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O circo das vaidades

Por que a Semana de Moda de Paris é um espetáculo, como diz a expressão do momento por aqui, <em>incontournable</em>?

Por Simone Esmanhotto, de Paris
Atualizado em 5 dez 2016, 16h38 - Publicado em 10 nov 2012, 00h00

Levas de Mercedes-Benz atravancam a Avenida de Tourville, enervando os já esquentados motoristas parisienses, que não poupam no buzinaço. Pelas portas traseiras desembarcam mulheres de tailleur de lã, longo de organza e jaqueta de couro, calça e camisa jeans combinadas com pérolas. Aos poucos, elas se aglomeram diante da caixa branca construída na entrada dos Invalides, um entre a dezena de endereços ocupados pelas apresentações da Semana de Moda de Paris. Na frente do Museu do Exército, às 14h30 do dia 28 de setembro, aconteceria o desfile da Dior, o 39º dos 94 do verão 2013 — e o 130º na história de uma das quatro maisons mais importantes da história da moda francesa (junto com Chanel, Balenciaga e Yves Saint Laurent). É um momento esperado ansiosamente há cinco meses: aos 44 anos e considerado um talento e tanto, o belga Raf Simons estreia no prêt-à-porter da grife. Só privilegiados, com convites que trazem o nome manuscrito a bico de pena, caso de clientes, jornalistas, lojistas, blogueiros e celebridades, assistiriam aos catorze minutos de passarela. Sim, catorze minutos. Entre o ator Robert De Niro e a estilista Diane von Furstenberg, um grupo de brasileiras ria e se fotografava. De minivestido de renda rosé e carteira de oncinha, a filha do governador de São Paulo e blogueira de moda, Sophia Alckmin, era uma das mais animadas, ao lado da diretora da Dior no Brasil, Rosangela Lyra. “Meninas, vamos registrar esse momento histórico”, convocava Rosangela. O cobiçadíssimo batom pink (Aphrodisiac 19, de Tom Ford) da empresária Maythe Birman, da Arezzo, atraiu as lentes. Cenas assim se repetiram inúmeras vezes ao longo de nove dias, como registrou para esta reportagem Consuelo Blocker, a filha que seguiu os saltos Valentino de Costanza Pascolato e cobre os desfiles há treze anos.

Em busca da autopromoção, certas convidadas se esforçam para fazer das ruas uma passarela. Uma técnica é cobrir-se com a tendência proposta na estação passada: neste caso, uma versão de seda da calça de agasalho com listra lateral, escarpim preto Christian Louboutin e batom vermelho. Outra consiste em caminhar devagar, atrás de um “fotografável”, com uma distância para dar à câmera a chance de focar seu look. A ambição máxima é ser notada por Bill Cunningham, colunista do jornal The New York Times. Aos 83 anos e com cinquenta de moda de rua, ele já viu de tudo, mas segue incansável na busca de algo que capture seus olhos azuis. Agacha-se, se preciso — é normal vê-lo andar como um Corcunda de Notre-Dame. Tente abordar Cunningham, e a frustração é certa. Ao contrário dos paparazzi de estilo “emergente”, que adoram posar do outro lado da câmera, ele nem sequer fala, para não se desconcentrar. A ideia é não perder as mulheres mais vistosas da temporada, caso de Joyce Samuels, uma socialite que vive entre Nova York e Paris, consome alta-costura há quarenta anos e circulou pelo desfile Valentino vestida com turbante, túnica e calça de seda bordados Chanel. Quem não carrega o envelope com o nome manuscrito, mas se esmera no visual, tem a chance de ver o desfile de pé, no fundo da sala — ao contrário das semanas de Nova York, Milão, Londres e São Paulo, definitivamente fechadas para os sem-convite.

Três dias depois de Simons na Dior — grife com a qual Bernard Arnault fundou o LVMH —, a expectativa girava em torno de um rival à altura. Hedi Slimane estrearia na Yves Saint Laurent, fundada em 1962. Parisiense radicado em Los Angeles, Slimane, 44 anos, convenceu o grupo PPR, da família Pinault, a 59ª maior fortuna do mundo, a rebatizar a maison para Saint Laurent Paris. Tudo indicava que o duelo se daria entre as duas coleções. Mas a roupa suja foi lavada fora da passarela. Slimane vetou a entrada no desfile da editora Cathy Horyn, do The New York Times, por desaprovar uma crítica escrita por ela há oito anos. Cathy disse que “não haveria Slimane sem Raf”, referindo-se à alfaiataria justa que tornou o parisiense conhecido. Slimane não deixou barato. No Twitter, ele a chamou de “comediante”e questionou a credibilidade do NYT por contratar uma jornalista que “jamais teria uma cadeira na Saint Laurent, mas poderia conseguir duas na Dior”. As alfinetadas ocuparam as conversas e o noticiário. Acessório necessário, diga-se, da indústria francesa da moda e do luxo, que fatura 35 bilhões de euros — grande parte dos bolsos do LVMH, da Chanel e do grupo Hermès. Vem deles o mecenato para projetos culturais, fundamental para os museus que enfrentam tempos de “apertar os cintos”. A Christian Dior Couture banca a exposição L’Impressionisme et la Mode, em cartaz até 20 de janeiro no Museu D’Orsay.

“Paris é a capital da moda porque aqui se concentramos verdadeiros tastemakers”, diz Cathy Horyn (sim, a que ficou de fora do desfile da Saint Laurent). Mais do que costurar roupas belas e bem feitas, aqui os estilistas vivem da busca por reinventar os códigos do bom gosto. “Não nos interessa o modismo, mas encontrar formas de valorizar a beleza feminina”, afirmou Maria Grazia Chiuri, que toca a Valentino com Pierpaolo Piccioli. Eles trabalham em Roma, mas procuram em Paris o aval para suas coleções. É o que justifica a ocupação dos hotéis e espaços públicos como o Jardim das Tulherias por feiras e showrooms de marcas japonesas, inglesas e mesmo brasileiras, caso da Serpui Marie. Entram para a história os criadores capazes de apresentar uma peça chique à altura para substituir um velho hábito. Foi o que fez Yves Saint Laurent no fim dos anos 60, ao propor smoking para mulheres que conquistavam um lugar no mercado de trabalho. Cliente fiel e das primeiras a desfilar a ideia na vida real, a americana Nan Kempner foi barrada num restaurante em Manhattan: ali, só de saia. Nantirou a calça e fez do paletó um minivestido (uma ideia, aliás, revisitada no verão 2013 da Dior). Por isso, duas vezes por ano, o planeta moda para na esperança de presenciar o próximo Christian ou um novo Yves. É o que torna Paris indispensável. Ou, para falar no francês da moda, incontournable.

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