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“Vejo humanidade em Nando [Sintonia], nunca o rotulei como bandido”

Christian Malheiros, que interpreta jovem envolvido com o tráfico, reflete sobre os filmes de periferia e pede mais negros no audiovisual

Por Barbara Demerov
Atualizado em 26 nov 2021, 13h20 - Publicado em 26 nov 2021, 06h00
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  • Aos 22 anos, Christian Malheiros tem vivido uma espiral ascendente. Depois da estreia no cinema, em Sócrates (2018), que lhe rendeu uma indicação ao prêmio Independent Spirit Awards, o ator brilha na Netflix como Nando, da série Sintonia (que teve a terceira temporada confirmada), um jovem envolvido com o tráfico, e Mateus, do filme 7 Prisioneiros. Luta para combater os rótulos de seus personagens. “Vejo humanidade em Nando, nunca o tachei de bandido”, diz.

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    Desde a atenção que Sócrates conquistou, sua visão de mundo mudou devido à profissão de ator?

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    Mudou e continua mudando. Comecei minha carreira no teatro. Quando fui para o cinema, entendi que ele cumpre uma função social no Brasil. Usamos a comédia e o drama para escancarar abismos. Estamos ali para falar sobre questões que precisamos resolver e nos apoiamos na arte para tentar mudar a realidade.

    Você vê semelhanças entre seus personagens de Sintonia e 7 Prisioneiros?

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    As semelhanças existem a partir do momento em que são jovens pretos em condições sociais nada favoráveis. Eles precisam lutar pela vida. E esses personagens partem de um lugar íntimo: também sou um jovem preto que teve de lutar por muitas coisas na vida (nasceu na periferia de Santos).

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    Sintonia se manteve no Top 10 da Netflix por um bom tempo. Antes das séries, Cidade de Deus teve sucesso mundial. O que nos encanta nas histórias sobre as comunidades?

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    Cidade de Deus fala da realidade do Rio de Janeiro, algo presente e específico. Sintonia retrata São Paulo. É a mesma coisa? Não, são mundos diferentes. São muitos “Brasis” diferentes dentro do nosso país. O importante é contar histórias que são jogadas à margem. Hoje nós temos um pouco mais de visibilidade para esses personagens que foram ignorados. Elas fazem sucesso porque sempre existiram. Só que hoje existe a abertura para falarmos disso.

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    Você considera fiel o retrato da periferia de São Paulo em Sintonia? (Na série, são três protagonistas, ligados ao tráfico, ao funk e aos evangélicos.)

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    Sim. Trabalhamos para isso. Muitos atores da série vêm da periferia. Eu venho de periferia e estou ali contando a minha história. Em meu núcleo, o mais “punk rock”, há atores e não atores que vivem aquela realidade. Todos contribuem para que a visão seja a mais realista possível.

    Quais são suas expectativas agora que a série ganhará uma terceira temporada?

    Esse é um trabalho potente e especial. Os personagens deram certo e as pessoas se reconheceram neles. Como ator, na nova temporada, quero fazer com que a essência de Nando não seja perdida. Foi uma construção muito bonita que fizemos até aqui. Vejo humanidade nele desde o início, nunca o tachei de bandido.

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    Você tem mais de 1 milhão de seguidores na internet. No que a fama muda a vida de alguém?

    Para mim, mudou no quesito responsabilidade. Eu passei a entender a responsabilidade que tenho com o público, a representatividade, a importância de se ver no outro. Tive a sorte de fazer personagens realistas. É possível “encontrá-los” (na sociedade). Minha maior luta é humanizá-los, porque é muito fácil eles serem tachados. Em 7 Prisioneiros, não existe isso de o personagem de Rodrigo Santoro ser o vilão e o meu personagem ser o bonzinho. Existe um dilema, é isso que quero entregar. A partir dele, vem a reflexão. Eu já reneguei a internet. Sumia e desativava o Instagram. Quando entendi o que essa plataforma poderia fazer para que meu trabalho chegasse a outras pessoas, mudei minha concepção.

    “Somos uma ameaça contra o pensamento retrógrado, o preconceito e tudo que anula a nossa existência. Continuaremos sendo”

    Você nasceu em Santos e agora mora em São Paulo. O que mais gosta em ambas as cidades?

    Santos é uma ilha. Se você for reto, acaba na praia. Se voltar, acaba no porto. Há uma noção de espaço. Moro em São Paulo há cinco anos e não dá para saber onde tudo começa e termina. Santos tem essa coisa mais “família”, parece que você está mais protegido. São Paulo é uma selva, mas eu gosto disso, da diversidade, de tudo ocupando o mesmo espaço. É genial. Sinto liberdade aqui.

    Você está com 22 anos. Se sente otimista ou pessimista com o futuro do país?

    Quando comecei a fazer teatro, há doze anos, as coisas já não estavam fáceis. Mas eu nunca vi nada ser fácil. Só vi lutas e batalhas. Acho que essa é a função do artista, porque somos vistos pelo governo como uma ameaça. Mas não encaro de forma ruim, pelo contrário. Somos uma ameaça contra o pensamento retrógrado, o preconceito e tudo que anula a nossa existência. Continuaremos sendo. Essa é a minha missão em um país que não representa ninguém. Me sinto otimista porque nossa importância foi vista na pandemia. Sem filmes, músicas, séries e novelas, todo mundo estaria enlouquecido. O artista está na linha de frente da cura da alma. Já quanto ao futuro do país, é difícil. Tento encontrar uma definição, mas só saberemos em 2022, nas urnas.

    Acha que os dias de preconceito contra o audiovisual brasileiro chegaram ao fim ou ainda existe um longo caminho pela frente?

    Ouço pessoas falarem — algumas até com orgulho — que não gostam de cinema brasileiro. Sempre que ouço isso, respondo: ‘Isso não é uma dádiva’. Só a gente sabe contar nossas histórias, só a gente sabe o que passamos aqui. O cinema brasileiro valida a nossa existência e dá margem para refletir e transformar. O que acontece em 7 Prisioneiros acontece na Zona Leste de São Paulo. Pessoas trabalhando em condições precárias no Brás. Como conseguimos mudar o que está debaixo do nosso nariz?

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    Nos últimos tempos muito se discutiu sobre representatividade negra e, como consequência, tivemos um aumento de protagonistas negros no cinema e no streaming. No que essa indústria ainda precisa melhorar?

    Demos um passo pequeno. Temos protagonistas, mas e as equipes? Projetos formativos? Existem núcleos de roteiristas negros e LGBT focados em desenvolver narrativas com propriedade? Não adianta jogar personagens no meio da dramaturgia. Falta evoluir em equipes e construção. Falo de produtores, assistentes de direção, essa galera ocupando espaços que encabeçam o set. Eu ainda não vi isso.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 01 de dezembro de 2021, edição nº 2766

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