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“Não teve briga, mas mágoa sim”, diz David Uip sobre repercussão após assumir Rede D’Or

Um ano após aceitar o cargo de diretor de infectologia, médico reflete sobre o aumento de casos de HIV e a possibilidade de novas pandemias no Brasil

Por Humberto Abdo
Atualizado em 19 jun 2025, 16h02 - Publicado em 19 jun 2025, 12h54
David Uip, em seu consultório nos Jardins
David Uip em seu consultório nos Jardins (Leo Martins/Veja SP)
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Um dos primeiros porta-vozes do combate à aids e à covid-19 no Brasil, David Uip, 73, comanda há pouco mais de um ano a área de infectologia da Rede D’Or. Candidato a uma cadeira na Academia de Medicina de São Paulo, com resultado previsto para julho, ele mantém uma rotina intensa de trabalho entre universidade, hospitais e sua clínica particular, instalada nos Jardins há 46 anos.

Em seu consultório, o médico recebeu a Vejinha e refletiu sobre a repercussão da nova fase profissional, os avanços e atrasos epidemiológicos no país e as lições vividas na pandemia. Confira a entrevista a seguir.

Como é sua rotina hoje?

Estou no sexto ano como reitor da Faculdade de Medicina do ABC e todas as manhãs vou para lá. Passo antes na Rede D’Or, depois no Sírio e eventualmente no Einstein. Depois, venho para o consultório, começo às 4 e vou até umas 11 da noite. Dá uma olhada (mostra a longa lista de consultas). Eu durmo pouco, da 1h às 6h30. Foi assim a vida inteira.

O que o senhor faz para desopilar?

Faço fisioterapia. E me divirto. Se tem festa, vou, adoro a noite. Ainda bem que sou médico, e não boêmio (risos). Sempre fui esportista, mas aos 40 anos machuquei feio o joelho. Dizem que a idade é boa, mas não sei pra quem.

David Uip, em seu consultório nos Jardins
David Uip (Leo Martins/Veja SP)

Como foi a transição para a Rede D’Or?

A rede teve a generosidade de não me pedir exclusividade, então interno meus pacientes onde quiser. Escolhi por ser um grande projeto. Mas criou um mal-estar.

Brigas com os outros hospitais?

Briga não. Mas mágoa acho que sim. As pessoas ficaram meio magoadas porque não entenderam direito a minha decisão. Como eu poderia abrir mão de coordenar uma rede com 79 hospitais?

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Qual é a importância de comandar tudo isso aos 73 anos?

Para a especialidade, dá um destaque imenso, coloca a infectologia no patamar da cardiologia e da oncologia. E foi bom para a minha geração. Aos 70 anos, ou te põem para fora ou você sai. E eu comecei. Encontrei vários médicos mais novos dizendo que isso foi alentador.

Qual o maior desafio nesse trabalho?

São dois. As bactérias estão ficando resistentes a todos os antimicrobianos e é importante diminuir esse nível de resistência. Em pesquisas, há poucas novidades para o futuro. Se nada for feito, até 2050 morrerão 38 milhões de pessoas por infecção de bactérias e fungos multirresistentes. Usa-se muito antibiótico e as pessoas tentam se automedicar. Isso vai criando resistência.

Outro desafio é a sustentabilidade dos hospitais. O custo da medicina hoje é muito alto e surgem novas gerações de produtos e tratamentos. Como fazer tudo da melhor forma e custando menos? Lições não faltam, sou um indivíduo que viu o primeiro caso de aids e de covid no Brasil.

“Não podemos desconsiderar uma doença que já matou 50 milhões de pessoas”

David Uip, em seu consultório nos Jardins
Infectologista David Uip (Leo Martins/Veja SP)
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No Brasil, a contaminação por HIV aumentou e o número de morte por aids diminuiu (segundo boletim do programa Unaids). Como avalia esse cenário?

O que mudou a história do HIV foram os medicamentos, como o PrEP (Profilaxia PréExposição). Além de ter melhorado a qualidade de vida, diminuiu a transmissão. Tive um paciente jovem de 22 anos que acabou de se contaminar. Aqui não se julga ninguém, mas era um cara preparado, com conhecimento para se prevenir. O que aconteceu? A mistura de álcool e drogas é um fator.

E tem comportamentos de risco. Cuido de pessoas que fazem grandes festas em que não há nenhum controle. Elas vêm aqui buscar informações para organizar os encontros, para que sejam minimamente seguros. Mas no meio dessa história acontece de tudo e as pessoas se expõem. Muitas acham que os medicamentos resolveram o problema do HIV, e não é verdade. Não podemos desconsiderar uma doença que já matou 50 milhões de pessoas.

O senhor ficou em evidência na pandemia ao liderar o Centro de Contingência do Coronavírus. Como lidou com essa exposição?

Fomos atacados por algo que não conhecíamos, tive um desgaste imenso e um burnout. Fui medicado, mas continuei trabalhando. Nunca tinha tomado antidepressivo. E peguei covid duas vezes. Não foi brincadeira. Foram grandes desafios, vai acontecer de novo, e o Brasil precisa estar preparado.

E estamos preparados?

Não. Não vejo o Brasil se preparando para a possibilidade de novas pandemias. Ficou muito clara a disparidade entre cidade e estado. O Brasil tem que ter uma saúde mais homogênea. Brinco que seria importante ter um Hospital das Clínicas em cada região do país. E falta uma política de enfrentamento.

Qual é a melhor dica para o paulistano se proteger de vírus no inverno?

Uma coisa que muito me amola é a diminuição dos índices de vacinação. Isso é inexplicável. Tive dois pacientes fortes, na casa dos 50 anos, que tiveram influenza e quase morreram. Não tomaram a vacina. Existe uma campanha, que não é de hoje, contra as vacinas. Não se vê uma evidência científica que justifique a posição dos negacionistas. É um enorme desserviço.

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Por que o senhor escolheu a Gabriel Monteiro da Silva, famosa por lojas de decoração, como endereço da clínica?

Essa história é boa. Eu morava em um apartamento que ficou pequeno para a família, então comprei outro no começo da construção. Quando ficou pronto, minha mulher visitou a obra e viu que a suíte dava de frente para o Cemitério do Morumbi. “Minha avó está enterrada lá, aqui eu não moro.” E agora? Saí andando, vi a placa “vende-se” e falei com o proprietário: “Mas, por este preço, não tem a menor chance, só se o senhor aceitar um apartamento que dá de frente para o cemitério”. E ele topou porque gostava de silêncio (risos).

Hoje em dia, quais são seus luxos?

Não tenho exageros. Tenho casa no Guarujá e em Campos do Jordão, que é onde reúno toda a família e é o que me dá mais prazer. Uma coisa que herdei do meu pai foi a liderança das festas. Ele morreu e falou: “Você continua”.

E quais são seus vícios?

Não fumo, bebo socialmente, mas aprendi a fumar charuto. Fumo os que ganho, porque médico ganha muito presente.

O que já ganhou de mais inusitado?

Meu primeiro presente foi uma caixinha de uva, do pai de uma criança que tinha sido internada no HC e saiu viva. E tem essa santa (atrás da sua mesa), a Nossa Senhora da Cabeça, de um caso extremamente grave em que a família entendeu que a sobrevida do pai foi um milagre. São coisas que valorizo muito.

Publicado em VEJA São Paulo de 20 de junho de 2025, edição nº 2949

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