“Conheci meu marido passando trotes em desconhecidos”
Quando começou a passar trotes como brincadeira na década de 60, Vera Lúcia não imaginava que daí poderia conhecer seu grande amor, Jeri
“Em 1961, quem tinha telefone era quem podia ter. Meu pai não podia, mas mesmo assim conseguiu um. Era uma grande novidade. Na época, aos 14 anos, eu não podia sair de casa nem para ir à padaria. Minhas primas me visitaram para fazer uma festa com o aparelho. Ligávamos para um ou outro passando trote. Queríamos encontrar alguém para conversar. Um dia, uma menininha atendeu e perguntamos se o irmão dela estava em casa. Ela disse que sim e que o chamaria. Minha prima, com medo, desligou. Depois, tentamos vários números até achar aquela mesma linha telefônica. De repente, a voz da menininha surgiu de novo. Ela passou o aparelho para o irmão, que começou a conversar comigo. Ele pediu meu número para me ligar outro dia. Não passei porque meu pai não deixaria, mas comecei a ligar para o garoto, que se chamava Jeri e morava no mesmo bairro que eu, assim que ele saía para trabalhar.
A partir daí, nunca mais paramos de nos falar. Liguei para ele todos os dias por dois anos. Jeri falava macio. A voz dele me lembrava a do cantor Ronnie Cord. Eu dormia na sala, colocava o telefone embaixo da coberta e conversava até o amanhecer. Ninguém sabia.
Eu contava tudo para ele.
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Quando fui para a Praia Cidade Ocian passar as férias com minha família, Jeri convenceu o pai dele, sem que eu soubesse, de alugar um apartamento próximo ao meu. Eu estava nas escadas do prédio com minhas primas quando um menino de 16 anos se aproximou de mim e perguntou: “Você é a Vera?”. Ele me reconheceu porque eu já tinha contado que era loira, que meus cabelos batiam na cintura e meus olhos eram verdes. Ele era bem mais alto que o Ronnie Cord. Conversamos, acabei dando meu primeiro beijo e conheci os pais dele. De volta para casa, não pude mais encontrá-lo. Voltamos a namorar por telefone escondido. Quando minha mãe precisava fazer compras na padaria, eu ia junto e avisava ao Jeri para vê-lo por alguns minutos na esquina do estabelecimento.
Quando meu pai foi embora de casa, Jeri pediu permissão à minha mãe para me namorar. Ela deixou, mas tinha de ser na sala, sob sua supervisão e até as 22 horas. No cinema, nas primeiras vezes, ela também acompanhava. Depois, eu até podia ir sozinha, mas não chegava antes do filme e, assim que o longa acabasse, voltava direto para casa. Fazia tudo certinho para que eu não perdesse a confiança dela. Minha mãe temia que eu virasse uma menina “falada” na cidade. Meu namoro com Jeri foi assim durante oito anos.
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Ele queria se casar comigo, mas eu não sairia de casa para pagar aluguel. Começamos a economizar e ele teve de vender o carro para financiar nosso apartamento. Meu pai ficou sabendo e disse que o Jeri deveria pedir minha mão a ele. Ele não tinha direito de negar, mas Jeri foi até o trabalho dele pedir mesmo assim.
Aos 27 anos, tínhamos casa própria e nos casamos. Nosso casamento foi lindo. A lua de mel, nossa primeira viagem juntos, foi para o Rio de Janeiro. Ele é o meu primeiro e único amor e estamos juntos há sessenta anos. Temos dois filhos, Paula Cristina, 43, Luiz Fernando, 39, e minha neta, Manuela, 10.”
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750