“Casamos entre os carros alegóricos no Carnaval”
Angelina Basílio, da Rosas de Ouro, conta sobre a forma inusitada como conheceu o marido, Sérgio, e quando se casou no Sambódromo antes de desfile
Como presidente da escola de samba Rosas de Ouro, sou figura pública entre os amantes de carnaval. Sérgio é um deles. Ele desfilava para a concorrente Mocidade Alegre e me observava de longe desde que me viu em um ensaio técnico e depois em uma confraternização entre escolas em 2013.
Um dia, me mandou uma mensagem no Facebook dizendo que sentia que já me conhecia há muitos anos e queria me encontrar para entregar um livro. A obra escolhida era Kairós, escrita pelo padre Marcelo Rossi. o título significa ‘o tempo de Deus’. Pensei: ‘ai, deve ser um doido, né?’.
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Ele foi pessoalmente até o meu escritório da Rosas de Ouro e me deu o livro. Afirmou que gostaria de me conhecer melhor e que ainda nos veríamos muitas vezes. Sérgio foi muito educado, falou sobre ele e seu trabalho. Notei que era um homem responsável, então passei meu telefone. Estranhamente também senti que já o conhecia. Achei lindo aqueles cabelos grisalhos. Acabei dando um selinho de despedida, sem saber o porquê. Quando Sérgio foi embora, mandou uma mensagem dizendo que já estava com saudade. Não fazia nem trinta minutos que tinha deixado a sala, mas eu também senti a falta dele. Como isso era possível? Já fiquei viúva duas vezes, não brincava mais de me apaixonar. Parecia um sonho. Lembrei que meu anjo da guarda tinha me avisado que eu iria conhecer alguém especial.
Sérgio também enviou bombons, uma caneca personalizada e flores. Dois dias depois fomos almoçar em um restaurante próximo a uma represa em Interlagos e acabei conhecendo a mãe dele. Queria cavar um buraco para me esconder de tanta vergonha.
No começo do namoro, ele tinha ciúmes. Não se acostumava que, em todo lugar que eu ia, alguém me reconhecia. Tivemos discussões calorosas, mas passou e ele se acostumou.
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Um ano depois, em 2014, na Copa do Mundo sediada aqui, assistimos ao jogo do Brasil contra o México na sede da Rosas de Ouro. Em dado momento, ele pediu para que a banda que estava ali parasse de tocar. Sérgio então se virou para mim, ajoelhou-se e me pediu em casamento. O momento foi transmitido no telão, para todo mundo. Igualzinho filme americano.
Ele queria se casar no Sambódromo. Parecia que jogou a ideia para o universo e a recebeu de volta. Por coincidência, em 2016, meu amigo carnavalesco André Machado perguntou se eu queria me casar na avenida e se propôs a criar meu vestido. Na hora achei uma loucura, mas era para ser assim.
Nossa cerimônia aconteceu no ano seguinte, no meio da concentração de carros alegóricos. O cerimonialista foi o pai de santo Marcos Duller e meus padrinhos foram o maquiador Alex Araújo e a drag queen Salete Campari.
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Depois, desfilamos em cima de um dos carros, com as roupas do casamento. As arquibancadas estavam lotadas. Sérgio usou um smoking branco com gravata borboleta rosa. A narração do desfile foi feita com a bela voz do jornalista Chico Pinheiro. Saiu na televisão e em todos os sites de notícias. As pessoas nos paravam no supermercado e na farmácia para perguntar se era a gente que tinha casado no Carnaval. Nunca imaginei amar assim depois dos 50 anos. Não devemos desistir do amor, pois tudo acontece no tempo de Deus. Nada é por acaso, principalmente esses amores malucos. Depois que eu conheci o Sérgio, eu fortaleci muito a minha fé.
Neste ano, sem Carnaval, sentimos um vazio. O próximo tema da Rosas de Ouro será os rituais de cura e a vacinação em massa. Desfilaremos juntos de novo.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 07 de julho de 2021, edição nº 2745