Mooca ganha perfil descolado com abertura de casas moderninhas
Conhecido por estabelecimentos cheios de tradição, bairro recebe leva de bares e lanchonetes de estilo mais jovem
Os clássicos da Mooca continuam firmes como a Muralha da China: uma centena de acepipes ainda forra os balcões do Elidio Bar (com mais de meio século de existência), as filas continuam longas na pizzaria São Pedro (49 anos) e as fornadas de panetone da octogenária confeitaria Di Cunto estão a todo o vapor. Mas o bairro, meu, já não é mais o mesmo. Bares, restaurantes e lanchonetes de estilo descolado têm brotado na região de contornos tradicionais. Foram ao menos cinco inaugurações no último ano.
+ Vereadores votam troca do “a” pelo “u” em nome de rua na Mooca
Aberto no fim de julho, o Hot Rod Dog atende a todos os requisitos de um endereço moderninho. Utiliza salsichas fabricadas especialmente para seus cachorros-quentes, aposta em complementos pouco triviais na cidade, como chili com feijão e guacamole, e tem ambiente com uma cara artificialmente antiga. Poderia estar no Itaim Bibi ou em Pinheiros. Porém se situa na Zona Leste. “Temos um novo perfil de morador por aqui”, justifica Edu Brandão Jarussi, sócio da casa ao lado de Monica Ohtani e Alexandre Brazales.
+ O melhor boteco da cidade fica na Mooca
Aos 459 anos, a Mooca é um antigo reduto industrial, com forte presença de imigrantes italianos. Muitos dos galpões que abrigaram essas fábricas vieram abaixo e deram lugar a edifícios. Segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), houve o lançamento de 2 878 empreendimentos por ali desde 2010.
Jarussi notou a chegada de novos habitantes (ou visitantes) quase dois anos atrás, ao inaugurar com outros empresários o bar Cateto, na Rua Fernando Falcão. Surpreendentemente, o endereço de pegada hipster dedicado às cervejas brasileiras e aos embutidos artesanais fez tanto sucesso — inclusive entre os mooquenses fervorosos — que vai seguir um caminho incomum: rumará a oeste, em uma filial na gourmetizada Pinheiros.
Nem todos tiveram essa sorte logo de cara. O chef Fellipe Zanuto, de A Pizza da Mooca, sentiu resistência ao montar, em 2011, um delivery da versão mais à napolitana da receita (aquela menor e mais macia), numa região onde reinam os discos à paulistana repletos de cobertura. Só conquistou de vez o público três anos depois, ao reabrir o endereço priorizando a clientela jovem, que gosta de sair de casa, sem o serviço de entrega. O espaço remodelado tem jeitão de galpão reformado, trilha sonora escolhida a dedo e um banheiro grafitado digno de balada underground. “A casa vem conquistando um pessoal de até 40 anos, que já tinha visto esse tipo de pizza fora do Brasil”, conta o chef, de braços tatuados e reminiscências de Nair Bello no sotaque.
Tal qual Zanuto, a grande maioria dos neoempresários daquele pedaço entrega no jeito de falar — ou no bairrismo mesmo — o DNA da ZL. Um deles é Nunzio Neto. Em junho, ele abriu o bar CC Rider, point na Rua Jumana. O local investe na programação musical de blues e em pratos do sul dos Estados Unidos. José Américo, o Tatá, foi outro “nativo” a apostar nas modernidades. No caso, hambúrgueres altos e rosados ao lado de guarnições como o “pirulito” de salsicha empanada em farinha de milho. “O bairro começou a deixar de ser ‘caretão’”, entende o dono do Cadillac Burger.
Junto de alguns parceiros, Tatá criou o projeto Distrito Mooca, que pretende ocupar imóveis vazios da parte próxima da Rua Borges de Figueiredo. A ideia é instalar ali casas descoladas de gastronomia e lazer, além de barbearias e estúdios de tatuagem. Acordos com grafiteiros foram firmados para preencher as paredes do entorno, e uma série de conversas com a subprefeitura é realizada a fim de viabilizar o programa até o início de 2016. A inspiração veio de Wynwood, velho bairro industrial de Miami, hoje repleto de galerias e estúdios de arte badalados.
Nessa linha de comparação, há os que vão longe demais. “Quem anda pela Mooca vê que a semelhança com o Brooklyn é impressionante”, exagera Zanuto, referindo-se à região de Nova York que abriga redutos descolados, como o Williamsburg.
E os velhinhos? Estabelecimentos pioneiros não parecem ver com maus olhos os recém-chegados. “Existe público para tudo”, opina Sergio Barbudo, da São Pedro. “E sempre haverá um cliente novo que ainda não conhece a nossa pizzaria, aberta quase cinquenta anos atrás.”