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Instituições oferecem terapia gratuita a quem perdeu entes queridos para a Covid-19

Com a vivência do luto inteiramente transformada na pandemia, projetos ajudam a lidar com o adeus sem as cerimônias de despedida

Por Fernanda Campos Almeida
30 abr 2021, 06h00

Com caixões lacrados e sem direito às cerimônias de despedida, a vivência do luto foi forçada a passar por mudanças durante a pandemia. Para ajudar famílias enlutadas a encarar perdas irreparáveis, diferentes instituições criaram projetos que acolhem pessoas por meio de reuniões em grupo ou consultas individuais, sem custos.

Em maio do ano passado, um grupo de psicólogas percebeu que amigos e parentes das vítimas de Covid-19 da UTI do Hospital São Paulo precisavam de apoio psicológico. Samantha Mucci, professora de psicologia médica, reuniu dez voluntários com formação em luto e residentes treinados para formar uma equipe e oferecer atendimento especializado, criando a Proalu — Programa de Acolhimento ao Luto, do departamento de psiquiatria da Unifesp (@proalu.unifesp).

“Não temos o hábito de conversar sobre a morte. Luto é um processo natural que precisa ser vivido, não superado. A pessoa aprende a lidar com a dor e dar outro sentido à vida dela na ausência do outro”, afirma Samantha. São quatro sessões individuais por videochamada, de até uma hora de duração, de segunda a sexta, em um horário combinado entre as 7 e as 19 horas. A inscrição é feita pelo e-mail acolheluto@gmail.com.

“Velórios, enterros, olhar o falecido pela última vez etc. fecham um ciclo. Orientamos que se faça algum tipo de cerimônia com a família, mesmo virtualmente, para que o reconhecimento da perda seja concreto”, afirma Ana Lucia Horta, coordenadora de outro projeto gratuito dentro da Unifesp, com encontros em grupos: a Unidade de Intervenção à Família e Comunidade (Unifac), da Escola Paulista de Enfermagem, já administrava reuniões presenciais de diferentes tipos de luto antes da pandemia, mas, também em maio, criou um projeto on-line voltado para a Covid-19 pela plataforma Zoom, às sextas-feiras, às 9 horas, com agendamento prévio pelo e-mail luto.covid19.unifesp@gmail.com.

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As sessões são conduzidas por 64 voluntários e ex-estudantes do curso de terapia familiar. “Todo mês há dez ou quinze enlutados querendo participar. Trabalhamos com acolhimento, explicamos como é o processo de luto, como lidar com os pertences do falecido”, explica Ana.

Outras universidades também tiveram ideias semelhantes. O LELu (Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto), da PUC-SP, já atua desde 1996. A doutora em psicologia clínica e autora do livro O luto no século 21, Maria Helena Franco, coordena o espaço, que oferece consultas gratuitas por meio de psicólogos que cursam psicoterapia para pessoas enlutadas na universidade.

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O contato é feito com a Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic por meio dos telefones 3862-6070 ou 3672-0180, pedindo transferência para o LELu. De acordo com a psicóloga, a alta demanda fez com que a professora abrisse vagas também na sua própria clínica, Instituto Maria Helena Franco, pelo e-mail falandodeluto.imhfp@gmail.com.

Uma das caraterísticas do luto pela Covid-19, segundo Samantha, é o sentimento de culpa e a solidão. Ela explica que muitos enlutados sentem que “abandonaram” o ente querido no hospital durante seus últimos dias de vida e passam pelo processo sozinhos durante o isolamento social. As profissionais concordam que algumas das diferenças desse tipo de perda são a morte de vários parentes simultaneamente e lutos prolongados. “É mais difícil enfrentar o luto sem um ritual de despedida”, diz Maria Helena.

A iniciativa também se espalhou entre psicólogos autônomos. A neuropsicóloga Márcia Palmeira (@ressignificando_o_ psicologico) juntou-se a quatro colegas para criar um grupo de profissionais solidários que prestam atendimento on-line, desde abril do ano passado, àqueles que têm qualquer sofrimento psicológico causado pela pandemia. “Somos preparados para lidar com o sofrimento. Tínhamos que ajudar de alguma forma.” Os voluntários convidaram outros psicólogos para participar, com a aprovação de Márcia, e hoje o projeto conta com 24 terapeutas.

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“O foco é abordar pessoas que estão de luto pela Covid-19, mas todo mundo já perdeu algo, seja o emprego, o sono ou a rotina”, conta. As sessões são semanais e individuais, para crianças e adultos (pessoas com mais de 70 anos têm prioridade na ordem de chamada), agendadas pelo número de WhatsApp (11) 99215-2644.

Veja alguns depoimentos

ANA PAULA RUBENSTEIN, 40

“Minha mãe, Felomena Boer da Silva, faleceu em abril do ano passado, aos 76 anos. Foi hospitalizada duas vezes. Na primeira, era pneumonia. Ela fez aniversário no hospital e me contou que a médica chegou a dar um abraço de parabéns. Ninguém ainda usava máscara. Na segunda vez, era Covid-19. Quando ela morreu, foi envolta por um plástico e enterrada no mesmo dia. Eu moro em Tampa, nos Estados Unidos, e tive de acompanhar tudo de longe. Assisti ao enterro da minha mãe por vídeo, caixão lacrado. Queria ter me despedido pela última vez. Nunca vivi um luto. Minha amiga me indicou o Instituto Maria Helena Franco e a psicóloga que me atendeu foi os ouvidos de que eu precisei. Um lugar seguro para que eu pudesse chorar e entender a minha dor. Parecia que alguém segurava minha mão, mesmo de longe.”

Ana Paula abraçando sua mãe com o braço esquerdo e ambas estão sorrindo
Ana Paula com a mãe, Felomena, em sua última visita a São Paulo (Arquivo pessoal/Divulgação)

 

LUCAS PALAZZO, 22

“Meu pai, Paulo Palazzo, 58, era médico do Samu e do Hospital São Paulo. Ele me levava desde os meus 5 anos ao trabalho e me influenciou a cursar medicina. Um dia, começou a tossir. Por orientação do trabalho, fez o teste para Covid-19 e deu positivo. Isolou-se no apartamento, mas começou a ter falta de ar e foi hospitalizado. Ficou dois dias internado antes da intubação e não resistiu. Foi difícil de acreditar. Sem velório, não pude me despedir. Como ele era o provedor da casa, passei por problemas financeiros e parei com a terapia que fazia, mas me indicaram o Proalu. A morte do meu pai completou um ano neste mês e sigo em acompanhamento com eles. Continuo com saudades dele, mas me sinto melhor.”

Lucas tira uma selfie com o pai, e na fotografia estão os dois sorrindo com uma praia ao fundo
Lucas e o pai, Paulo, que trabalhava como médico (Arquivo pessoal/Divulgação)

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Publicado em VEJA São Paulo de 05 de maio de 2021, edição nº 2736

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