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Mauricio de Sousa Produções completa 60 anos com plano de expansão

Carregando o nome de seu criador, a MSP ampliou o braço internacional e criou novas frentes no cinema e na televisão

Por Matheus Prado
Atualizado em 30 jul 2019, 16h56 - Publicado em 28 jun 2019, 06h00

Desde a última quinta-feira (27), a Turma da Mônica está no cinema em carne, osso e dentes pela primeira vez na história. Dirigido por Daniel Rezende e baseado em uma adaptação da obra de Mauricio de Sousa assinada pelos irmãos Lu e Vitor Cafaggi, Turma da Mônica: Laços estreia junto do aniversário de seis décadas de carreira do quadrinista de 83 anos. Na exibição, a quebra de paradigmas mexeu com a emoção do criador dos amigos ilustrados do Bairro do Limoeiro.

“Minha vida toda passou pela cabeça enquanto eu assistia ao filme. Isso quando conseguia parar de chorar”, brinca o autor, não poucas vezes considerado um Walt Disney brasileiro. Mas a razão logo tomou conta do visionário artista e empreendedor, responsável por dar vida a mais de 400 personagens e 4 000 produtos licenciados. “O filme está lindo, vai funcionar como referência para os próximos”, diz, deixando claro que não tem planos de diminuir o ritmo.

Sede da MSP, na Lapa: os estúdios viraram local de visita para os fãs (Antonio Milena/Veja SP)

Ainda neste sábado (29), outra estreia grandiosa está prevista. O musical Brasilis levará 27 artistas para o palco do Teatro Opus, no Shopping Villa- Lobos. O que vem por aí também inclui contratos internacionais: a rede de televisão americana HBO está produzindo um desenho adulto baseado em Magnetar, graphic novel de Danilo Beyruth inspirada no Astronauta, enquanto a conterrânea Cartoon Network trabalha numa adaptação de Turma da Mônica Jovem.

De caneta e papel em mãos, Mauricio mantém o vigor físico e da fala em meio ao turbilhão de projetos. Há menos de um ano, decidiu abrir a sede da Mauricio de Sousa Produções (MSP), na Lapa, para a visitação do público. O passeio (que custa 150 reais e deve ser agendado) permite aos fãs ver de pertinho como é realizado o trabalho diário nas pranchetas e nos computadores. Consciente do impacto de sua presença principalmente entre os adultos (frases como “Você fez parte da minha infância” são regra), o empresário eventualmente dá um pulo no brinquedão instalado no fim do percurso para dizer um “oi” a pais, filhos, professores e alunos.

As graphic novels, nas quais outros autores criam histórias utilizando o universo de Mauricio: Laços (LU E VITOR CAFAGGI / Reprodução/Veja SP)

Seu próximo grande passo será em direção ao mercado asiático, a começar pelo Japão. A medida é considerada essencial para que a empresa consiga finalmente se mostrar um player importante no cenário internacional. Mauricio negocia com autoridades locais a realização de uma ação da marca durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. Mas esse amor é caso beeem antigo. Entre os amigos e primeiros parceiros comerciais estão o mangaká (quadrinista japonês) Osamu Tezuka, morto em 1989, e o empresário Shintaro Tsuji, da Sanrio, com quem os negócios seguem firmes até hoje.

Com eles, começou a cavar seu espaço através de licenciamentos exportados. Hoje, há panetone, pão de queijo, refrigerante, cebolinha (o vegetal) e até modem de wi-fi portátil estampando os personagens do brasileiro na região. E ele quer muito mais. Anunciou a criação de um escritório no país e está montando um grupo de empresários para que consiga coordenar melhor seus investimentos.

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Parque da Mônica: atração licenciada (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Em um segundo momento, com as raízes comerciais estabelecidas, as histórias em quadrinhos também devem chegar lá. Desenvolvida numa mistura nipo- brasileira de estilos consagrada como “mangá caboclo”, a série de gibis Turma da Mônica Jovem, que narra as aventuras da trupe na adolescência, é atualmente o mangá mais vendido do Ocidente. Para pegar o rumo do Oriente e fazer frente aos quadrinistas locais, porém, será preciso abraçar completamente o estilo japonês de desenho.

Vem daí o primeiro grande teste para a MSP no gênero, a série Geração 12, ambientada em uma escola de exploração espacial. Outro projeto, este com viés educativo, foi feito para os decasséguis, brasileiros que emigram para o Japão à procura de trabalho. O número cresceu nos últimos anos e, segundo dados do governo japonês, chega a quase 200 000 pessoas.

Alarmado com as notícias de que as crianças que iam para lá com os pais encontravam sérias dificuldades para se adaptar à vida escolar, Mauricio decidiu ajudar. Lançou então a cartilha A Turma da Mônica e a Escola no Japão, paga do próprio bolso e distribuída gratuitamente em escolas locais. A obra explica como funciona a rotina escolar, dá nome a objetos utilizados frequentemente e conta o que se espera de um estudante na escola. Com o sucesso da publicação e a contínua necessidade de mão de obra estrangeira no local, a MSP recebeu o apoio do governo japonês e deve traduzir a cartilha para que estrangeiros de outras nacionalidades possam tirar proveito do material.

