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“O meu sonho é ganhar um Grammy”, diz MC Hariel

Com disco novo na área, ele se coloca como a voz paulistana das periferias do Brasil e sonha em fazer do funk um movimento mundial

Por Tomás Novaes
Atualizado em 23 dez 2022, 10h16 - Publicado em 22 dez 2022, 20h00

Vestindo o manto do Timão e um boné virado para trás, MC Hariel, 25, concedeu uma entrevista não muito longa. Não foi nenhum problema, pois a velocidade do seu raciocínio, que condiz com a agilidade dos versos ouvidos em hits como O Fim É Triste e Maçã Verde, conduziu o papo como quem “caneta” uma letra.

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Não à toa seu apelido é Haridade — com pouca idade e uma trajetória de superações, como a perda precoce do pai, o jovem nascido e criado na Vila Aurora, Zona Norte, deu partida na carreira em 2011 e hoje está entre os funkeiros mais ouvidos do país.

Sua praia é o funk consciente, que versa justamente sobre histórias de vida, com mensagens de inspiração. Nos últimos anos, assinou com a Warner Music, se apresentou no Rock in Rio, fundou um selo musical e até uma barbearia na sua quebrada.

Agora, lança seu novo álbum de estúdio, 1 Beat 1 Letra (2022), reafirmando mais uma vez sua relevância. Confira o papo:

  A capa de 1 Beat 1 Letra remete à expressão “com a faca e o queijo na mão”. Como isso transmite a ideia do disco?

A capa traz a ideia essencial do álbum: com ferramentas certas a gente consegue construir um novo universo ao nosso redor. Ela foi feita pelo Tonto, artista digital da Zona Leste de São Paulo. Na nossa era, com a tecnologia, criatividade e disposição, temos a faca e o  queijo na mão. Não precisamos de muito para construir um novo futuro. Dessa vez, esse disco não fala tanto sobre a minha trajetória, mas sobre histórias do cotidiano, coisas que acontecem ao nosso redor.

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Você já disse que adiou esse projeto pois não tinha a maturidade necessária. Como foi esse processo?

Foi primeiro entender profissionalmente e financeiramente quais eram as minhas metas e como eu conseguiria me estruturar para não precisar fazer coisas que eu não gostaria — porque a conta chega e a gente precisa ter dinheiro. Com estabilidade, é aquele lance: pô, eu quero ir na televisão, mas quero falar o que eu quiser. É necessário um cacife para segurar isso, para o meu castelo não ruir da noite para o dia. E esse disco fala muito sobre minimalismo, simplicidade — nas produções, nas batidas. Só que, para ser mínimo, você precisa ser muito perfeccionista. Tive de passar por diversas guerras para me sentir confiante para executar isso.

Você se considera um cronista da periferia de São Paulo?

Acredito que sim, eu sou um cronista de favela, porque eu só falo da realidade. Quando a gente fala de superação, a gente tenta mostrar um caminho, sem ilusão, através de trabalho, degrau por degrau. E a nossa maior responsabilidade é narrar o que está acontecendo no cotidiano, seja na nossa quebrada ou na quebrada por onde a gente passa. Eu nasci como artista da Zona Norte, mas eu sou, acima de tudo, um MC do funk. Então eu sou também MC da favela de Recife, de Salvador, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte. Pelo sucesso das minhas letras, eu já não tenho mais um distrito. A nossa bandeira é o funk paulista, “011”, Zona Norte, mas eu quero refletir em todas as quebradas.

“Eu sou também um MC da favela de Recife, de Salvador, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte. Pelo sucesso das minhas letras, eu já não tenho mais um distrito”

Que lugares você busca alcançar com o funk?

A missão da nossa geração é conseguir fazer o funk ir para o mundo. E fazer dele menos pop. Fazer o funk ir com força, com letra e MC. Sem remix de DJ, que descola a música do autor. A guerra da nossa geração é isso: fazer o funk virar mundial. É muita responsabilidade, muitos erros que a gente tem que acertar, mas muitas virtudes do funk que precisamos mostrar.

  E quais são os próximos passos para o funk chegar a esse lugar?

Eu não tenho vergonha de falar que meu sonho é ganhar um Grammy. Desse jeito, com o trabalho que eu faço, que fala sobre o nosso povo. Acredito que isso possa ser um passo daora para o funk ganhar reconhecimento. Ano que vem quero gravar com uma galera internacional, urbana, uma rapaziada nova que nem eu. Também foi um passo importante participar do Rock in Rio — 6% do line-up do festival foi de funk. Neste ano de Copa do Mundo, a gente viu os comerciais ligando o funk a uma coisa brasileira. Não é pela publicidade que a gente quer ser visto dessa maneira, e sim pelo povo, mas isso já é um caminho. É um trabalho de formiga, mas pensando que nem gavião. Vai segurando.

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Estamos em um momento de “tiktokzação” da cena musical, com faixas cada vez menores e lançamentos focados em danças virais. Você não entrou nesse universo. Por quê?

Acredito que tenha a sua relevância. Mas acho que o TikTok é perigoso, não faço uso dele por ser muito volátil e carregar as músicas para o caminho mais rápido de uso e descarte. É outra guerra da nossa geração: as músicas hoje não duram nem dois meses estouradas. A gente precisa fazer um trabalho para que durem mais tempo na pista, que não seja tão passageiro. Esse ritmo não empurra o artista pra frente, só a música dele. TikTok ajuda e dá oportunidade, mas tem outras maneiras de usar que podem ser interessantes. Para 2023, estudo colocar mais vídeos de show, de camarim. Para mim, é uma plataforma como qualquer outra que vai aparecer daqui vinte anos, ou daqui quinze minutos. A gente tem que saber usar. Não adianta ficar marretando, querendo julgar ou batendo de frente com o futuro.

O que define o funk paulista para você?

O funk paulista tem características muito próprias. O berço do hip-hop no Brasil é São Paulo. O Rio é o berço do funk, a gente respeita muito isso, mas o que acontece em cada lugar é muito diferente. Hoje a gente tem o funk paulista de dança, com muito MC de “mandelão” — um som mais eletrônico, metalizado —, que é bom pra caralho. Também tem o funk ostentação paulista e o funk consciente, que nasceu na Baixada Santista e está cada vez mais forte em todo o Brasil. Com essas barreiras diminuindo, o funk só tem a ganhar.

Você se tornou pai em 2022, do Jorge. Como isso mudou suas letras? E qual o significado do nome dele?

A paternidade aumentou mais a minha responsabilidade na composição, mas isso também não pode deixar a gente travado, tem que ter espaço para a criatividade fluir. Jorge é por causa de São Jorge mesmo, e, além disso, esse nome sempre esteve presente na minha vida. Quis homenagear quem sempre me protegeu. A faixa Eu Sou de Jorge é para o meu filho, uma maneira de lembrar sempre que, quando estou saindo para a rua, sou de Jorge, então tenho sempre que voltar.

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