Entre a fé e o feminino, Vanessa da Mata se reinventa às vésperas dos 50 anos
Artista é a principal atração do Comer & Beber Experience, que acontece entre 24 e 26 de outubro

Música e gastronomia estarão muito bem representadas no Comer & Beber Experience, evento que acontece nos dias 24, 25 e 26, no espaço ARCA, com 21 endereços gastronômicos paulistanos, estrelados e premiados pelo guia anual (conheça os participantes e cardápios aqui). Para além dos sabores, esta sétima edição leva muita música boa ao Palco Vejinha — com Vanessa da Mata como estrela, se apresentando na sexta-feira (24), às 19h30. Confira a programação musical aqui.
Há três anos, a cantora e compositora mato-grossense trocou a capital fluminense, onde morou por dez anos, pela capital paulista. Ela veio com seus três filhos, Felipe, Micael e Bianca, hoje na faculdade. “São artistas também, e não consegui ver muitas perspectivas para eles no Rio. São Paulo tem uma amplitude maior de possibilidades”, afirma.
Sócia da Casa Natura Musical, ela vive a cidade — e tem seus cantos gastronômicos preferidos, a maioria entre Pinheiros e Vila Madalena, como a confeitaria Crime Pastry Shop, a cafeteria Dois Trópicos e a Iza Padaria Artesanal. “Um lugar que amei nos últimos tempos foi o restaurante Animus (da chef Giovanna Grossi)”, completa a lista.
O momento de Vanessa é dançante e livre, como o seu disco mais recente, Todas Elas (2025). “Esse álbum tem muitas mulheres. Falo de vários aspectos do feminino, como em Maria Sem Vergonha, cantando contra todos os preceitos de que as mulheres precisam ser de um jeito, e não de outro”, explica. “Para mim, a música é uma senhora, uma mulher, uma menina — um corpo invisível que te pega e conduz a lugares escondidos, te faz feliz, faz amor com você e te abraça”, define a artista, que está em turnê pelo Brasil e completa 50 anos em fevereiro.
“Depois dos 40, São Paulo é um doce e latente delírio para uma mulher. A cidade continua viva e oferecendo muitas possibilidades. Música, teatro, você pode curtir vários lugares em uma noite só.” Para ela, afinal, “a praia do paulistano é a noite e a cultura”.

No início deste mês, a musicista viajou pelo país com seu novo show, desde Porto Alegre até cidades pequenas da Bahia, como Cruz das Almas, Mucugê e Ribeira do Pombal. “Sou do interior, onde ninguém ia. É como se eu estivesse me buscando nesses lugares”, reflete.
As letras mais recentes de Vanessa celebram, além da liberdade, o sorriso em meio às dores do mundo e de nossas vidas — como a faixa É Por Isso que Eu Danço. “Precisamos de uma injeção de poesia no dia a dia. Estamos esquecendo disso e nos afundando com outras coisas. Assim é difícil ter espaço para entender uma coisa bela.”
O tema da religião também está presente na letra da música Eu Te Apoio em Sua Fé e na vida da compositora, que ingressou no candomblé há nove anos. “Sou completamente grata à espiritualidade, inclusive por firmar a minha cabeça. Quimicamente eu não estava bem, vindo de um sucesso enorme que me tirou do prumo”, relembra a artista, dona de tantos hits, como Amado, Boa Sorte, Ainda Bem, Não Me Deixe Só, Ai, Ai, Ai... e Só Você e Eu.
Assim como os dois trabalhos anteriores, Quando Deixamos Nossos Beijos na Esquina (2019) e Vem Doce (2023), o novo também tem a produção assinada por ela mesma, além das composições. “Por isso no disco você consegue entender completamente os meus apelos, anseios, prazeres, minhas críticas e ironia, minha poética e brasilidade”, diz.
A independência na criação vem acompanhada de uma inquietude — como se a música fosse, para Vanessa, uma “força que nunca seca”, parafraseando o título de seu primeiro sucesso, feito em parceria com Chico César e gravado por Maria Bethânia em 1999. “Tenho esse inferno interior, infelizmente ou felizmente. Às vezes acho que falta sono (risos). São muitas coisas para fazer e falar, muita insatisfação e também doçura para com o mundo”, resume.
Em 2024, Vanessa estrelou seu primeiro musical, Clara Nunes — A Tal Guerreira, idealizado por ela e dirigido por Jorge Farjalla. “O Brasil está começando a ter musicais de uma grandiosidade compatível com a genialidade dos nossos artistas. Coisa que a Broadway faz sobre pessoas que, não querendo desprezar, muitas vezes não chegam aos pés dos nossos”, comenta, acerca da onda recente de espetáculos sobre bambas da música brasileira, como Tom Jobim Musical e Djavan, o Musical: Vidas pra Contar, entre outros.
Nesta longa e bem-sucedida trajetória, os sonhos não cessam: um desejo para o futuro é mergulhar no universo lírico. “Adoraria fazer óperas. E gostaria de fazer um musical sobre a Maria Callas (grande soprano americana) um dia, não seria agora. Descobri que tenho os agudos para isso”, revela. Essa efervescência alimenta a artista multitalentosa, que vê na arte um antídoto para a desesperança. “Para mim, a música é um santo remédio.”
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de outubro de 2025, edição nº2966.