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Bob Wolfenson faz 70 anos: todos os caminhos do fotógrafo paulistano

Com lançamentos de livros, exposição e viagem ao Peru, o retratista fala sobre o Bom Retiro, os ensaios para a Playboy e o seu novo estúdio

Por Tomás Novaes
Atualizado em 16 ago 2024, 12h54 - Publicado em 16 ago 2024, 06h00
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Bob Wolfenson e sua câmera, em seu estúdio na Lapa: exposição, novos livros e viagem-workshop de fotografia no Peru (Roberto Setton/Veja SP)
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Quando saí do carro, o muro de um branco intenso e o sol a pino desnortearam minha visão. Os olhos tomaram alguns segundos para se acostumarem ao claro límpido daquela paisagem. O estúdio de Bob Wolfenson, 69, na Lapa, é como uma tela em branco, por fora e por dentro.

Detrás do portão, uma área externa antecede o galpão com pé-direito alto. O fundo do salão, com uma luz bonita que entra por duas janelas, é o cenário dos retratos do fotógrafo paulistano, que, no próximo dia 8, completa sete décadas de vida.

Caminhando pelo estúdio, fotos mais ou menos conhecidas decoram os ambientes em grandes e pequenos formatos, nas paredes, em almofadas e livros. Um retrato de Gisele Bündchen sinaliza a escada para os andares superiores, que abrigam uma cozinha e outras salas.

No térreo, fica o acervo dos 54 anos de carreira de Wolfenson — são cerca de 350 000 registros analógicos e 700 000 no acervo digital.

Uma parte dessa coleção preciosa está dentro de freezers que chegaram há pouco tempo do antigo estúdio, na Vila Leopoldina, onde Bob trabalhou por quase vinte anos. O local sofreu duas inundações, a primeira em 2005 e a segunda, mais severa, em 2020.

“O Instituto Moreira Salles me procurou e ajudou a salvar, porque eles consideraram que o acervo não era só meu — é privado, mas tem um sentido de não ser, porque são cinco décadas de carreira, e trabalhei para cacete (risos)”, diz o fotógrafo.

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Com a restauração, financiada via leis de incentivo, foi possível recuperar metade do material atingido, até o momento. “É interessante, porque eu não estava nem aí para o meu arquivo. Agora sou obrigado a avaliar o que salvar e o que jogar fora, e vejo coisas das quais eu nem me lembrava”, conta Bob, que fotografou as fotos atingidas em uma série que será publicada ainda este ano, no livro Sub/Emerso, pelo Senac.

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Retrato de Fernanda Torres, em 1994, fotografado após inundação no estúdio: marcas da água (Bob Wolfenson/Divulgação)

A água do Rio Pinheiros, ao insistir pela segunda vez e invadir as gavetas lotadas de memórias, parece ter provocado algumas ondas de transformação.

Em 2021, após dezessete anos colaborando com a galeria Millan, Bob passou a representar a maior parte do próprio trabalho. Além da mudança de estúdio, há oito meses, para um lugar cinco vezes menor.

“Tenho uma natureza de ir ao sabor dos acontecimentos — não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”

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“Resolvi, me aproximando dos 70 anos, dar uma enxugada. O estúdio era um negócio monstruoso, uma escala muito grande que me obrigava a manter um business de aluguel que eu não queria mais. Agora, estou muito mais livre”, diz.

As novidades não significaram menos atividade. No dia 5, Wolfenson abre a exposição Instante Construído, na Galeria Mario Cohen. De 11 a 17, acontece o projeto Jornadas Fotográficas com Bob Wolfenson, uma viagem-workshop de fotografia no Peru que passará pelo Vale Sagrado, por Machu Picchu e Cusco, com a empresa Auroraeco (restam poucas vagas, que podem ser reservadas pelos canais da operadora).

E, ainda em 2024, um segundo livro será publicado, sobre imigrantes africanos em São Paulo, em parceria com o jornalista Naief Haddad. “Há dez anos, não imaginava que, aos 70, eu estaria nesse lugar, com esses trabalhos. Estou muito ativo”, diz.

