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“Ganhar dinheiro no teatro ficou mais difícil”, diz Suely Franco

Aos 84 anos, a atriz estreia em São Paulo um musical sobre Virgínia Lane, fala sobre as dificuldades do mercado teatral e critica o etarismo na televisão

Por Tomás Novaes
1 mar 2024, 06h00
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Na pele de Virgínia: estrela do teatro de revista (Pino Gomes/Divulgação)
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“Não teve ninguém que foi e me disse que não gostou”, brinca, espirituosa, a atriz Suely Franco, 84, sobre o musical A Vedete do Brasil.

Depois de uma temporada no Copacabana Palace, o espetáculo estreia em São Paulo, no Teatro Faap, no dia 8.

Dirigida por Claudia Netto e estrelada também por Bela Quadros e Flávia Monteiro, a montagem conta a história de Virgínia Lane (1920-2014), cantora que brilhou nos tempos do teatro de revista.

É mais um trabalho para a vasta e premiada coleção de peças, filmes, séries e novelas de que a atriz participou nas últimas seis décadas, desde a primeira montagem de O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, até produções recentes como a série infantil Detetives do Prédio Azul — nessa diversa carreira, Suely foi reconhecida com um Prêmio APCA, um Prêmio Bibi Ferreira, um Prêmio Molière e dois Prêmios Shell.

Bem-humorada e cheia de energia, a atriz conversou com a Vejinha sobre o início da trajetória, o etarismo na televisão e as dificuldades atuais do mercado teatral brasileiro.

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Como você entrou no projeto de A Vedete do Brasil?

O Cacau (Hygino), que escreveu a peça, me convidou para fazer a Virgínia. Levei um susto. Nunca me imaginei no papel dela. Adorei o texto e aceitei. Não cheguei assistir a teatros de revista, mas fez muito sucesso na época. Não era todo mundo que conseguia fazê-lo, então voltar a falar disso e mostrar como eram as coisas é algo forte.

Como começou a relação com o teatro e os palcos?

Faço teatro desde garota. Fazia teatro na igreja, na escola e, depois, amador. Quando era criança, comecei a fazer aula de piano. No fim do ano, a gente tinha que se apresentar para as famílias. Ou seja, essa coisa de se apresentar para o público já era antiga quando fiz O Beijo no Asfalto, que foi a primeira vez que recebi dinheiro atuando.

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Essa estreia profissional ocorreu em 1961, na montagem original do texto, com direção de Fernando Torres (1927- 2008). Quais as diferenças de fazer teatro na década de 60 e em 2024?

É tão diferente… Nós fazíamos peças com doze, treze pessoas. Hoje, temos muito poucas, porque não dá para pagar todo mundo. A gente fazia espetáculos de terça a domingo, com até duas sessões em vários dias. Era outra coisa, completamente. E eram poucos teatros, mas com muitos lugares. Hoje os espaços são pequenininhos… Ganhar dinheiro no teatro, hoje, é ainda mais difícil.

Que conselhos daria a quem começa a atuar nesse cenário atual?

A profissão está muito difícil. Agora quem quer ser ator, além de aulas de representação, precisa fazer aulas de produção. Para quem começa, é difícil ser chamado. O pessoal tem se juntado e criado companhias, para conseguir ficar mais conhecido. Muitas vezes precisam ter outro trabalho, porque a nossa profissão vai para cima e para baixo, às vezes passamos meses sem receber. No começo, eu fazia por divertimento, só quando a gente é mais adulto que começa a pensar nessas coisas de dinheiro.

Nos anos 70, você fez uma série de peças com temporadas paulistanas — entre elas, A Capital Federal, em 1972. Chegou a morar em São Paulo?

Naquela época, tinha muito mais trabalho em São Paulo, inclusive na televisão. Estava muito difícil aqui (no Rio de Janeiro, onde concedeu a entrevista) para conseguir emprego. Então eu e meu marido (o ator e humorista Carlos Koppa) fomos tentar a sorte em São Paulo. Primeiro, ficamos em um hotel e depois, sim, começamos a morar. Eu conhecia o Flávio Rangel (diretor do espetáculo), então fui pedir emprego, porque sabia que ele estava montando uma peça. Ele só tinha o último papel para oferecer, uma coisinha muito pequena. Como estava pagando, topei. Era um papel minúsculo, então eu também ajudava na coreografia, cantava as músicas… Mas ele estava com dificuldade de encontrar a protagonista. Escolhe daqui, escolhe dali, até que a produtora da peça deu a ideia de me escalar. Ou seja, fui da figuração para o primeiro papel e ganhei o Prêmio Molière (risos).

“Depois do musical, já tenho dois anos programados. Farei temporada até em Portugal. Vou continuar até morrer, a pior coisa para um ator é ficar parado”

Nessa fase da carreira, o Brasil vivia o regime militar. As peças enfrentavam problemas com a censura?

Vou contar sobre a censura de televisão. Eu fazia um programa humorístico e fui proibida de falar que eu tinha “comido brigadeiro” (uma patente militar). Em outra ocasião, fui proibida de dizer que tinha ficado “vermelha de vergonha” — naquele tempo, vermelho era sinônimo de comunismo. Muitas peças eram cortadas, pedaços eram censurados. Eu achava um absurdo a polícia ficar atrás dos autores gregos, como para prendê-los (risos). Tanto drama como comédia, era tudo difícil e complicado de fazer.

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O seu último trabalho na televisão foi em 2019, em A Dona do Pedaço (da TV Globo). Você sente vontade de voltar a fazer novelas?

Quero voltar a fazer tudo, adoro fazer novelas, dublagens, representar de qualquer jeito. Gosto de fazer tudo.

A ausência em projetos na televisão é sintoma de um etarismo no meio?

Não sei o porquê, mas existem mais personagens de mais idade no teatro do que na televisão. A gente tem mais oportunidade em peças, na TV é mais difícil. Se bem que agora estão trabalhando (na novela Fuzuê, da TV Globo) o Ary Fontoura com a Ana Lúcia Torre, velhinhos, maravilhosos. Mas ainda assim é muito pouco.

Quais os seus próximos projetos, além da estreia do musical em São Paulo?

Já estou com os dois próximos anos programados. Depois do musical, vamos retornar com a peça Três Mulheres Altas, que já fizemos em São Paulo. Vamos fazer temporada até em Portugal. Além de participações em muitos filmes (que irão estrear).

Você acredita que essa vitalidade aos 84 anos se deve ao fato de trabalhar com o que gosta?

Sim. Mas acho que também é uma questão genética. A minha família toda morreu com 90 e tanto, 80 e tantos anos. Família de italianos e portugueses.

Tem planos de se aposentar?

Vou continuar até morrer. A pior coisa para um ator é ficar parado.

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Publicado em VEJA São Paulo de 1o de março de 2024, edição nº 2882

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