Dura na queda: Mônica comanda a parte comercial da empresa (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Para dar conta de todos os planos e administrar tanto a rotina de mais de 300 funcionários quanto os contratos com cerca de 200 marcas, o empresário — nascido em Santa Isabel, na Grande São Paulo, e desenhista desde os tempos de escola, em Mogi das Cruzes, quando retratava os próprios amiguinhos — não está sozinho. Sua mulher, Alice Takeda, ajuda no comando, assim como três dos dez filhos: Mônica, Mauro e Marina. Musa inspiradora da personagem dentuça líder da turminha nos desenhos, Mônica Spada e Sousa, de 58 anos, também é chefe na vida real. A filha durona é diretora executiva da empresa e atuante nas áreas comercial, de relacionamento com o público e de desenvolvimento da marca no exterior.

Durante a infância, muito antes dos tempos de glória, via os ilustradores entrar em sua casa para dar expediente ali mesmo, na sala. “A gente não tinha muita grana, então meu pai ralava muito”, lembra Mônica. Foi nessa época que Mauricio iniciou o negócio. Primeiro vieram Bidu e seu parceiro Franjinha, em 1959. Cebolinha virou o dono da rua em 1960 e reinou até 1963, quando Mônica foi criada, com traços mais sisudos que os usados hoje em dia. Antes de conseguir uma vaga para veicular seus quadrinhos na Folha de S.Paulo, Mauricio trabalhou em casa e apostou em pequenos folhetins do interior do estado.

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Donas da rua: a líder da turminha, sempre de vestido vermelho e com Sansão na mão, ao lado da nova amiga, Milena (Reprodução Mauricio de Sousa/Divulgação)

Quando põe de lado o papel de gestora e assume o de filha, Mônica não deixa de cutucar o pai. “Ele ainda quer ver tudo, mas já não é possível. A empresa ficou muito grande. Eu queria muito mais corda do que ele me dá”, brinca, sobre a onipresença de Mauricio nas empreitadas. Entre os avanços propostos pelo time de Mônica e incorporados, destacam- se ações como a campanha #DonasdaRua, que buscou institucionalizar práticas de igualdade de gênero nas histórias. Pesquisas mostraram que, a partir dos 6 anos, as meninas se sentem inferiores aos meninos.

Crianças negras também não se sentiam representadas nos quadrinhos. “Trouxemos representantes da ONU Mulheres para falar com os artistas. Eles perguntaram: ‘Por que as mães das crianças ainda usam avental?’”, conta. A partir disso, a MSP começou a realizar uma série de ações que culminaram, entre outras coisas, na criação da personagem negra Milena. Mauricio desenhou seus traços, óbvio, mas a discussão sobre qual seria o seu papel foi geral. “Não há dificuldade em mudar e adaptar- se quando é por coisas coerentes”, afirma Mauricio.

A primeira tirinha, publicada em 1959: com Bidu e Franjinha (Reprodução Mauricio de Sousa/Divulgação)

Mônica também quis atualizar o contato da MSP com o público e convidou seu filho, Marcos Saraiva, para gerenciar as redes sociais. Ela própria topa participar de memes nas redes, que ganharam uma roupagem mais jovem e engraçada. O YouTube, plataforma na qual as crianças consomem conteúdo diariamente, provou ser outra mina de ouro. Com quatro canais ativos ali, a marca somou, só em 2018, 10 bilhões de visualizações de seus conteúdos. Curiosidade: 66% dos espectadores estão fora do Brasil. Rússia, Estados Unidos e México são os países com maior público. Além da animação tradicional da Turma, outra atração que faz muito sucesso on-line é a Mônica Toy. Minimalista e sem diálogos, ela é compreensível em qualquer lugar do mundo. Os personagens têm características marcantes e passam por situações surreais em episódios de curta duração.

Mauro: o filho responsável pelo braço teatral e cultural (Alexandre Battibugli/Veja SP)

No setor das experiências artísticas, quem dá as cartas é o diretor e produtor geral Mauro Sousa, de 32 anos. Formado em artes cênicas, ele começou a trabalhar com o pai em 2010 na liderança da Mauricio de Sousa ao Vivo, braço da empresa dedicado a dar vida aos quadrinhos de Mauricio em parques, espetáculos e eventos. “Meu objetivo era trazer mais qualidade para as produções. Hoje já levamos mais de 8 milhões de pessoas aos nossos espetáculos”, afirma Mauro. A grande aposta de sua equipe para 2019 é o musical Brasilis. “A gente busca elencar grandes nomes e ter relevância no conteúdo”, completa.