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“O João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é um dos meus grandes retratos. Ele estava exasperado, não queria ser fotografado. Dei um nó na situação toda, pensei: ‘Vou usar esse peso que ele está dando na foto’. A cooperação entre fotógrafo e fotografado ajuda, mas não significa que a foto vai ficar boa” (Bob Wolfenson/Divulgação)

A infância e o início profissional

Criado em ambiente judaico e comunista, Roberto nasceu e morou no Bom Retiro até os 22 anos. Seu pai veio da Bessarábia, e sua mãe, da Polônia, nos anos 20.

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“Para mim, até os 10 anos de idade, o mundo inteiro era judeu. Nós íamos ao restaurante Europa, à cantina 93, estudei na escola onde é a Casa do Povo hoje. Quando criança, as apresentações de fim de ano eram no Taib (Teatro de Arte Israelita Brasileiro).”

A região foi o cenário das primeiras experimentações de Bob com uma câmera, no Jardim da Luz. “Eu era tímido, fotografava as pessoas de longe. Essa primeira investida foi episódica, uma entre as tantas atividades em que minha mãe me botou, como aula de francês, de inglês, de violão, para ver se eu me acalmava um pouco (risos)”, brinca.

Morador do Pacaembu, Bob diz que costuma voltar ao bairro natal, mas percebe que “é outro universo”. “Hoje é mais legal do que na minha época”, diz.

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“Foi em 1978, em São Bernardo, para a Senhor Vogue. O Lula estava surgindo como um líder operário e a elite quis cooptá-lo, para colocá-lo na capa da revista. Levamos terno e gravata, e comecei a fotografar. Ele estava fumando, olhando para mim, com a parede descascada da casa dele atrás” (Bob Wolfenson/Divulgação)

A fotografia não surgiu como uma vocação, apesar do início precoce na profissão, na Editora Abril, aos 16 anos, dois meses após a morte de seu pai.

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“Eu era muito próximo dele. O trabalho foi uma força motriz na minha vida, no sentido de uma certa, entre aspas, cura para superar isso. A morte dele me colocou no ofício de fotógrafo. Mas não me sentia vocacionado, achava meio chato, até”, conta.

Do pai, além da cultura judaica, herdou outra formação importante: a política. Tanto que, em paralelo com o início profissional, cursou ciências sociais na USP, mas não chegou a se formar.

“Na minha casa, era maniqueísta: se você é de esquerda, é legal, se não é, é um m#rd@. Fui criado nesse cadinho sincrético, com essa mistura de religião com política e uma obsessão por ser brasileiro. Tudo isso está colado na minha existência, com nuances, até hoje”, diz.

Após alguns anos fotografando de tudo um pouco, começou a se especializar no retrato a partir de 1975, clicando figuras como Rita Lee (1947-2023), Tom Zé e Hélio Oiticica (1937- 1980) para revistas como a Pop e a Vogue.

“Eu me vestia com uma calça boca de sino toda florida e a camisa aberta no peito. Eu era o espírito da época, era as minhas fotografias. Esse período, que eu considerava medíocre, agora vejo que é muito bom, eu era melhor até do que sou hoje. Tinha mais liberdade.”

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Na mesma época, fez a capa do disco Outras Palavras (1981), de Caetano Veloso. “Hoje, todo mundo fotografa, mas pouca gente é fotógrafo. Para você ser chamado assim, precisa ter as mesmas coisas que um escritor: estilo, história, impacto, técnica e repertório”, defende.

Em 1982, Bob viajou a Nova York para trabalhar com o renomado fotógrafo de moda americano Bill King (1939-1987). “Vendi tudo que tinha, inclusive a minha câmera. Eu queria ser assistente, porque sentia que precisava aprender mais. Escrevi cartas para cinco fotógrafos, e o Bill respondeu porque, no dia em que a carta chegou, o assistente dele tinha saído. Foi uma sorte que mudou a minha vida”, relembra.

