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Quem são as mulheres à frente das distribuidoras de filmes independentes

Elas são as responsáveis por produções que já foram indicadas a prêmios internacionais

Por Miguel Barbieri Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 dez 2018, 17h12 - Publicado em 14 dez 2018, 06h00

Durante muitos anos, o mercado de distribuidoras independentes de filme em São Paulo foi dominado por homens. Eles ainda estão na ativa, firmes e fortes, como Jean-Thomas Bernardini, da Imovision, e Marcio Fraccaroli, da Paris Filmes. De uns tempos para cá, porém, o cenário vem ganhando mudanças significativas com o ótimo desempenho das mulheres no setor. Paula Cosenza assumiu o posto de André Sturm na Pandora Filmes, trazendo ao público produções premiadas, a exemplo de O Apartamento e The Square. Outro caso de sucesso é o de Silvia Cruz, que comanda duas empresas de perfil bastante distinto: uma voltada para filmes brasileiros de nicho alternativo e a outra aberta aos lançamentos populares para grandes plateias. Nas próximas páginas, confira a trajetória delas e saiba como conquistaram o território na capital paulista.

Diversificar para crescer

Era um feriado quando a entrevista com Silvia Cruz foi feita num casarão de três andares na Avenida Doutor Arnaldo, sede de suas duas distribuidoras, a “veterana” Vitrine e a novata Galeria Filmes, e onde trabalham vinte pessoas. A filha, Iara, de quase 2 anos, a acompanhava. A vida de Silvia, de 36 anos, como se nota, é bastante agitada — ela acabara de voltar, na noite anterior, de um evento do mercado em Búzios. Casada com o diretor Michael Wahrmann (de Avanti Popolo), ela tem o DNA do cinema. Formada em administração com ênfase em marketing pela ESPM, fez seu TCC, em 2004, orientada por André Sturm, então diretor do Cine Belas Artes. No trabalho de conclusão de curso, fez o projeto de uma sala popular para as classes C e D. Tirou nota 10. Ao marcar presença no Festival de Cinema de Tiradentes, um celeiro de produções independentes, Silvia teve a ideia de criar a Vitrine Filmes, para oferecer sessões a preços mais em conta. Desde 2011, o selo Sessão Vitrine, que ganhou patrocínio da Petrobras no ano passado, exibe em 27 cidades do Brasil filmes nacionais com ingresso a R$ 12,00 (o mais recente é Tinta Bruta, grande vencedor do último Festival do Rio). Paralelamente, a Vitrine conseguiu crescer, sobretudo devido à distribuição de dois filmes escolhidos para representar o Brasil no Oscar: O Som ao Redor, em 2014, e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, em 2015. Juntos, os longas somaram 300 000 espectadores. Novidades em 2018 fizeram de Silvia a bem-sucedida empresária do setor. Em janeiro, abriu a Galeria Filmes e assinou contratos para distribuir dezessete filmes. “O perfil é totalmente outro, com títulos bem mais comerciais e campanhas de divulgação dez vezes maiores do que as dos filmes da Vitrine”, analisa. O primeiro lançamento foi o romance musical Ana e Vitória, seguido de Todas as Canções de Amor (estrelado por Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa) e do “terrir” de Danilo Gentili Os Exterminadores do Além contra a Loira do Banheiro. Há ainda a aposta em fitas estrangeiras, como a uruguaia Uma Noite de 12 Anos e, em janeiro, o primeiro francês do cardápio, A Nossa Espera, com o astro Romain Duris.