Com mais de 200 envolvidos na produção e cerca de oitenta execuções programadas em dez cidades brasileiras, a montagem contará com convidados especiais. A atriz Fafy Siqueira fará a personagem Vó Dita, a avó de Mauricio de Sousa, contadora dos causos da trama. Paula Lima emprestará seu vozeirão às canções, que terão o acompanhamento instrumental reforçado pelo grupo baiano Olodum. Paralelamente, Mauro capitaneia outros projetos. Os parques temáticos da Turma, que também são licenciados, devem ocupar cada vez mais cidades no Brasil e no mundo. Depois de São Paulo, no Shopping SP Market, Olinda e Goiânia, está confirmada a ida do empreendimento para o Rio de Janeiro.

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Brasilis: as origens do Brasil num espetáculo circense-teatral (RODOLFO MAGALHÃES/Divulgação)

Em maio deste ano, um clique de família voltou todos os holofotes virtuais para Mauro. Tudo porque o paizão compartilhou uma foto com a legenda: “Em casa, com o filho Mauro, que inspirou o personagem Nimbus, e o companheiro dele, meu genro, Rafael Piccin”. A “bênção” ao relacionamento de doze anos gerou uma enxurrada de comentários agradecidos pelo bom exemplo, e “1% de mensagens preconceituosas”, nas contas de Mauro. A cabeça aberta do oitentão significa que um personagem gay pode surgir logo menos na turminha? Mauricio não confirma, mas deixa portas entreabertas: “Nunca me neguei a nada que esteja no tempo certo”. Já Mauro afirma que há sim estudos nesse sentido, mas que o desenvolvimento de qualquer personagem demanda muito tempo.

Uma das áreas em que houve maior dificuldade para encontrar sucessores foi a dos quadrinhos. “No começo, sofria para ensinar os quadrinistas. Tinha de segurar na mão para que eles conseguissem repetir meu traço”, lembra Mauricio. Aos poucos, foi superando a desconfiança e o ciúme. O último departamento a ser “libertado” pelo criador foi o de roteiro, por se tratar da alma da empresa, na sua avaliação. Sua filha Marina Takeda e Sousa, de 34 anos, foi incentivada pelo pai a focar essa área. Desde criança, a menina ia à MSP e repetia os passos do pai no fechamento dos gibis. Quando não estava lá, ficava em casa devorando algum volume da Turma. Depois de cursar publicidade na ESPM e refletir se queria mesmo trabalhar em família, aceitou o chamado e começou a ser treinada. “Vim cuidar das histórias e dos valores que o pai criou”, afirma Marina.

Magnetar, do universo do Astronauta, vai se tornar animação na HBO (DANILO BEYRUTH / Reprodução/Veja SP)

Mesmo trabalhando ativamente na expansão e sem intenção de abrandar o ritmo de trabalho num futuro próximo, o quadrinista garante que está preparando o que chama de processo de “perenização da empresa”. Com a ajuda de uma consultoria externa, a ideia é pavimentar um caminho para que a MSP continue crescendo quando seu principal maquinista não puder mais pilotar a locomotiva. “É a realidade da vida e da morte. Temos de nos preparar para isso”, afirma Mauricio.

Uma estrada para o futuro com grande potencial começou a ser aberta no início da década. Foi quando o editor Sidney Gusman conseguiu convencer o chefe a abrir as portas de seu estúdio para que outros autores pudessem “brincar com seus brinquedos”, ou seja, criar em cima de seus personagens. Quando completou cinquenta anos de carreira, o quadrinista convidou, então, cinquenta profissionais para adaptar suas histórias. Depois disso, mais um braço da empresa surgiu, a Graphic MSP. Foi daí que saiu Laços, a aventura criada por Lu e Vitor Cafaggi que ganhou as grandes telas nesta semana.

Vitor conta que foi descoberto por Gusman em 2009, quando o setor quase não tinha corpo de trabalho. Hoje, as vagas são extremamente disputadas. Lições e Lembranças, as duas graphic novels que completam a trilogia de Laços, também devem chegar às telonas. Além disso, outras criações têm potencial para fazer o mesmo caminho, como Pele, uma adaptação da história de Jeremias, assinada pelo roteirista Rafael Calça e pelo desenhista Jefferson Costa. Com fôlego de surpreender qualquer interlocutor, incluindo o repórter, só resta a Mauricio provocar: “Você pensa que é fácil?”.

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(Reprodução Mauricio de Sousa/Veja SP)

O QUE VEM POR AÍ

Operação Japão > Trabalho comercial e de conteúdo para expandir a marca Mauricio de Sousa na Ásia com criação de um mangá puro

Animações > HBO e Cartoon Network produzem animações para o personagem Astronauta e para a Turma da Mônica Jovem

Filmes > Além de Lições e Lembranças, as sequências de Laços, outros filmes com personagens de carne e osso podem sair do papel

Graphic novels > Um dos maiores filões da empresa, a Graphic MSP mantém ciclo constante de publicações. A personagem adolescente Tina deve ganhar sua primeira história

Parques > O Rio de Janeiro voltará a receber um Parque da Mônica. Olinda e Goiânia já têm

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 03 de julho de 2019, edição nº 2641.

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