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Massimo fecha as portas com 37 anos de tradição

Um dos maiores ícones da alta culinária paulistana, o restaurante italiano encerrou atividades em 27 de setembro depois de uma longa agonia

Por Arnaldo Lorençato
Atualizado em 1 ago 2023, 17h28 - Publicado em 11 out 2013, 19h49
Massimo
Massimo (Luiz Aureliano/)
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As flores naturais continuavam em vasos sobre as mesas, o piso de ladrilhos vermelhos brilhava de tão lustrado e o trompe-l’oeil, com cenas de uma vila italiana, permanecia irretocável. Mas o melhor de minha última visita ao Massimo, no almoço do domingo 21 de julho, foi a comida. Os pratos pedidos estavam impecáveis. Eram receitas clássicas, de cozimento preciso, a preços altíssimos, que sempre caracterizaram o restaurante — uma refeição individual não saía por menos de 200 reais, sem bebida alcoólica. Não faltava frescor ao grelhado dos pescadores, um frito misto composto de robalo, camarões, anéis de lula firmes e um ótimo lagostim. Antes provei um cabelo de anjo al dente com cubos de berinjela e tomate, massa que gruda na memória, e, no fim, não o famoso tiramisu, que está entre os primeiros a ser servidos na cidade, mas a torta de limão, com acidez equilibrada e coberta por merengue batido na hora.

+ Tarte tatin do Massimo pode ser comprada na Felice e Maria

A qualidade do cardápio não impediu o fechamento da casa após o jantar de 27 de setembro. Com 37 anos de tradição, tratava-se de um projeto do calabrês Felice Ferrari, ex-piloto da Força Aérea italiana. Ele chegou à capital em 1947. Cinco anos depois, montou com sócios a churrascaria Farroupilha, no centro. Ferrari partiu para outra e inaugurou na mesma região uma concorrente lendária, a churrascaria Cabana, que funcionou de 1954 a 1993. Felice faleceu em 1974, dois anos antes da inauguração do restaurante italiano. Desde sua abertura, em 1976, a casa foi administrada por seus filhos, Venanzio e Massimo (aqui vale uma curiosidade: tanto a Cabana quanto o Massimo foram inaugurados no dia do aniversário de São Paulo, 25 de janeiro). O declínio começou em agosto de 2007, após Massimo se desentender com o irmão e deixar a administração. Nunca mais se falaram. Foi um golpe mortal. O lugar perdeu a alma e um dos maiores anfitriões que a cidade e o país já conheceram. Sempre de suspensórios e com um eterno sorriso estampado no rosto, ele sabia como poucos receber e fidelizar a clientela.

 

Passaram por suas mesas cinco presidentes da República, entre eles Fernando  Henrique Cardoso e Lula. Nos tempos áureos desse templo gastronômico, premiado como o melhor de sua categoria em 1999 e 2003 pela edição especial “Comer & Beber” de VEJA SÃO PAULO, chegava a servir 12 000 refeições por mês. Eram cerca de 100 funcionários, dos quais quarenta maîtres, garçons e cumins, uma média inacreditável de um e meio por mesa. Durante quase três décadas, o ex-ministro Delfim Netto tinha como cativa a de número 12. Também figuravam na lista de habitués políticos como Ulysses Guimarães, Orestes Quércia, Antonio Carlos Magalhães… Quase todo o empresariado brasileiro. Os sobrenomes mais conhecidos de São Paulo. Artistas. A lista é colossal. Mas os tempos mudaram. Outro cliente assíduo, o vereador Andrea Matarazzo conta que neste ano almoçou meia dúzia de vezes por lá. “Quase sempre, a minha era a única mesa ocupada”,  diz.

Sobram histórias pitorescas de frequentadores eventuais. Em 1984, o então poderoso editor de gastronomia do jornal The New York Times, Craig Claiborne, encantou-se pela feijoada, oferecida em bufê no almoço de sábado. Chegou a compará-la ao cassoulet, receita francesa usada como referência para avaliar a versão do Massimo. “Para o meu paladar, a feijoada pode não ser mais refinada, mas é mais sutil, mais complexa em seus sabores e texturas e mais estimulante”, elogiou. Uma passagem divertida aconteceu com o centroavante corintiano Viola, em 1994, após a conquista do tetracampeonato mundial com a Seleção Brasileira de Futebol. Depois de os atenciosos garçons terem explicado o menu, Viola desconfiou do penne servido de prato principal. E disparou: “Tem coxinha, gente?”.

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Ao longo dos anos, os maiores problemas do Massimo residiam na falta de renovação da clientela e no formato da administração. Uma medida imposta era não aceitar cartões de crédito e de débito, o que afastava principalmente os turistas. Aos poucos, a casa foi saindo de moda. Com isso, ficou difícil, por exemplo, arcar com o custo do aluguel do imóvel, na Alameda Santos, em um ponto que já foi um dos mais valorizados da cidade. Para ocupar o prédio de 900 metros quadrados, com salão de 120 lugares, sala de eventos, estacionamento e um apartamento na cobertura, era necessário desembolsar quase 100 000 reais por mês. Há dois anos, começaram os atrasos nos pagamentos e também um litígio com os donos da propriedade, o que levou à desocupação do imóvel. Em breve a construção deve vir abaixo para dar lugar a um edifício.

Felizmente, o refinado estilo de cozinha de Massimo Ferrari não desaparece. Prossegue firme na rotisseria montada por ele em 2009 na Vila Olímpia e batizada com o nome de seus pais, Felice e Maria per Massimo Ferrari. Esse é o lugar certo para comprar massas celestiais e assados ricos em sabor. Nenhum desses itens, entretanto, se compara à melhor tarte tatin da cidade, servida originalmente no carrinho de sobremesas. Na última visita, como havia só mais três mesas ocupadas, tive a sensação de que o restaurante que fez história na alta gastronomia paulistana estava mesmo perto do fim.

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