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“Queimaram nossos documentos, nossa identidade”, diz Xamã

O rapper carioca, que estreia no Lollapalooza neste mês, fala sobre sua ancestralidade indígena e os trabalhos na televisão e no cinema

Por Tomás Novaes
15 mar 2024, 06h00
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Xamã, 34: novos caminhos no audiovisual (Lucas Nogueira/Divulgação)
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Poucas vezes Xamã, 34, fala da sua própria carreira no singular. “Quando digo ‘a gente’, quero dizer eu e a minha banda”, explica — quando não é isso, usa o termo “equipe”. Parece uma prova da noção de que, para o rapper, o sucesso não é uma conquista individual.

Depois de se dividir entre a faculdade de direito, bicos e batalhas de rima, o carioca decidiu apostar na música em 2016. Desde então, integrou coletivos como 1Kilo e Cartel MCs, lançou carreira solo e se tornou um dos artistas mais escutados do país.

No último ano, Xamã decidiu dar vazão a outro sonho: a atuação. Diariamente no horário nobre da TV Globo como Damião, na novela Renascer, Xamã terá um ano agitado, com lançamentos como a série Justiça 2 e o filme Maníaco do Parque — em que interpreta Nivaldo, chefe do criminoso.

E, no próximo dia 23, faz seu primeiro show no Lollapalooza Brasil, em São Paulo. “A rotina da música sempre foi muito ciumenta”, diz ele. Confira a entrevista.

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Como você entrou para a atuação?

Sempre tive desejo de trabalhar com audiovisual, mas a agenda da música nunca deixou. No início de 2023, eu e minha equipe nos reunimos e comecei a me preparar com profissionais e tudo que a gente tinha de aparato para viver esse momento. Começamos com Justiça 2, da Manuela Dias e do Gustavo Fernandez. O segundo trabalho foi Cinco Tipos de Medo, de Bruno Bini. E em seguida trabalhamos no Maníaco do Parque, do Mauricio Eça, em São Paulo. Curiosamente, nosso último projeto, Renascer, foi o primeiro a sair. Está sendo incrível, porque é uma novela emblemática.

Trabalhar no cinema e na televisão é um sonho de longa data?

Sim, todos os meus projetos musicais flertaram com o cinema. O primeiro disco que eu fiz se chama Bastardos Inglórios, com o Cartel MCs. Depois fiz O Iluminado, em que as faixas levam nomes de filmes, e, nos clipes, a gente procurava imitar a câmera, a lente, os planos. Sempre houve esse flerte, eu só estava esperando a música dar uma brechinha para conseguir fazer as duas coisas dançarem juntas.

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Você comentou sobre Maníaco do Parque. Como foi contar essa história?

Fui criança nos anos 90, então vi quando aconteceu, passou em todos os jornais. Foi um serial killer que marcou época, e muitas pessoas nem sabem disso, as crianças dos anos 2000. Poder contar essa história é um alerta para todo mundo, porque ele era uma pessoa invisível em São Paulo, que conseguia capturar a atenção das meninas… é um enredo muito macabro. As coisas que a gente gravava e lia no roteiro eram bem assombrosas. E o Silvero (Pereira) é sinistro, ele transmuta na atuação.

Antes de seguir carreira na música, você trabalhou na rua, vendendo amendoim em trens. Que ensinamentos daquela época você carrega hoje na sua carreira?

O contato com o público. No início eu era bem tímido, mas depois que você trabalha diretamente com ele, você tem um feeling diferente. Você fala para pessoas de outras regiões, que gostam de coisas diferentes, e você precisa vender. Essa minha experiência nas ruas me deu uma sagacidade de capturar a atenção das pessoas e saber o que elas querem. Porque o cliente tem sempre razão, foi assim que aprendi.

“A história do Maníaco do Parque é um alerta para todo mundo, porque ele era uma pessoa invisível”

Como você concilia a carreira musical com a rotina de gravações de Renascer?

No início, foi bem assustador. Mas depois foi muito fluido, porque os estúdios da Globo são próximos aqui de casa. Fui abraçado por todos os profissionais, não só do elenco, mas também pela galera da maquiagem, do transporte, da segurança… quando você tem um time todo jogando a seu favor, é muito mais fácil.

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O que podemos esperar da sua estreia no Lollapalooza?

Preparamos um repertório que revisita músicas que a gente não costuma cantar nos shows. É a nossa estreia no festival, a gente quer chegar com os dois pés na porta e fazer algo bem emblemático. Além disso, será nossa primeira grande apresentação do ano, estamos na expectativa para voltar ao palco. O Lollapalooza tem uma coisa meio mística de você conseguir cantar pra todos os públicos, e a nossa ideia é esta, transitar por todos os ritmos e nos divertir nesse processo.

Você lançou a faixa Quando a Gente Ama no último mês. Ela vai fazer parte de um disco?

Quais os seus próximos passos na música? Vou lançar alguns singles até o Acústico Billboard (projeto inédito previsto para este ano), que vão ter versões no disco. A gente está muito ansioso, porque eu e a banda adoramos fazer música acústica. Vamos lançar essas faixas neste início de ano, aquecendo até a gravação. E estou cozinhando um disco, que deve ficar pronto neste ou no próximo ano.

O seu último álbum, O Último Romântico Online (2023), feito em parceria com o Vulgo FK, não foi muito divulgado. Por quê?

É um disco colaborativo, a gente queria que ele tivesse essa identidade. Eu sempre tive uma veia muito underground, e, depois do Malvadão 3 (seu maior sucesso), que foi para as rádios, os processos de gravação ficaram muito pop. A gente queria fazer um disco de jukebox, um achado. A capa é um fliperama, algumas letras têm muitos palavrões, decidimos sair um pouco da linha popular. E não tínhamos tempo de nos dedicar, por conta das minhas gravações. Esse disco foi feito pra ser isso mesmo, aquele que você encontra nos fundos da locadora e depois aluga o resto do ano.

Você é filho de pai indígena. Qual a sua relação hoje com zessa ancestralidade?

Eu sou de Sepetiba, na Zona Oeste carioca, e a gente não tinha muito contato com a nossa ancestralidade. Quase todo mundo passa por isso, de não saber de onde veio, porque queimaram nossos documentos, nossa identidade. O que me aproximou, como sempre, foi a música. Em 2019 conheci o Txepo (Suruí) e o Tukumã Pataxó, e tivemos a ideia de fazer uma mixtape indígena. Comecei a fazer o disco, aí veio a pandemia. Mas me aproximei muito deles, conversamos sobre o que eram povos indígenas no Brasil e o embranquecimento cultural. Se você não sabe do seu povo, você não sabe quem você é. Então fui fazer um resgate, com o Tukumã, em Coroa Vermelha, na Bahia, e com o Txepo, em Rondônia. Isso me fez querer saber mais sobre a minha família. E a minha tia descobriu que, coincidentemente, minha bisavó veio de Coroa Vermelha. Minha ancestralidade vem do mesmo lugar do Tukumã. Foi uma premiação maravilhosa.

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Publicado em VEJA São Paulo de 15 de março de 2024, edição nº 2884

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