“Fugi para morar com ele em uma casa sem água nem luz”
Rosangela e Eduardo Llanos celebraram uma ceia de natal apenas comendo pão com manteiga; hoje, ambos trabalham em um escritório de perícia criminal
“Eduardo, 52, nasceu na cidade de Sewell, no Chile, onde trabalhava como policial, mas veio ao Brasil em busca de um emprego que pagasse mais. Começou a frequentar o restaurante que eu administrava com minha família, em São Mateus, Zona Leste. Eduardo se aproximou de minha irmã e ela me apresentou a ele. De cara, virou amizade. Em 1998, quase ninguém tinha celular; ele passava no restaurante para conversar comigo.
Na mesma semana, pediu-me em namoro e eu aceitei. Foi em casa falar com meu pai e depois me convidou para conhecer a tia dele, com quem morava.
Eduardo é educado e galanteador. Os outros latinos, em geral, são mais românticos que os brasileiros e sabem como tratar uma mulher.
Três meses depois, com a família reunida em casa, ele me pediu em noivado. Eu não sabia de nada! Fazia dez dias que Eduardo havia começado a trabalhar em uma empresa como ajudante de marceneiro e pediu um adiantamento de salário para comprar as alianças. É claro que no início achei rápido demais, mas eu estava apaixonada. Há tantos relacionamentos que duram anos e terminam logo após o casamento. Tempo não garantiria que daria certo.
Eu e meu pai acabamos brigando. Ele disse que eu deveria esperar meu namorado arrumar um emprego mais estável. Eu não quis escutar, queria ficar com Eduardo de qualquer maneira. Ouvi de amigos e de parentes que ele só estava interessado no visto. Não fazia sentido. Eduardo tinha documentação e já morava aqui havia dois anos. Quem está em um relacionamento com estrangeiro acaba ouvindo esse tipo de coisa…
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Fugi escondida do meu pai à noite para uma casa que já pertenceu à minha avó. O imóvel estava abandonado fazia anos, completamente sujo, sem água nem eletricidade. Sem ter malas, levei apenas uma sacola de roupas e 50 reais. Para quem sempre teve de tudo, foi bem complicado: o único móvel que tinha era um colchão de solteiro velho. Usei o dinheiro para comprar produtos de limpeza e comida.
Nosso vizinho encheu nossa caixa-d’água e tivemos luz porque Eduardo fez uma gambiarra na parte elétrica. Os pertences ficaram dentro de caixas de papelão. Era fim de ano e passamos o Natal sozinhos, celebrando a ceia com água e pão com manteiga.
Uma tia ficou sabendo do que aconteceu e emprestou fogão e cama usados. Eduardo arrumou uma televisão que encontrou jogada no lixo. Ficamos lá por quatro meses até que meu pai apareceu de surpresa. Vendo a situação em que vivíamos, disse que aceitaria nossa relação e pediu que eu voltasse. Eu e meu marido começamos do zero na casa dos fundos, no quintal de minha mãe, comprando móveis novos. Sem dinheiro, acabamos deixando a ideia da cerimônia de casamento para depois.
Eduardo, que conversava em espanhol com a família e amigos chilenos dele, me ensinou o idioma. Não demorou muito para que eu ficasse grávida da Carolina, hoje com 22 anos. Eduardo ficou tão feliz!
Eu ainda estava no período de experiência de um trabalho e escondi a notícia com medo de ser demitida, até a barriga me denunciar. Acabou que meu chefe nunca me mandou embora.
Eduardo, formado em criminalística, montou um escritório de perícia criminal com o nome da cidade onde nasceu, Sewell, em São Bernardo do Campo. Conseguimos dinheiro para alugar nosso próprio apartamento no Anhangabaú, onde nosso segundo filho, Alejandro, 18, nasceu.
Depois de dez anos, comecei a trabalhar com Eduardo na perícia de documentos e assinaturas e desde então investigamos diversos crimes conhecidos na mídia, como a morte da mãe do menino Bernardo (Bernardo Uglione Boldrini, assassinado em 2014 no Rio Grande do Sul) e a de João Victor Souza de Carvalho, em frente a uma unidade do Habib’s na Zona Norte de São Paulo em 2017.”
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 28 de abril de 2021, edição nº 2735