Os detalhes do caso do serial killer do Jabaquara
Jorge Oliveira era visto como um homem prestativo na favela Alba, mas possuía hábitos estranhos, como guardar a chave de casa amarrada a uma corrente no pescoço
Jorge Luiz Morais de Oliveira era visto como um homem simpático, educado e prestativo na Favela da Alba, no Jabaquara, Zona Sul, onde nasceu e morou nos últimos 41 anos. Sem emprego fixo — foi demitido de uma transportadora no início do ano —, ganhava a vida realizando pequenos bicos. Como a maior parte desses trabalhos envolvia pintura e jardinagem, o fato de circular pelas redondezas carregando pás e com as roupas sujas de barro não chegava a chamar muita atenção dos vizinhos. Ainda assim, mantinha algumas atitudes estranhas, como não permitir a entrada de parentes em seu cortiço de 20 metros quadrados (quarto, sala/cozinha, banheiro e um depósito cheio de entulho). Ele inclusive carregava a chave da porta pendurada a uma corrente em seu pescoço, por baixo da camiseta. “Fora isso, ele levava uma rotina normal, ninguém suspeitava de nada”, diz Everton Magalhães, ex-colega do pintor em brincadeiras com carrinho de rolimã durante a infância pobre no bairro.
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Os primeiros indícios de que a prosaica esquisitice poderia esconder algo mais grave surgiram no último dia 23, uma quarta-feira, quando Carlos Neto Junior, de 21 anos, sumiu após visitar uma vizinha de Oliveira. “Algumas testemunhas viram meu filho ser levado para dentro da casa dele”, afirma o pai do jovem, Carlos Neto. “Desde então, desapareceu.” Ao vasculharem o local, dois dias depois, policiais encontraram rastros de sangue que iam da cozinha ao quarto e desconfiaram de um piso quebrado no corredor. Abaixo dele descobriram o corpo de Junior. Ao continuarem cavando o lugar, desenterraram outros três cadáveres e uma ossada.
Oliveira chegou a fugir, mas entregou-se à polícia no mesmo dia, após um apelo da mãe, Maria Irene. “Não consigo mais falar sobre isso, estou abalada”, afirma ela. “A decepção é muito grande”, completa Maria, que morava em outra residência no mesmo terreno, que ela abandonou por medo de represálias dos demais moradores.
Com a prisão de Oliveira, parentes de pessoas desaparecidas na região passaram a protagonizar uma romaria ao barraco situado na Rua Professor Emydio de Fonseca Telles. Vasculhando o local por conta própria, acharam mais dois corpos enterrados, o que elevou o total de vítimas a sete. Até a tarde de quinta-feira (1º), duas haviam sido identificadas: Junior e Renata Christina Pedrosa Moreira, de 33 anos.
Em depoimento à polícia, o “monstro da Alba”, como o apelidaram os moradores, confessou ter assassinado e enterrado em sua casa seis pessoas — cinco mulheres por estrangulamento e o rapaz a facadas. Outras vítimas seriam Paloma Aparecida dos Santos, de 21 anos, e Andréia Gonçalves Leão, de 20 anos. Com relação às demais, diz não se recordar do nome delas. “Precisaremos realizar exames de DNA para checar se os restos mortais são realmente dessas mulheres ou se há outras”, afirma o delegado Jorge Carlos Carrasco, titular da 2ª Seccional. A polícia acredita que o primeiro crime aconteceu em janeiro, data do desaparecimento mais antigo, e os demais ocorreram em intervalos de no máximo um mês.
A motivação para tanta brutalidade ainda é um mistério. Principalmente porque a história contada por Oliveira é surreal demais para ser considerada com seriedade. O pintor afirma que todas as vítimas consumiam drogas com ele, e que algumas, inclusive, atuariam como traficantes na região. Segundo sua versão, a decisão de matá-las veio da necessidade de “queima de arquivo”: as mulheres teriam descoberto que ele era contrário a uma facção criminosa da favela. No caso de Junior, Oliveira alegou legítima defesa. Disse que o rapaz entrou com uma faca em sua casa. “Ele agiu sob efeito de drogas e álcool e está arrependido”, afirma o advogado André Nino, que cuida da defesa do pintor.
A polícia, evidentemente, não levou nada disso em consideração. “Todas essas alegações são absurdas. Ele assassinou por motivo torpe”, entende Carrasco. Das teses iniciais, a de que Oliveira seria um serial killer homofóbico (pelo menos três das vítimas eram homossexuais) já foi descartada. Uma das linhas de investigação apura se as mortes foram executadas a mando de algum traficante local, por dívidas ligadas à compra e venda de drogas.
“A Paloma era uma menina trabalhadora, fazia serviços gerais, mas infelizmente era usuária de cocaína, e provavelmente foi por isso que esse sujeito se aproximou dela”, diz Michele Paula, irmã de uma das supostas vítimas. Ela reconheceu uma bermuda branca, uma blusa e o celular da jovem na casa de Oliveira.
As escavações no barraco para localizar outras vítimas foram praticamente encerradas na semana passada, mas vão prosseguir em um imóvel abandonado na mesma rua, conhecido ponto de consumo de crack e cocaína. Para ajudar nas buscas, a Polícia Civil está cruzando informações de trinta pessoas desaparecidas na região do Jabaquara.
Entre elas está o pintor Kelvyn Dondoni, de 23 anos, que sumiu há quatro meses. “Reconheci pela TV uma calça jeans e um cinto dele”, afirma a mãe, Maria de Fátima. O jovem é morador da Favela Mauro, a poucos quilômetros de distância da casa de Oliveira. “Ele frequentava a Alba, cortava o cabelo por ali”, diz. Natasha Silva Santos, de 20 anos, também está desaparecida. Sumiu há três meses enquanto vendia livros de porta em porta na região. “Saímos pelas ruas colando cartazes dela”, conta o irmão, Wagner Santos. “Ainda esperamos encontrá-la.”
A ficha policial do responsável pelos cadáveres da Alba contabiliza outros crimes. Ele cumpriu uma condenação de dezoito anos por dois homicídios praticados em 1994 e 1995. A pena encerrou-se em novembro de 2013. Oliveira foi ainda enquadrado por formação de quadrilha em Marília, no interior, e por motim e danos causados durante rebeliões nos presídios de Avaré e de Presidente Prudente. Devido à ocorrência do Jabaquara, teve a prisão temporária decretada por trinta dias. É alta a probabilidade de que passe o resto da vida na cadeia. As seis mortes que confessou podem lhe render uma condenação de 180 anos.