Atila Iamarino e os influencers da ciência
Quem são os divulgadores que furam a bolha acadêmica e traduzem o conhecimento rigoroso das pesquisas para a linguagem da internet
Doutor em microbiologia pela USP, com pós-doutorado na universidade americana Yale, Atila Iamarino poderia não parecer o mais forte candidato a celebridade digital. Mas os 675 000 seguidores no Instagram, 583 000 no Twitter, quase 94 000 no Telegram e 2,8 milhões de inscritos no canal do YouTube Nerdologia revelam que o público quer, sim, ouvir de um cientista detalhes sobre como se dá a disseminação do novo coronavírus, por exemplo. Convidado para o centro do Roda Vida, da TV Cultura, em 30 de março, ele foi o responsável pelo recorde de audiência no programa, que antes era da edição com o ministro Sergio Moro.
Iamarino faz parte de uma leva recente de pesquisadores e trabalhadores da área acadêmica que se tornaram divulgadores das ciências nas redes sociais. Eles se ocupam em tirar dúvidas da turma na internet e também mostrar debates que intrigam os próprios estudiosos. “É uma geração que foi estudar no exterior do país e viu como os profissionais lá fora comunicam seus trabalhos ao grande público”, diz Sabine Righetti, coordenadora da Bori, empresa que ajuda os cientistas justamente nessa tarefa. “Com os cortes constantes de recursos, os cientistas começaram a ir para a linha de frente e se fazer vistos”, explica. O movimento, que já estava em curva ascendente, se acelerou com a pandemia do novo coronavírus e a demanda por informações embasadas. “Os cientistas vinham sendo desacreditados, mas veio esse fato brutal que, para sair dele, obriga uma volta para as ciências”, diz Rafael Bento, da agência NuminaLabs, que auxilia pesquisadores a produzir seu material de divulgação. Ele é um dos responsáveis pelo Science Vlogs, selo de qualidade internacional para conteúdos em vídeo. “O papel dos divulgadores é mostrar o que é a ciência — e por que as pessoas precisam dela”, afirma Bento. Em época de desinformação, conheça os influencers comprometidos com a objetividade.
Paulo Pedrosa, o Pirulla, é formado em biologia. Com mestrado e doutorado em zoologia, acabou atuando com mais afinco na área da paleontologia. “Eu comecei dando aulas de evolução em colégios e faculdade”, diz Pedrosa. “Meu foco sempre foi ensinar esse assunto que é a base da biologia moderna. Em geral, ela é mal-entendida”, explica. Quando abriu o Canal do Pirulla, hoje com 878 000 inscritos, encontrou embates logo de início com as narrativas religiosas que contrariam as descobertas científicas. Em 2011, no ápice da polêmica da Usina de Belo Monte, ele passou a falar sobre as questões ambientais. “Comecei a transpor o que fazia em sala de aula para os vídeos”, diz. Em 2015, começou a se dedicar ao canal e à carreira de divulgador de ciências, com produção de conteúdo para as redes sociais — menos para o Twitter, plataforma que abandonou depois de discussões. No ano passa- do, lançou seu primeiro livro, Darwin sem Frescura. “Também quero vender camisetas para complementar a renda”, afirma.
O biólogo Vinícius Ferreira é apaixonado por animais silvestres e se dedica a trabalhar com eles. Assim que saiu da faculdade, foi monitor no Museu Catavento Cultural. Foi lá que perdeu a timidez para se comunicar com o público. Veio, então, a ideia de mostrar seus bichinhos no canal Papo de Biólogo, onde explica como os animais vivem. Em 2016, Ferreira gravou um vídeo sobre como é morar com uma coruja (a sua é chamada Suindara). Ele viu crescer os números de inscritos até alcançar agora mais de 431 000 fãs do seu conteúdo. Depois da internet, invadiu também a TV: teve quadros no É de Casa e no Encontro com Fátima Bernardes, da Globo.
Ao 23 anos, Pedro Loos contabiliza mais de 1,3 milhão de inscritos no Ciência Todo Dia. Focado em física, o canal foi criado em 2013, antes mesmo de ele entrar na faculdade. “Surgiu da minha vontade de falar de assuntos que eu achava interessantes e que tinham base cientifica”, diz. Chamado pelo YouTube Edu, viu seu projeto crescer e trancou o curso. “Foi muito difícil: eu passava quarenta horas focando no canal e não estava conseguindo dividir com a universidade”, afirma. Para manter a qualidade, Loos se aprofunda nos assuntos com auxílio de pesquisadores e também roteiristas. “Sou apaixonado pela academia e era um sonho meu. Mas também era outro sonho fazer conteúdo audiovisual, e essa oportunidade veio agora”, explica o jovem.
