Com nova gestão, Cinemateca planeja reabertura para maio deste ano
Após cinquenta anos como docente da USP, Dora Mourão assume a direção da instituição e promete reerguê-la com debates, mostras e restauro do acervo
Com mais de 1 500 DVDs nas prateleiras de casa, a coleção de Dora Mourão, 74, nem se compara ao acervo do seu novo local de trabalho: a Cinemateca Brasileira. Eleita a nova diretora da instituição para um mandato de quatro anos, Dora tomou posse no início do mês, mas já faz parte da história do local há pelo menos vinte anos, quando começou a se envolver na Sociedade Amigos da Cinemateca, hoje responsável pela gestão da instituição. “Passei tanto pelos anos dourados, entre 2008 e 2013, quanto pela fase das vacas magras que vieram depois. Na grande crise, continuei participando como pro bono”, conta.
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Se depender da sua vontade, os anos dourados deverão voltar. “A intenção é começar reabrindo a biblioteca audiovisual ainda neste mês e as duas salas de cinema em maio, para o público geral”, adianta. Por enquanto, o primeiro passo tem sido contratar uma nova equipe, atualmente com quarenta funcionários, e iniciar o processo de captação de recursos. As mostras, debates e atividades para jovens e adolescentes, tão comuns no passado da organização, também estão na lista da nova gestora. “A ambição de ter a Cinemateca novamente em um patamar importante nós já temos, mas trabalhamos com cuidado e calma, dentro dos nossos limites.”
Dora evita chamar de “natural” sua escolha para assumir a direção, mas acredita ter sido uma decisão lógica — que coincide com sua aposentadoria como professora titular da USP, onde ficou cinquenta anos. “E tinha de ser alguém totalmente inteirada dos problemas para poder reerguer a Cinemateca.” Um dos mais recentes foi o incêndio na unidade da Vila Leopoldina, que continha cerca de 2 000 películas e centenas de documentos em julho de 2021.
Além disso, houve uma inundação em 2020. “Agora estamos no processo de trazer os materiais que sobraram para a matriz (na Vila Clementino) e não dá para sequer pensar na reconstrução da Vila Leopoldina.” Pela falta de uso, equipamentos digitais e materiais da sede estão deteriorados, especialmente o laboratório de preservação — que já foi considerado um dos cinco melhores do mundo pela Federação Internacional de Arquivos Cinematográficos. “Muita gente se formou por lá, pois nunca existiu no Brasil um curso específico de preservação audiovisual.”
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Nascida no Uruguai, se mudou para São Paulo com 10 anos. A paixão por cinema só nasceu após duas experiências frustradas ao cursar filosofia por um ano e teatro em seguida. “Fiquei amiga do pessoal de cinema, que era mais participativo e cheio de ideias. Migrei de um curso para outro mais uma vez.” A indecisão não abalou seus pais na época. “Venho de uma família de imigrantes russos e poloneses e fui a primeira a ingressar na universidade, o que já foi bem importante para eles. Eu me destaquei por isso e nunca me questionaram por estar mais vinculada às artes.”
Na ditadura militar, por outro lado, seu método de ensino, ao se tornar professora de montagem (montou filmes como São Paulo, Sinfonia e Cacofonia, de Jean-Claude Bernadet) a partir de 1972, foi questionado. “A reitoria tinha observadores do governo e viram que eu usava cópias de filmes russos nas aulas. Um dia recebi um recado para não exibi-los. Considerei que seria um problema para a formação dos alunos, então só avisei a turma. Disse ‘espero que ninguém me denuncie’ e continuei as aulas.” Desde então, seu gosto cinéfilo continua eclético e tolerante. “A única coisa a que não assisto é filme de terror, o terror hard. Quero ter prazer quando vejo um filme e pode ser tanto um documentário como os blockbusters da vida. Mas não todos… De Stallone e Schwarzenegger passo longe.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de março de 2022, edição nº 2780