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Gabriel Miziara e um olhar sobre Virginia Woolf: “A intolerância de hoje é muito parecida com a dos tempos dela”

O ator paulista Gabriel Miziara, de 37 anos, mergulhou na obra e no universo da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) para criar o monólogo “As Ondas ou uma Autópsia”. Seis personagens, extraídos do romance “As Ondas”, manifestam suas angústias em uma costura que envolve os diários de Virginia. Miziara contou com a supervisão de um […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 12h42 - Publicado em 31 mar 2016, 14h09
Gabriel Miziara em "As Ondas ou um Autópsia": universo de Virginia Woolf (Foto: Joao Caldas)

Gabriel Miziara no solo “As Ondas ou um Autópsia”: universo de Virginia Woolf

O ator paulista Gabriel Miziara, de 37 anos, mergulhou na obra e no universo da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) para criar o monólogo “As Ondas ou uma Autópsia”. Seis personagens, extraídos do romance “As Ondas”, manifestam suas angústias em uma costura que envolve os diários de Virginia. Miziara contou com a supervisão de um time poderoso. O ator André Guerreiro Lopes, as atrizes e pesquisadoras Carolina Fabri e Patrícia Leonardelli, o dramaturgo Cássio Pires, o ator e diretor Elias Andreato, a atriz e diretora Malú Bazan e a bailarina Sônia Machado de Azevedo colaboraram na montagem como provocadores cênicos. “As Ondas ou uma Autópsia” pode ser vista no Espaço Beta do Sesc Consolação nas segundas e terças, às 20h, até o dia 26, com ingressos a R$ 20,00.

Por que Virginia?

Virginia tem uma profundidade e uma visão de mundo que me atraem. A história dela é complexa, cheia de questões, coisas que ela tentou responder em suas obras. Minha identificação está neste olhar dela para o que não é um grande acontecimento externo e, de repente, se revela um turbilhão interno de percepções que modificam completamente o ser que está vivendo aquele instante.

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+ Debora Bloch estreia “Os Realistas” e diz que os jovens não sabem o quanto é bom fazer teatro.

Você se lembra do seu primeiro contato com a obra da Virginia?

Foi através do filme “As Horas” de Stephen Daldry, lançado em 2003. A imagem de Virginia, interpretada por Nicole Kidman, no meio do rio me deixou catatônico na sala de cinema. É um filme belíssimo.

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De que forma essa inglesa que viveu há um século te causa tanto impacto?

Virginia me impacta pelo seu esforço em encontrar algo genuíno e verdadeiro, lendo seus diários você entende o quanto era trabalhoso escrever. Ela era consumida, se exauria fisicamente para escrever. Acho que isso tem algo muito próximo ao trabalho do ator, não acredito que se produza nada na tranquilidade. Tem que haver esforço, busca, mexer fundo para que algo genuíno nasça. O que é lindo, na sua obra, é que Virginia diz as coisas mais duras carregada de uma poesia intensa e visceral.

Nesse trabalho, você optou por ter um grupo de “provocadores” e não um diretor convencional? Por que essa escolha de tantos e diferentes olhares sobre o trabalho?

Queria me colocar em xeque, entender como seria criar de maneira não tradicional. Tive desde o começo a Carolina Fabri, que me acompanhava diariamente nos ensaios, precisava de um olhar externo. A Carol foi fundamental por me conhecer muito bem, há mais de 14 anos. Durante o processo, eu improvisava e nós discutíamos o que eu havia achado que tinha feito e ela me dizia como “resultava”. Os provocadores foram convidados pela “especificidade” de cada um. O Elias é um grande ator, um artista que gosta da palavra, e a Sônia é bailarina, escritora e pesquisadora ávida, sempre me tirou o tapete com suas inquietações. Já o Cássio, dramaturgo, me ajudou muito no texto, como definir o recorte e sair da literatura. A Patricia Leonardelli, pesquisadora e atriz, tem um estudo vasto do conceito de memória aplicado para as artes performativas, enquanto o André Guerreio Lopes, além de ator, é um diretor cujos espetáculos têm uma plasticidade que me encanta. Para finalizar o time, entrou nesta última etapa de ensaios a Malú, diretora e atriz que admiro muito e que junto com a Carolina foram meus “olhos”.

Gabriel Miziara em "As Ondas": sessões no Sesc Consolação (fotos: João Caldas)

Gabriel Miziara em “As Ondas”: sessões no Sesc Consolação (fotos: João Caldas)

Como você e seus provocadores se prepararam para receber aquele espectador que, por acaso, nunca tenha lido ou mesmo ouvido falar de Virginia? Qual é o limite entre o excesso de didatismo e o teor hermético demais?

O interessante é que muitos deles não tinham lido “As Ondas”. Então, esse foi um bom lugar para entender quando havia uma história sendo contada, quando faltava alguma informação ou quando havia excesso. Eles não estavam impregnados com o olhar do romance, como eu, ou com as imagens literárias colocadas pela Virginia. Eu, muitas vezes, queria deixar frases que amava, que achava que tinham que ser ditas por serem incríveis, e eles diziam “não! Não precisa, isso já foi dito” ou “isso confunde”, “é excessivo”. Acho que este processo ainda está acontecendo, entrou um novo provocador no processo agora, que é o público, e esta é uma nova etapa do trabalho.

+ Entrevista com Taís Araújo.

Quase tudo que li de Virginia mostra uma mulher muito impregnada pelo feminismo e na luta por uma condição melhor da mulher. Afinal, ela era escritora em um tempo em que as mulheres não eram escritoras. Que reflexos daquelas “reinvindicações” de Virginia você vê concretizadas hoje?

Acho que Virginia brigou muito pelo seu lugar. Uma das suas frustrações foi não ter podido frequentar a escola como seus irmãos por ser mulher. Ela e Vanessa, sua irmã, foram educadas em casa. O que ela não aceitava era a submissão intelectual da mulher em relação ao homem e foi por isso que ela brigou até o fim. Virginia não aceitava esta condição e uma das suas maiores alegrias foi começar a ganhar dinheiro com sua escrita. Foi colocar-se num mundo majoritariamente masculino, o dos escritores. Acho que hoje já caminhamos muito em relação a isto, hoje as mulheres trabalham, disputam suas ideias, defendem seus pontos de vista, lutam pelo seu lugar e conquistam a cada dia mais espaço.

Que fatos da nossa realidade atual envergonhariam ou deixariam Virginia chocada?

O que a chocaria? Imagino que a barbárie que estamos vivendo, a violência física e verbal, a falta de respeito. Uma das coisas que contribuiu para seu suicídio foi o avanço de Hitler na Europa. Sua casa, em Londres, ter sido bombardeada pelos alemães. Acho que isso a chocaria… Não termos mudado tanto de lá pra cá. Hoje em dia, somente usamos outras armas, mas a intolerância de hoje é muito parecida com a dos tempos dela.

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Tem uma ideia de morte que permeia o espetáculo, de finitude, digamos assim… Você perdeu alguém muito próximo mais recentemente?

Sim, houve uma amiga muito querida, que fazia aniversário no mesmo dia que eu. Ela morreu do nada, saindo de casa para dar aula. Logo depois disso, “As Ondas” caiu na minha mão. E, sem dúvida, a morte do meu pai, quando eu tinha 16 anos, foi meu primeiro contato com as perdas. A peça é uma homenagem a essas pessoas.

Gabriel Miziara: discussão sobre a finitude com base na ficção e nos diários de Virginia Woolf

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