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Maestro Roberto Minczuk, cria da Zona Leste, celebra trinta anos de carreira

O regente está à frente da Orquestra Sinfônica Municipal do Theatro Municipal, que terá mais um ano de programação ambiciosa

Por Saulo Yassuda Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
12 jan 2024, 06h00

“Oi, maestro.” “Como vai, maestro?” “Maestro, boa noite.” É inevitável. Numa curta caminhada entre seu camarim e o palco do Theatro Municipal, Roberto Minczuk, o regente titular da casa desde 2017, à frente da Orquestra Sinfônica Municipal, não fica mais que três segundos sem escutar a palavra “maestro”.

Nada a que esse paulistano nascido há 56 anos na Vila Bela, na região da Vila Prudente, Zona Leste, não esteja acostumado — em 7 de março, comemora três décadas que manuseia profissionalmente, e energicamente, a batuta.

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A data da estreia ele lembra muito bem: foi um dia antes de Rebecca, a segunda de quatro filhos, nascer. “Minha mulher, Valeria, estava no concerto grávida”, ele não esquece.  Ele regia, como convidado da noite, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), no Memorial da América Latina. No repertório, só Beethoven.

“Um maestro imprime personalidade à orquestra”, explica Minczuk (pronuncia-se “mintchuc”). “Cria uma unidade.” Nas conversas, o condutor busca desmistificar o seu trabalho. “Achar que música clássica é elitista é uma grande bobagem e falta de informação. É uma ignorância”, dispara. “Se uma criança está jogando um videogame, o que ela está ouvindo na trilha sonora é música clássica. As trilhas dos grandes filmes de Hollywood e até os comerciais, toda a publicidade se utiliza de trilhas de orquestra sinfônica.”

O maestro Roberto Minczuk durante ensaio da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo no Theatro Municipal
O maestro Roberto Minczuk durante ensaio da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo no Theatro Municipal (Joel Silva/Veja SP)

Programação do Theatro Municipal

Em clima de comemoração, o titular abre o ano no Theatro Municipal com Catedrais Sonoras, nos dias 25 e 27, às 17h, e 26, às 20h. O programa homenageia o bicentenário de nascimento do compositor austríaco Anton Bruckner e vai contar com a Nona Sinfonia de Beethoven — em sua estreia, o regente tocou a Sinfonia Nº 5. O Coro Lírico Municipal e o Coral Paulistano acompanham os instrumentistas. Os ingressos custam entre 12 e 66 reais.

Esse é só um aperitivo de um ano de programação ambiciosa na casa de espetáculos, que tem na agenda óperas como Madama Butterfly, de Giacomo Puccini, que terá direção cênica da diretora Livia Sabag, em março, e Nabucco, de Giuseppe Verdi e direção de Christiane Jatahy, em setembro e outubro. “Vou reger a minha primeira produção de Carmen, de (Georges) Bizet, com direção do Jorge Takla, em maio”, entusiasma-se Minczuk sobre os meses por vir.

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Roberto Minczuk em seu camarim, no Theatro Municipal
Roberto Minczuk em seu camarim no Theatro Municipal (Saulo Y/Veja SP)

Sucessos do Theatro Municipal

O regente enfileira sucessos desde seu ingresso no Municipal, sete anos atrás. Além dos tradicionais concertos sinfônicos, que conduz com brilhantismo, voltou-se também para as óperas, essenciais no Municipal, cujo repertório conduzido por ele criou um burburinho. “A primeira encomenda de uma ópera da história do Theatro Municipal foi eu que fiz”, gaba-se.

No caso, o duo Navalha na Carne e Homens de Papel, em 2022, solicitadas aos compositores Leonardo Martinelli e Elodie Bouny, que levaram ao palco as obras de Plínio Marcos (1935- 1999).

Luisa Francesconi, Homero Velho e Fernando Portari em 'Navalha na Carne', apresentada em 2022 no Theatro Municipal
Luisa Francesconi, Homero Velho e Fernando Portari em ‘Navalha na Carne’, apresentada em 2022 no Theatro Municipal (Stig/Divulgação)

Em maio passado, foi diretor musical do projeto de O Guarani, de Carlos Gomes, que teve a concepção de Ailton Krenak, direção cênica de Cibele Forjaz e a participação da Orquestra e Coro Guarani do Jaraguá Kyre’y Kuery. A ópera, que levantou debate antes mesmo da estreia pela leitura crítica do espetáculo de 1870, deve ser reapresentada em 2025 para um registro em vídeo.

Concertos e óperas

“Havia um grande ponto de interrogação quando ele (Minczuk) foi para o Municipal, que é uma casa de ópera, e a experiência dele era sinfônica”, diz o tradutor e jornalista especializado em música clássica Irineu Franco Perpetuo. Mas o maestro abraçou a causa e fez dar certo. “Ele tem energia e vontade de trabalhar”, comenta. “Pegou um Municipal em crise e quis fazer coisas grandiosas.”

“O Roberto adora uma aventura”, elogia Andrea Caruso Saturnino, diretora-geral do Theatro Municipal. “Está sempre entusiasmado e apaixonado por qualquer peça que esteja preparando e por qualquer maluquice que eu proponho.”

