Tony Bellotto lança novo livro: “Fiz 64 e sigo tão perdido quanto aos 14”
O guitarrista dos Titãs mergulha em memórias paulistas no seu novo romance, 'Vento em Setembro', e faz bate-papo com Marcelo Rubens Paiva em São Paulo
A biblioteca sempre foi um dos cantos mais especiais da casa para Tony Bellotto, 64. Filho de professores universitários — o pai, historiador, a mãe, arquivista e também historiadora —, o guitarrista dos Titãs traça, em paralelo à música, uma carreira de escritor há quase trinta anos, quando lançou Bellini e a Esfinge (Companhia das Letras).
Na próxima terça (27), ele lança em São Paulo o seu décimo primeiro livro, Vento em Setembro (Companhia das Letras, 296 págs., 94,90 reais), na livraria Megafauna.
O romance policial é ambientado entre Assis, na década de 70, onde o magnata rural Máximo Leonel organiza uma festa para celebrar a perda da virgindade do seu filho mais novo, e a Ouro Preto dos dias de hoje, que tem como figura central o jornalista e escritor Davi.
“Tudo começou com a primeira frase, e a partir dela fui criando o livro. Na revisão, com minhas sessões de psicanálise, fui perceber que evoco vários lugares onde vivi. Isso faz sentido na minha idade, quando você começa a pensar na vida que viveu, enxergando a finitude com mais nitidez”, conta Tony, que nasceu na capital paulista, mas passou a infância e juventude entre Assis e cidades como Presidente Prudente, Martinópolis e Santos, onde estudou arquitetura por dois anos.
No texto, lembranças dessa época se misturam com a ficção. “Aparece no livro um show da Rita Lee, em 1974, no Teatro Aquarius, no Bixiga, a que fui com 14 anos. Também tem os gêmeos, Laura e Laércio, que nasceram em Santos, mas ela foi morar em São Paulo.”
Ao mesmo tempo que começava a se interessar pelo violão e pela guitarra, “ainda muito jovem”, nascia em Tony a paixão pela literatura. “Sempre tive o desejo de me tornar escritor”, conta o músico-escritor, que teve de deixar esse sonho de lado com a ascensão meteórica dos Titãs, no começo dos anos 80.
“Quando estava próximo dos 30, já com uma carreira consagrada, encontrei um amigo do meu pai, que me perguntou se eu ainda escrevia. E me reacendeu isso. Nessa época, eu estava lendo muita literatura policial e me pareceu que aquela estrutura do enigma a ser decifrado seria mais fácil de escrever. Depois, percebi que também é a escrita que mais me move”, explica o autor, que desde então segue explorando o gênero.
Seu livro de estreia, Bellini e a Esfinge (1995), virou até filme homônimo, dirigido por Roberto Santucci e lançado em 2002, com Malu Mader, sua esposa, no elenco.
Vento em Setembro começou a ser escrito durante a pandemia, antes de o guitarrista sair em turnê pelo Brasil com os Titãs no show Encontro — que reuniu, entre abril de 2023 e março de 2024, a formação original da banda, com Sérgio Britto, Branco Mello, Nando Reis, Charles Gavin, Paulo Miklos e Arnaldo Antunes.
Tony encontrou, nos intervalos das gravações, o lugar da literatura em sua vida. “Quando estou compondo canções ou gravando, não tenho espaço na cabeça para um livro. A partir do momento em que entramos em um esquema de turnê e tocamos mais nos fins de semana, uso as pausas para escrever. Para qualquer dessas atividades é preciso disciplina e organização”, diz.
Durante o histórico reencontro com os ex-companheiros de banda, Tony escreveu um diário. “A turnê foi muito intensa. Fui preenchendo cadernos com as lembranças que surgiam, com as emoções que vivia, e tudo isso está arquivado para, talvez, virar alguma coisa”, revela.
A verdade é que, no caso de Bellotto, música e literatura são atividades opostas. De um lado, uma banda de rock que toca há quatro décadas para multidões, e, do outro, a escrita solitária e individual. “Ao longo do tempo, descobri que são caminhos complementares. A música é barulhenta, estou sempre com muita gente, e a literatura é silenciosa”, define.
No dia 27, o guitarrista estará em São Paulo para um bate-papo de lançamento do livro com o escritor Marcelo Rubens Paiva, na livraria Megafauna, na República.
“Nós nos conhecemos no início dos anos 80, ele tinha acabado de estourar com Feliz Ano Velho. É um companheiro de geração e vida, e como o livro fala de um personagem nos dias de hoje que era adolescente nos anos 70, e reflete sobre tudo isso, tem tudo a ver”, conta.
Seu olhar retrospectivo ressalta aquilo que pouco se transformou desde a juventude: o amor pelos discos e livros. “Quando mais jovem, tinha a ideia de que, quando chega uma idade, você dá as coisas por resolvidas. Mas fiz 64 e continuo tão perdido quanto aos 14 anos. E, assim como a busca pela identidade, a pulsão de compor e escrever é permanente — essa inspiração não mudou para mim.” ■
Livraria Megafauna. Edifício Copan, Avenida Ipiranga, 200 (loja 53), República. Ter. (27), 19h.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907