dedicado ao tema em Tordesilhas. 

A cerca de duas horas de carro de Madri, a cidade é um dos pontos de partida para um roteiro por Castilla y León, a maior das dezessete comunidades autônomas da Espanha. Ficam nesse território, por exemplo, Segóvia, vilarejo que atrai gourmets em busca dos cochinillos, o leitãozinho assado lentamente, de carne tenra sob pele crocante , e Salamanca, famosa por sua prestigiosa universidade. Mas Castela e Leão, em bom português, merecem mais atenção. Dona de um importante passado político  Valladolid foi capital da Espanha entre os séculos XVI e XVII , a área vem despontando como um valoroso destino enoturístico graças a investimentos em serviços e divulgação do turismo em torno de sua secular produção de vinhos e rica gastronomia  sai daqui a metade do jamón ibérico consumido no país, incluindo o célebre Joselito, e premiados queijos de ovelha. 

Adega subterrânea da Yllera: tradição e inovação
Adega subterrânea da Yllera: tradição e inovação (Grupo Yllera/Veja SP)

Rasgada de leste a oeste pelo Rio Douro, ou melhor, Río Duero — sim, é aqui que ele nasce, nos picos da Serra de Ubirón, e percorre 600 dos seus 900 quilômetros de extensão Espanha adentro, até atravessar a fronteira e desaguar no Porto , a região tem mais de 80.000 hectares de vinhedos plantados e nove rotas vinícolas oficiais, de diferentes perfis. Ribera del Duero, a mais famosa, é terra do icônico Vega Sicilia, mas nossa viagem segue a rota de Rueda, de cidades como Tordesilhas e Salamanca, além de Zamora, Burgos, León e Valladolid, a capital de Castilla y León. Nessa porção de terra, vinícolas unem tradição e inovação para produzir ótimos vinhos, sobretudo os brancos feitos com verdejo, sua principal casta. 

 Nos subterrâneos de suas províncias espalham- se labirintos formados por milhares de quilômetros de adegas escavadas no tempo dos romanos, muitas delas preservadas e usadas por novas gerações de produtores. 

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Próximo à Plaza Mayor de Tordesilhas, a Bodega Muelas permite conhecer de perto essa história. Debaixo do imóvel comprado pelo tataravô em 1889, as irmãs Helena e Reyes Muelas continuam o legado familiar fabricando brancos e tintos em pequenas parcelas, além de um vermute, envelhecido em adegas medievais. A 10 quilômetros dali, a Yllera também recebe visitantes em adegas muito bem preservadas, com ambientação inspirada em seres mitológicos, e um atrativo a mais: um restaurante subterrâneo assinado pelo estrelado chef Martín Berasategui. 

Pegando a estrada rumo à cidade de Serrada, a próxima parada é a De Alberto. Com quase quatro séculos de história, ela se diferencia pelo Dorado, um vinho fortificado de cor dourada e aroma de frutas secas produzido com técnica ancestral: parte de sua maturação acontece ao ar livre, sob a luz do sol, em garrafões. “Atualmente somos a única vinícola tradicional a usar esse método, que confere ao vinho um caráter distinto, com notas oxidativas que realçam a sua complexidade e elegância”, explica Ruth González, do departamento de enoturismo da empresa.

Maturação do vinho fortificado Dorado, na De Alberto
Maturação do vinho fortificado Dorado, na De Alberto (Fabio Codeço/Veja SP)
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Nos arredores de Serrada ainda é possível avistar rebanhos de ovelhas acompanhados por seus pastores, uma cena cada vez mais rara. Benito Cubero, que se levanta todos os dias às 5 da manhã para ordenhar mais de 1 000 ovelhas, seguiu a profissão do pai, José, mas conta que seus filhos não farão o mesmo. “É um trabalho duro, precisa estar pronto sempre que precisar. Os mais jovens querem um trabalho de segunda a sexta.” A falta de interesse das novas gerações pelo ofício preocupa e ameaça a produção artesanal de queijos. “Diferente de uma vaca, que produz 30 litros de leite, uma ovelha dá 6. Não compensa mecanizar a produção”, explica Jesús Sanz, da queijaria fundada por seu avô, Campoveja, que compra o leite de Benito. Parada obrigatória, a loja da Campoveja permite comprar queijos super premiados — o defumado já foi eleito o melhor do mundo em concurso na Inglaterra — e oferece degustações que explicam o processo de produção. 

Benito e Jose, pai e filho são dos poucos pastores que restam em Serrada
Benito e Jose, pai e filho são dos poucos pastores que restam em Serrada (Fabio Codeço/Veja SP)

De volta à estrada rumo a Toro, já na rota vinícola de mesmo nome, percorrem-se 50 quilômetros até a Chillón, outra queijaria familiar. O destaque aqui, além dos ótimos queijos oferecidos em diferentes maturações, é o museu dedicado à história do queijo de ovelha na região e da própria fábrica, iniciada pelo galego Manuel Chillón em 1890 e hoje tocada pela quarta geração da família.

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Se em Rueda sobressaem os vinhos brancos, em Toro as taças se enchem de tintos potentes e elegantes da casta tinta de toro, uma espécie de clone da famosa tempranillo. “Os vinhos de Toro eram conhecidos por serem muito austeros e alcoólicos, mas, de uns anos para cá, os produtores têm mudado esse perfil e produzido bebidas muito elegantes, mas sem perder corpo”, avalia o jornalista especializado e colunista de Vejinha, Marcelo Copello.

Jesús Sanz:, da Campoveja terceira geração de queijeiros
Jesús Sanz, da Campoveja: terceira geração de queijeiros (Fabio Codeço/Veja SP)

Um dos pioneiros nessa mudança foi Manuel Fariña, que estudou em Valência e modernizou o negócio dos pais, uma vinícola rudimentar que hoje leva seu nome. Em 1970, com intuito de deixar os vinhos mais palatáveis, Manuel, cofundador da denominação de origem de Toro, passou a colher as uvas mais cedo, em setembro, portanto, menos maduras, resultando numa graduação alcoólica mais baixa. 

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Um dos destaques da marca, o Primeiro, inspirado no francês beaujolais nouveau, é um vinho jovem, que chega ao mercado 45 dias após a colheita que acontece entre setembro e outubro, período em que são realizadas as Fiestas de la Vendimia e vem sempre estampado com uma obra de um artista local escolhida em concurso.

Colegiata Santa María la Mayor: igreja do século XII é uma das atrações de Toro
Colegiata Santa María la Mayor: igreja do século XII é uma das atrações de Toro (Junta de Castilla y león/Divulgação)

Uma vez em Toro, principal cidade da província de Zamora, não deixe de visitar a Colegiata Santa María la Mayor, templo religioso construído em 1170 e patrimônio histórico espanhol. Para comer, duas dicas são o Doña Negra, que prepara com esmero o tradicional rabo de toro estofado, rabada cozida com vinho tinto, e o restaurante da vinícola La Viña del Abuelo, onde os destaques são os camarões fritos em azeite e alho e o arroz a la zamorana, feito com os deliciosos embutidos locais. Se perdeu? Não se preocupe, uma vez em Castilla y León, não importa a direção, todos os caminhos levarão a uma mesa generosa e a boas taças de vinho.

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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de novembro de 2024, edição nº 2918

 

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