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Cena de 'O Guarani', ópera apresentada no Theatro Municipal em maio de 2023
Cena de ‘O Guarani’, ópera apresentada no Theatro Municipal em maio de 2023 (Rafael Salvador/Divulgação)

O regente, amigo e vizinho João Carlos Martins engrossa o coro. “Roberto é o maior maestro brasileiro”, afirma. “Ele pode ocupar qualquer orquestra em qualquer lugar do mundo que vai dignificar o nome do Brasil.”

Como Roberto Minczuk iniciou a carreira

O reconhecimento do maestro no meio musical erudito começou muito antes de ele iniciar a regência. Minczuk foi um virtuoso trompista profissional. Aos 9 anos, ingressou na Escola Municipal de Música, levado pelo pai, José Minczuk, hoje com 86 anos.

Primeiro- tenente reformado da Polícia Militar, também alfaiate e motorista particular, José cuidava da direção musical da igreja Assembleia de Deus Russa, que a família frequentava na Zona Leste, e regeu ainda o coral da PM. O patriarca incentivou a educação musical de todos os oito filhos — Arcádio Minczuk, irmão de Roberto, segue como primeiro oboísta da Osesp, por exemplo.“Meu pai deixava de pagar conta para comprar um instrumento, uma partitura”, rememora Roberto Minczuk.

Aos 13 anos, um prodígio, o maestro foi contratado pelo Theatro Municipal para ser o primeiro trompista da Orquestra Sinfônica Municipal, a mesma que rege atualmente.

Roberto Minczuk ao lado do maestro Kurt Mansur e do pai José Minczuk
Roberto Minczuk ao lado do maestro Kurt Mansur e do pai José Minczuk (Rachel Guedes/Acervo Dedoc)

Primeiros passos no exterior

Ficou menos de um ano, pois em 1981 conseguiu uma bolsa de estudos na prestigiada Juilliard School, em Nova York. “Pedi a Deus que um dia eu pudesse estudar lá”, diz o regente, que é evangélico. Ficou seis anos nos Estados Unidos, tempo de se graduar na escola e até se apresentar como solista no icônico Carnegie Hall, feito que faz questão de citar. O desejo de ser regente crescia.

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“Meu pai estava me treinando para ser maestro desde criança. Ele me dava LPs de músicas que ele precisava da partitura e eu tirava de ouvido”, conta. No período de Estados Unidos, Minczuk começou a “brincar” com a batuta na igreja ucraniana em New Jersey, onde morava, do lado de Nova York, mas nada oficial.

Aos 20 anos, deixou o país rumo à Alemanha, para fazer parte da Orquestra Gewandhaus de Leipzig, a convite do alemão Kurt Masur (1927-2015). O posto era para ser trompista, mas o foco do então instrumentista era na condução. “Meu plano era entrar nessa orquestra e me aproximar dele (Masur) e estudar regência com ele”, conta.

De trompista a maestro

Dois anos depois, o então instrumentista acabou retornando ao Brasil, pouco antes da queda do Muro de Berlim. “Não me sentia brasileiro, americano e muito menos alemão.” Voltou a tocar no Municipal e, por um bom período, deixou de lado a gana de ser maestro. Casou, no fim de 1991, com Valeria Ksenhuk, que ele conheceu na igreja no retorno a São Paulo, e a primeira filha nasceu. A vida seguia.

Mas o pai insistia para que ele voltasse a investir na regência. A esposa, idem. “Eles me empurraram a seguir o meu sonho.” Minczuk passou a ter aulas de regência com o condutor Eleazar de Carvalho (1912- 1996), a quem chama de mestre, e participou de concursos de maestro. Subiu pela primeira vez ao palco com a batuta naquele 7 de março de 1994.

Trinta anos de regência

Nessas três décadas de regência, Minczuk foi titular da Orquestra de Câmara da Universidade de Brasília e da Sinfônica de Ribeirão Preto. Despontou mesmo aos olhos do público ao se tornar assistente de John Neschling, na reestruturação da Osesp e implantação da Sala São Paulo, em 1997, mesma época em que começava a desenhar sua carreira no exterior.

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Foi maestro associado e diretor artístico adjunto e mantevese na Osesp até 2005, quando se divorciou musicalmente do então mentor Neschling. Hoje os dois não mantêm mais contato. Em paralelo, foi diretor do Festival de Campos do Jordão, entre 2005 e 2010.

Depois da saída da Osesp, assumiu em 2005 o posto de regente titular da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), no Rio de Janeiro, para onde se mudou com a família. O período na OSB, que durou até 2015, foi uma fase de muitos louros ao regente, mas também abarca a maior crise de sua carreira.

Em 2011, a instituição passou a exigir avaliações periódicas aos integrantes da orquestra, fato que não foi bem recebido pelos músicos. Parte deles se recusou a fazer as provas e foi demitida, em seguida reincorporada como um grupo dissidente. O condutor sofreu protestos, no Brasil e no exterior. “Com a experiência que tenho hoje, com certeza faríamos coisas diferentes ali”, diz.