Foi no retorno do programa Ciências sem Fronteiras, em que estudou biologia marinha, que Estêvão Slow ficou com vontade de mostrar tudo o que estava aprendendo na internet. “Vi um espaço que precisava ser ocupado urgentemente.” Ainda na faculdade, ele se desdobrou para investir no Canal do Slow, atualmente com 156 000 inscritos. Em 2014, chegou a participar do Science Vlogs para ajudar outros divulgadores de ciências. “Precisa ter uma dedicação muito grande para fazer o projeto funcionar porque é necessário criar muito material constantemente”, diz Slow. Com o tempo, seus vídeos se tornaram mais abrangentes, passeando até mesmo por temas de história. Tudo baseado em pesquisas e referências de plataformas cientificas respeitadas. “Até o ano passado, eu produzia material com uma hora de duração, e isso levava até dois meses para ser colocado no ar”, conta. Agora, tem se dedicado a fazer vídeos semanais com menor tempo. Para ajudar, a saída foi contratar um editor. O biólogo vê com bons olhos este momento para o divulgador de ciências. “Essa tragédia da pandemia vai servir para sensibilizar a população a valorizar o que os cientistas estão dizendo”, afirma. “Nosso maior obstáculo são as redes sociais que vi- raram guerras, batalhando contra a desinformação”, completa Slow.
De onde vêm os porquinhos-da-índia? Aranha solta pum? Por que sonhamos? Essas são algumas questões a que o Canal BláBláLogia, com 184 000 seguidores, responde usando referências atuais. Criado em 2016 como um espaço colaborativo, atualmente é encabeçado pelo casal Emílio Garcia e Kamila Massuda, biólogos e professores na área de ecologia em uma faculdade no interior de São Paulo. Juntos, produzem até quatro vídeos por semana com assuntos variados. “Passávamos por um momento de descrença científica”, afirma Garcia. “Uma das razões é o distanciamento entre a ciência e a sociedade. Uma parte da culpa é da academia por usar uma linguagem pouco acessível, até na educação”, completa. Em meio as desafios estão a escolha dos equipamentos e até o aprendizado da edição do conteúdo nos softwares disponíveis. “Também vejo ainda um preconceito da academia: dou palestras em universidades e peço aos alunos que entrem em contato para falar sobre seus trabalhos no canal. Nunca fui procurado”, afirma.
Camila Laranjeira (de vermelho), mestre em ciência da computação e doutoranda, estava ainda na graduação em 2014 quando decidiu fazer vídeos sobre competição de robótica para o Peixe Babel. “Eu pensava que tinha de ter mais pessoas interessadas em participar das disputas.” De início, ela sabia que seu discurso ainda não estava afiado para atingir um grande público, e seus visitantes eram pessoas apenas da área. Dois anos mais tarde, o selo do Science Vlogs entrou em contato para ajudá-la a expandir o canal e dar a ele uma nova carinha. “Eu não tinha ideia do que era divulgação científica, e eles disseram que o que eu fazia se enquadrava”, conta. Virgínia Mota, já doutora na área, entrou em 2018. As duas são professoras em cursos de extensão e na escola técnica da Universidade Federal de Minas Gerais. O trabalho da dupla foi citado em algumas transmissões ao vivo de Iamarino. “Nós buscamos e analisamos dados para fazer gráficos”, diz Camila. “Não somos epidemiologistas, mas conseguimos ver quando ocorreu o pico no número de casos em São Paulo, por exemplo, e perguntamos o que aconteceu na- quele momento”, completa. Parte do NuminaLabs, as profissionais têm se valido de parcerias com empresas para bancar as postagens. “Não há como viver com essa grana, mas também não pensamos em parar de lecionar”, diz Camila.
O incêndio no Instituto Butantan, em 2010, fez o professor e biólogo Hugo Fernandes, 33 anos, desabafar sobre as condições do trabalho de pesquisador no Facebook. “Minha mãe me falou para ficar tranquilo porque era só bicho morto”, lembra Fernandes. “Eu me dei conta da gravidade.” Numa triste profecia, questionava-se se esse também seria o destino do Museu Nacional (que queimou em 2018). Zoólogo com trabalhos em preservação da fauna, Fernandes fotografava e postava as explicações sobre espécies. As informações giraram e ele recebeu o convite do SBT do Ceará para falar sobre ciências. “Fiquei cinco anos com um quadro que era exibido pelas manhãs para um público de mulheres, donas de casa”, conta. É também comentarista de política e ciências na BandNews do mesmo estado. Saiu da TV no fim do ano passado e agora se dedica ao Instagram, @hugofernandesbio, com mais de 84 000 seguidores. “Eu não preciso incorporar um personagem, consigo ser eu”, diz o professor na graduação das universidades estadual e federal do Ceará e na pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais. Sobre o atual momento, Fernandes lembra que a história da ciência evolui com a superação do obscurantismo. “Haverá um mundo novo pós-coronavírus e a tendência é que as pesquisas cresçam.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 15 de abril de 2020, edição nº 2682.
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