Empresas: Vitrine Filmes e Galeria Filmes
Primeiro filme que viu: Lua de Cristal (1990)
Maior bilheteria de 2018: o documentário O Processo, com 67 000 espectadores (Vitrine), e Os Exterminadores do Além contra a Loira do Banheiro, com 170 000 (Galeria)
Filme favorito: 2046, de Wong Kar-Wai

Paula, numa sala do Caixa Belas Artes: filmes premiados em Cannes e no Oscar (Marcelo Justo/Veja SP)

Gosto pessoal e trabalho nas redes sociais

Formada em cinema em Londres, Paula Cosenza, de 43 anos, voltou para São Paulo em 2006 e ingressou na área de produção, integrando, entre outros, o time da Bossa Nova (de Tropicália) por doze anos. Em 2015, ela quis passar para o outro lado do balcão e partir para a distribuição de filmes — entrar como sócia da Pandora Filmes caiu como uma luva. Desde que assumiu a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, André Sturm, até então o grande nome por trás da Pandora, precisou sair da distribuidora, agora sob o comando de Paula e de Charles Cosac, dono da extinta editora Cosac Naify e diretor da Biblioteca Mário de Andrade. Mas é ela quem decide que filmes comprar no exterior, em geral nos festivais de Cannes e Berlim, e quais serão as aquisições de produções brasileiras. O valor de um filme, segundo Paula, varia de 20 000 a 60 000 euros. Desde que lançou o argentino Truman, com Ricardo Darín, em 2016, Paula tem feito boas escolhas e se decepcionado algumas vezes. Entre os golaços estão o iraniano O Apartamento, vencedor do Oscar 2017 de melhor filme estrangeiro, e o sueco The Square, Palma de Ouro em Cannes. A fraca bilheteria do belo drama de época francês Nos Vemos no Paraíso, que atraiu 18 000 espectadores, foi um caso de frustração, sobretudo por ter levado cinco prêmios no César, o Oscar francês. Toda segunda-feira, ela se reúne com a equipe de oito funcionários numa sala anexa ao Cine Caixa Belas Artes. “Meu critério não é apenas o gosto pessoal. Precisamos saber ‘trabalhar’ um filme nas redes sociais, por exemplo”, diz.

Empresa: Pandora Filmes
Primeiro filme que viu: E.T. — O Extraterrestre (1982)
Filme favorito: Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci
Maior bilheteria de 2018: O Orgulho, com 65 000 espectadores

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Francesca, no Café Fellini, no Espaço Itaú Augusta: relançamento de clássicos (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Interessada em formação de público

Jornalista com mestrado em semiótica na PUC de São Paulo, a mineira Francesca Azzi, de 53 anos, é uma das sócias da Zeta Filmes, cujo escritório encontra-se em Belo Horizonte. Residente na capital paulista desde 2004, ela fica responsável pela programação e aquisição de títulos, enquanto três funcionários em Minas Gerais se encarregam das redes sociais, do tráfego de cópias e da contabilidade. Em geral, os filmes da Zeta permanecem poucas semanas em cartaz e não atraem a massa — a maior bilheteria da empresa, por exemplo, foi o drama Ida, produção polonesa vista por 100 000 espectadores, sobretudo porque levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2015. Embora esteja de olho nos números, o objetivo de Francesca é outro. “Eu gosto do risco e acredito na formação de público. Se meu filme for exibido em Teresina e em Belém, já cumpri minha missão”, analisa. Entre os quinze longas-metragens lançados pela Zeta em 2018 estão o alemão Western, o francês O Parque e o japonês Takara. A distribuidora também possui o selo Clássica, especializado em relançar obras-primas em cópias restauradas, a exemplo de A Primeira Noite de um Homem, Acossado e Stromboli, que chegaram às telas neste ano.

Empresa: Zeta Filmes
Primeiro filme que viu: Horizonte Perdido (1973)
Filme favorito: Hiroshima Meu Amor, de Alain Resnais
Maior bilheteria de 2018: Hannah, com 12 500 espectadores

Grace, no Reserva Cultural: fã de Buñuel e Visconti (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Acertou quebrando a cara

