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Corinthians: como tudo começou

Em 1º de setembro de 1910, à luz de um lampião, cinco operários fundaram o Sport Club Corinthians Paulista. De lá para cá, sua história se confunde com a da cidade

Por Celso Unzelte
Atualizado em 5 dez 2016, 10h19 - Publicado em 30 abr 2010, 21h05

Em 1910, a cidade de São Paulo tinha exatos 375 439 habitantes, dos quais praticamente um terço eram operários. Pintores de parede, como Joaquim Ambrósio e Antonio Pereira. Sapateiros, como Raphael Perrone. Cocheiros, como Anselmo Correa. Trabalhadores braçais, como Carlos Silva. Esses cinco amigos do Bom Retiro, bairro tão operário quanto eles, resolveram fundar um novo time de futebol, inicialmente para jogar na várzea. Campeonatos, naquela época, eram coisa para “grã-finos”, como os alemães do Germânia, os ingleses do São Paulo Athletic ou os estudantes do Paulistano. Esses clubes disputavam seus jogos no Parque Antarctica ou no Velódromo (localizado onde hoje fica a confluência das ruas Nestor Pestana e da Consolação). A história oficial do Corinthians fala de um encontro à luz de um lampião, eternizado em uma placa de bronze na entrada do Parque São Jorge:

“1º de setembro de 1910. 20h30. À Rua José Paulino, esquina da Rua Cônego Martins, reúnem-se Anselmo Correa, Antonio Pereira, Carlos Silva, Joaquim Ambrósio, Raphael Perrone. E nasce o Sport Club Corinthians Paulista”.

Mais oito pessoas contribuíram com 20 000 réis e também foram consideradas sócias-fundadoras: Alexandre Magnani (fundidor), Miguel Bataglia (fiscal da Light), Antônio Nunes (alfaiate), César Nunes (pintor de paredes), Salvador Lopomo (macarroneiro), Antonio Vizzone, Emilio Lotito e Jorge Campbell (esses três viriam a abrir uma confeitaria com Magnani). Por falta de papel, a primeira ata teria sido registrada no alto de uma palheta, emprestada por um 14º personagem, João Murino, torneiro da companhia ferroviária São Paulo Railway e considerado o dândi daquele grupo. O primeiro presidente foi Miguel Bataglia, que depois de quinze dias pediu licença e se mudou para Piracicaba. Assumiu então Alexandre Magnani, que ficou no cargo até 1914.

Mas de onde veio o nome “Corinthians”? Tratava-se de uma homenagem ao Corinthian Team, da Inglaterra (assim mesmo, sem o “s”, pois “corinthians” eram originalmente seus jogadores, que aqui acabariam traduzidos como “corintianos”). Foi o primeiro clube europeu a excursionar pelo Brasil — e barbarizou com os times daqui. No Rio de Janeiro, por onde começou sua viagem, o Corinthian goleou o Fluminense (10 a 1), uma seleção carioca (8 a 1) e um combinado de brasileiros (5 a 2). Em São Paulo, os corintianos ingleses venceram a Associação Atlética das Palmeiras por 2 a 0, o Paulistano por 5 a 0 e um misto do São Paulo Athletic com o Germânia por 8 a 2. Fundado em Londres, em 1882, o Corinthian Football Club homenageava a cidade grega de Corinto, que entre os séculos VII a.C. e VI a.C. se tornou famosa pela prática esportiva. Atualmente, disputa as divisões amadoras de seu país. Jamais se profissionalizou. Em 1939, fundiu-se com o Casuals Football Club, dando origem ao Corinthian-Casuals.

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O mais antigo registro existente sobre a gênese corintiana data de 22 de setembro de 1910, dia em que os jornais ‘O Estado de S. Paulo’ e ‘O Comércio de S. Paulo’ publicaram a mesmíssima nota, muito provavelmente emitida pelo próprio clube recém-organizado:

‘Sport Club ‘Corinthians’ Paulista. Com esta denominação supra fundou-se nesta capital mais uma sociedade sportiva, com o fim de desenvolver o conhecido e apreciado sport bretão’.