A crise passou, mas daquela época permaneceu alguma fama de ríspido e autoritário. Mas o maestro diz que não é bem assim. “Sou muito apaixonado por aquilo que faço. Eu me entrego de corpo e alma. Trabalho para ter na música a melhor performance possível. E exijo também essa entrega”, responde Minczuk, hoje à frente de 127 músicos no Municipal.

Carreira internacional

Atualmente, também é diretor musical da Filarmônica do Novo México, nos Estados Unidos, país onde continuará a passar pelo menos uma semana por mês, já que acaba de renovar o contrato com a instituição.

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O maestro Roberto Minczuk, em 1998 em NY, quando estreou na Filarmônica de Nova York
O maestro Roberto Minczuk, em 1998 em NY, quando estreou na Filarmônica de Nova York (Acervo pessoal/Divulgação)

Até agora, mais de 120 orquestras no mundo já foram conduzidas por Minczuk. Ajudou nessa carreira internacional a passagem pela tradicional Filarmônica de Nova York, que já foi comandada por nomes como Gustav Mahler e Leonard Bernstein, este retratado no filme Maestro (2023), de Bradley Cooper.

“Nunca regi na China, gostaria muito”, revela o condutor, que também foi diretor musical da Filarmônica de Calgary, no Canadá, entre 2006 e 2016, e para onde se mudou com a família em 2012.

Um maestro família e pop

Os quatro filhos, Natalie, Rebecca, Joshua e Julia, hoje vivem na cidade, mesmo depois do retorno do patriarca a São Paulo, para assumir o Municipal. O casal Minczuk passou o ano-novo no Canadá acompanhando os primeiros dias do neto Rafael, nascido em 24 de dezembro, filho de Natalie, maestrina como o pai. A bebê de Rebecca, Maria, de 6 meses, assistiu a seu primeiro concerto em dezembro passado, no Municipal. O terceiro neto, filho de Joshua, nasce em abril.

Roberto Minczuk (de preto) segura a neta Maria entre a esposa Valeria, a filha Rebecca e o genro Jonatas Cardoso
Roberto Minczuk (de preto) segura a neta Maria entre a esposa Valeria, a filha Rebecca e o genro Jonatas Cardoso (Saulo Y/Veja SP)

“O que eu quero mais é saber que tem criança me ouvindo (na sala de espetáculo)”, conta o titular. “E também não me incomodo quando as pessoas aplaudem o concerto”, diz o maestro que se opõe à tradição de a plateia se manter em silêncio entre os movimentos de uma sinfonia.

Após receber uma salva de palmas, muitas vezes se volta ao público e manda beijos, tal qual um astro do pop. Minczuk também tem costume de, depois dosespetáculos, descer a escadaria com os solistas ainda caracterizados, posar para fotos e conversar com os frequentadores. Uma estrela acessível.

“O nosso público é maravilhoso”, afirma. “Tem uma mistura maravilhosa entre amantes da música, conhecedores, e pessoas que estão indo pela primeira vez. Você tem gente da alta sociedade e da periferia”, conta o regente sobre o Municipal, casa onde começou a carreira e onde celebrará seus trinta anos de batuta, como já foi dito. “Roberto é bem prata da casa. Saiu, fez outros voos, regeu em outros lugares, mas ele é daqui (do Municipal)”, diz a diretora Andrea.

Quando não está em ensaios ou apresentações, Minczuk curte ouvir rock (“fui adolescente nos EUA nos anos 80”), jazz clássico e contemporâneo (“Chet Baker é um dos meus preferidos”), MBP e bossa nova — fez parte do projeto Jobim Sinfônico, que ganhou um Grammy Latino em 2004 de melhor álbum de música clássica. Está na fila de lançamentos um álbum com a ópera Pedro Malazarte, de Camargo Guarnieri, com libreto de Mário de Andrade, registrada em 2022 no Theatro Municipal.

Roberto Minczuk com os filhos Joshua, Julia, Rebecca, Natalie e a mulher Valeria, em foto de 2007
Roberto Minczuk com os filhos Joshua, Julia, Rebecca, Natalie e a mulher Valeria, em foto de 2007 (Fernando Lemos/VEJA RIO/Acervo Dedoc)

Além da música, outra grande paixão de Minczuk é a gastronomia — ele adora comer fora e tem a parceria da esposa, que é cozinheira de mão cheia e faz sob encomenda pratos como os vareniques, a massa recheada de batata adorada pelo maestro. “Estou com meus eventos a mil por hora”, comemora Valeria.

Antes dos concertos, o regente tem o ritual de tomar um café, não sem antes pingar algumas gotinhas de adoçante. Depois da dose de cafeína, sai pelos corredores e ouve aquela costumeira chuva de “maestros”. Só não gosta de ser chamado assim por amigos, um fato corriqueiro. “É sério que você está me chamando de maestro?”, costuma repreender.

Capa da revista VEJA SÃO PAULO de janeiro de 2024 com o maestro Roberto Minczuk
(Joel Silva/Veja SP)

Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875

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