A gaúcha Grace Pinto tem 26 anos e mudou-se de Porto Alegre para São Paulo, em 2012, para fazer um curso na Academia Internacional de Cinema (AIC). Lá, conheceu o também estudante Pedro Henrique Leite, percebeu as afinidades cinéfilas e engatou um namoro. Juntos desde então, decidiram unir a paixão pelo cinema com os negócios e abriram, em 2015, a Supo Mungam — o nome vem de magnum opus (grande obra, em latim) escrito de trás para a frente. Com apenas dois funcionários num escritório na Mooca, Grace e o marido quebraram a cara logo no início ao apostar em longas do filipino Lav Diaz. O fracasso comercial, com menos de 1 000 ingressos vendidos, de Norte — O Fim da História e Do que Vem Antes, ambos com mais de quatro horas de duração, fez Grace repensar a proposta da empresa. Embora 2016 tenha sido o pior ano para a Supo Mungam, a distribuidora acertou o passo neste ano e vem alternando lançamentos de trabalhos mais intimistas, como o inglês Daphne e o húngaro 1945, com títulos mais comerciais, a exemplo da recente comédia mexicana Museu, com Gael García Bernal, e do documentário Chá com as Damas, que estreou na quinta (13). “Gosto de Buñuel e Visconti e também do cult Donnie Darko, com Jake Gyllenhaal, e sempre me questiono o que é uma obra-prima”, divaga.

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Empresa: Supo Mungam Films
Primeiro filme que viu: Lado a Lado (1998)
Filme favorito: O Discreto Charme da Burguesia, de Luis Buñuel
Maior Bilheteria de 2018: Você Nunca Esteve Realmente Aqui, com 29 000 espectadores

Sabrina, na Elo: cartaz japonês de O Menino e o Mundo em destaque no escritório (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Menos cinéfila, mais gestora

Sabrina Nudeliman Wagon não é cinéfila, mas tem tino para negociação. Aos 40 anos, casada com o médico Bernardo Blay Wagon e mãe de um menino de 3, ela é formada em administração pela USP e, desde a universidade, quis trabalhar com gestão em cultura. Após passar cinco anos na consultoria McKinsey & Company, Sabrina conheceu o casal Rubens e Flávia Feffer, que a convidou para ser sócia da Elo Company, em 2005. Naquela época, contava apenas com seu laptop e uma funcionária. O grande salto ocorreu dez anos depois quando conseguiu uma linha de financiamento do BNDES de 5 milhões de reais para impulsionar os lançamentos no cinema. Hoje, a Elo, instalada na Avenida Brigadeiro Faria Lima, emprega mais de trinta pessoas, tendo Sabrina como CEO da empresa. “Nosso DNA é voltado para conteúdos que possam viajar”, analisa. Isso quer dizer que a distribuidora escolhe filmes, sempre brasileiros, com potencial no exterior, mercado que significa 50% do faturamento da Elo. A animação O Menino e o Mundo, indicada ao Oscar em 2016, por exemplo, foi vendida para 100 países. Em 2018, a Elo lançou dezesseis longas- metragens, entre eles Filme Paisagem, sobre a obra do paisagista Roberto Burle Marx, e o suspense dramático O Segredo de Davi. A novidade deste ano, contudo, foi a parceria com a rede americana Cinemark. De segunda a sexta, sempre às 19 horas, e durante duas semanas, vinte salas em dezenove cidades no Brasil contam com o Projeta às 7, que exibe filmes inéditos com ingresso a R$ 12,00 — o maior sucesso foi o gaúcho A Cabeça de Gumercindo Saraiva, que conquistou 6 500 espectadores. Levando a cinematografia brasileira para o estrangeiro, Sabrina costuma ir aos mercados de comercialização de filmes em Cannes, Berlim, Toronto e até na China e em Israel. Para 2019, a promessa é lançar nas telas nacionais 26 filmes. Os destaques são Tito e os Pássaros, que concorre ao prêmio Annie, o Oscar da animação, e Rio- Santos, estrelado por Bruna Marquezine.

Empresa: Elo Company
Primeiro filme que viu: Lua de Cristal (1990)
Filme favorito: Relatos Selvagens, de Damián Szifron
Maior bilheteria de 2018: O Segredo de Davi, com 8 500 espectadores

 

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