Dali em diante, nas dez décadas que se seguiram, Corinthians e São Paulo (a cidade, que fique bem entendido) caminharam sempre juntos. Ainda nos anos 10, enquanto levas e mais levas de imigrantes ajudavam a construir a grandeza paulistana, o futuramente chamado Timão, com seus jogadores de sobrenomes de origens tão diversas quanto González e Pizzocaro, Nunes e Barbuy, saltava da várzea para o futebol oficial, ganhando em apenas seis anos de vida seus dois primeiros títulos paulistas, em 1914 e em 1916. Os loucos anos 20 foram marcados por inovações tecnológicas como o rádio, pelo qual os jogos do Corinthians passariam a ser fervorosamente acompanhados por seus fanáticos seguidores. E também por novidades culturais como a Semana de Arte Moderna de 1922. Dentro de campo, o time mais popular da cidade faturou seis dos dez Campeonatos Paulistas disputados. Essa conta inclui o do histórico I Centenário da Independência e dois tricampeonatos, em 1922/23/24 e 1928/29/30. Por falar em modernismo, foi o poeta, escritor e pintor Menotti del Picchia o primeiro a perceber que “o Corinthians é um fenômeno sociológico a ser estudado em profundidade”.

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No auge da ditadura Vargas, todos os símbolos estaduais foram oficialmente extintos, em nome de um único estado brasileiro, forte e unido. Mas a “bandeira das treze listras”, da qual Guilherme de Almeida, o poeta da Revolução Constitucionalista de 1932, tanto se orgulhava, conseguiu sobreviver dentro do escudo corintiano. Na inauguração do Estádio do Pacaembu, em 28 de abril de 1940, o Corinthians também estava lá, goleando o Atlético Mineiro por 4 a 2, no jogo de fundo de uma rodada dupla que, antes, teve a vitória do Palestra Itália sobre o Coritiba por 6 a 2. Em 1954, quando São Paulo comemorou, orgulhosa, seu quarto centenário de fundação, com direito a inauguração de obras como o Parque do Ibirapuera e a Catedral da Sé, o Corinthians fechou os festejos. Em fevereiro de 1955, empatou com o Palmeiras (1 a 1) e ganhou o campeonato estadual referente ao ano anterior. Ao longo da década de 60, enquanto os últimos bondes eram retirados das ruas, um cartaz pendurado em diversas paredes de botecos anunciava: “Fiado, só quando o Corinthians for campeão”. E quando aquele dia prometido finalmente chegou, em 13 de outubro de 1977, a Fiel saiu às ruas para transformar a Avenida Paulista definitivamente no ponto de encontro das grandes comemorações paulistanas.

São Paulo voltou a ser alvinegra em 16 de abril de 1984, no Vale do Anhangabaú, no último comício pelas Diretas Já antes da votação da emenda Dante de Oliveira, que previa a volta das eleições para presidente. Diante de um público estimado em 1,5 milhão de pessoas, o craque Sócrates prometeu que não jogaria fora do Brasil caso a emenda fosse aprovada pelo Congresso — como isso não aconteceu, ele rumou, em junho, para o futebol italiano e vestiu a camisa da Fiorentina. Em 22 de dezembro de 1999, o então prefeito Celso Pitta, reconhecendo a força da Fiel e temendo que o trânsito e a segurança de São Paulo se tornassem ainda mais caóticos às vésperas do Natal, entrou com uma liminar na Justiça solicitando a mudança do horário da decisão do Brasileiro daquele ano. A partida contra o Atlético Mineiro, no Morumbi, passou das 16 horas para depois das 21 horas. Jogando à noite, o Timão empatou (0 a 0) — e foi bicampeão nacional. Em 2009, o Corinthians tornou-se o primeiro clube de futebol no Brasil a publicar seu relatório anual de sustentabilidade, nos moldes do que fazem grandes empresas e de acordo com normas internacionais. Nele, o clube declarava ter 27 376 associados (mais 25 008 dependentes), 611 funcionários, patrimônio total de 307,66 milhões de reais e 34 milhões de torcedores espalhados por todo o país. São números dignos de uma verdadeira metrópole, como é São Paulo. Metrópole essa que nas palavras do jornalista, paulistano e corintiano Juca Kfouri só tem um defeito: o de não se chamar Corinthians.

+ Confira todas as matérias do especial ‘Corinthians: Uma Paixão que se Renova’

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