Mostra reúne ideias para serem endereçadas ao próximo prefeito
Em <em>Cartas ao Prefeito</em>, montada antes em cidades como Nova York às vésperas de eleição, cidadãos enviam missivas ao próximo chefe da administração
A certidão de nascimento de São Paulo é uma carta assinada pelo padre José de Anchieta e endereçada à Companhia de Jesus, em Roma. O texto narra a paisagem da recém-fundada Vila de São Paulo: “(A) esta aldeia, que se chama Piratininga, chegamos a 25 de janeiro do Ano do Senhor (de) 1554, e celebramos em paupérrima e estreitíssima casinha a primeira missa”, escreveu o jesuíta.
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Passados 462 anos, em plena era dos textos telegráficos das redes sociais, um conjunto de cinquenta correspondências fala sobre a mesma cidade, discutindo problemas atuais da capital e sugerindo prioridades ao poder público. As missivas são endereçadas ao Edifício Matarazzo, a sede do Poder Executivo municipal, independentemente se o ocupante por lá nos próximos anos for Fernando Haddad ou um de seus rivais na corrida eleitoral que começa oficialmente em 16 de agosto (o primeiro turno ocorrerá em 2 de outubro e o segundo, 28 dias depois).
Os documentos em questão fazem parte da interessante exposição Cartas ao Prefeito, a ser aberta no sábado (30), no espaço Pivô, no centro (ela fica em cartaz até 27 de agosto). Não à toa, a mostra internacional, concebida pela instituição americana Storefront for Art and Architecture, é montada sempre às vésperas de eleição. Foi assim nas outras sete metrópoles em que passou a iniciativa, como Nova York, Taipei e Cidade do México.
Na versão paulistana, assinam os textos figuras do naipe dos arquitetos Guilherme Wisnik e Martin Corullon, dos artistas Lucas Simões e Carlito Carvalhosa e dos curadores Agnaldo Farias e Ligia Nobre. “Nós, paulistanos, estamos muito habituados aos desastres urbanos, o famoso ‘está ruim, mas está bom’”, comenta Fernando Falcon, um dos curadores. “Queremos reinstaurar o desejo como forma de transformação.”
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Entre textos utópicos e propostas bem específicas, o evento percorre temas como a degradação de praças e a manutenção de calçadas. A malha cicloviária, uma das principais bandeiras da atual gestão, é posta em xeque na carta do cartunista Paulo Caruso, que enumera senões como o afunilamento das vias para carros sem que a quantidade de ônibus aumente.
Em alguns casos, a correspondência inclui croquis e ilustrações. Em outros, vem com anexos audiovisuais. O arquiteto Marcio Kogan, por exemplo, preparou um vídeo com dados do caos urbano, como a baixa densidade de áreas verdes. “Resumi em quatro minutos o que poderia ter duas horas de duração”, explica.
A exposição, de caráter apartidário, não conta com dinheiro do governo nem com leis de incentivo. Um projeto de crowdfunding arrecadou 16 000 reais para o seu custeio. “Nossa proposta é ser independente e garantir que pessoas com opiniões distintas possam se manifestar”, afirma o arquiteto Bruno de Almeida, que também assina a curadoria. Todos os prefeitáveis serão convidados a visitar a programação, gratuita e aberta ao público.
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Nos quatro sábados do mês de agosto, o seminário “Cartas abertas” promove no Pivô mesas de debate. Na iniciativa ZapZap do Prefeito, um número de WhatsApp (95046-9521) divulgado pela artista Giselle Beiguelman receberá comentários dos paulistanos, a serem publicados no site oficial da mostra. Essas mensagens, assim como as cartas da exposição, serão enviadas ao gabinete do próximo chefe do Edifício Matarazzo.
SEM-TETO, BIKES E IDEIAS INCONSTANTES
Trechos de alguns dos textos que integram o evento
“Seria a ciclovia uma indiscutível benfeitoria ou as controvérsias dela provenientes alimentariam a resistência dos concidadãos à vossa gestão? (…) Os argumentos brandidos contra vossa criação baseiam-se em três pontos fundamentais, que passo a enumerar: a) Inexistência de tantos ciclistas quanto ciclovias; b) O afunilamento do trânsito de veículos automotivos sem o crescimento de transporte coletivo; c) As multas que faixas exclusivas significam para vosso enriquecimento ilícito às custas de incautos condutores.” Paulo Caruso, cartunista
“(Na cidade há) planos e projetos que nunca se efetivaram por completo. Concursos que nunca saíram do papel, apesar do investimento na sua organização e premiação. (…) Obras que não passaram da estrutura, constituindo ruínas arquitetônicas. Uma incompletude que impede a correta avaliação de seus resultados, seja da qualidade plástica, seja da contribuição à cidade ou à cultura arquitetônica (…). A cidade de SãoPaulo reúne profissionais dos mais qualificados no campo da arquitetura, do urbanismo e do design (…) subaproveitados.” Mônica Junqueira de Camargo, arquiteta