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“Eu tinha um pôster do fotógrafo William Klein (1926-2022) na parede do meu estúdio, com uma mulher de sobrancelha arqueada. Nas fotos de moda que eu fazia, quando não tinha mais o que falar, eu pedia: ‘Levanta a sobrancelha’. Foi o mesmo com o Caetano Veloso, e ele fez uma coreografia maravilhosa” (Bob Wolfenson/Divulgação)

Esse capítulo consumou sua identificação com o próprio ofício. “Voltei muito mais seguro ao Brasil. Isso me ajudou a conseguir trabalhos aos quais eu nem tinha acesso, e considero que, desde então, estou em um ciclo mais ou menos único.”

Para Bob, não há muita mística nem mesmo roteiro no set. “Não saio para um retrato sabendo o que vou fazer. Vou de acordo com a minha personalidade, tenho essa capacidade de conversar muito”, diz.

Para ele, a relação entre fotógrafo e fotografado é um diálogo entre vontades diversas. “Uma foto é um encontro com forças de empuxo diferentes e vários desejos pairando no set. Um bom retrato é um milagre”, afirma.

Os ensaios para a Playboy

A intensidade dessa atmosfera tende a crescer quando, no centro, está uma pessoa nua. De volta ao Brasil, em meados dos anos 80, Bob começou a colaborar com a Playboy. “No começo, eu cumpria a cartilha, duas fotos de bunda, três de peito… acho bem ruim esse trabalho. Se vejo hoje, me dá vergonha. Atualmente, não teria sentido existir uma revista como essa. Na época, eu não percebia que estava a serviço de uma coisa machista”, conta.

O ensaio que mudou tudo veio em 1996, com a atriz Maitê Proença, na Sicília. “Escolhemos o lugar pelo contraste, porque era extremamente católico e moralista. Foi praticamente fotojornalismo, eu conversava com aquelas velhinhas ou senhorzinhos, vestida, e, de repente, tirava a roupa e ele começava a fotografar”, conta Maitê, 66, que não economiza elogios ao fotógrafo.

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“Éramos em dez pessoas, no máximo. A Maitê Proença escolheu o fotógrafo, as fotos, o lugar, tudo. Fomos à Sicília, fazer com os locais, e deu certo. A ideia era muito poderosa, então você não precisava de muita coisa. Era tipo cinema novo” (Bob Wolfenson/Divulgação)

“Ele teve a agilidade e o prazer de fazer algo inusitado. O Bob é extraordinário, isso é incontestável”, completa. Depois dela, nomes como Alessandra Negrini e Vera Fischer repetiram a parceria — o último ensaio de Bob para a Playboy foi em 2013, com Nanda Costa, em Cuba.

“Elas controlavam tudo e ganhavam uma participação nas vendas, além do cachê milionário. Nesse sentido, era um twist na questão da objetificação. Foi muito marcante”, diz ele.

Uma carreira diversa

Em 2024, completam-se vinte anos da série Antifachada (2004), um trabalho de fotos em grandes proporções de prédios da região central de São Paulo, expostas naquele ano no MAB-Faap.

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O Conjunto Nacional, por Bob: foto da série ‘Antifachada’, que completa vinte anos (Bob Wolfenson/Divulgação)

Até aquele momento, a não ser por experimentações iniciais de sua varanda no Bom Retiro, Bob só fotografava pessoas. “Andando pela Santa Efigênia, com uma luz de inverno oblíqua, linda, vendo aqueles prédios… alguma evocação bom-retirense me deu a ideia de fazer esse trabalho”, conta.

“Tenho medo da morte, não lido bem com isso. Quando você tem 70, pensa: quantos anos mais eu vou viver?”

O projeto abriu os caminhos para outras séries que fogem dos retratos, como A Caminho do Mar (2007), de paisagens de Cubatão, Apreensões (2010), de itens recolhidos pela polícia, Belvedere (2013), de locais turísticos vazios, e Nósoutros (2017), de pessoas prestes a atravessar a rua.

Esses trabalhos autorais deram à carreira de Bob o valor que parece ser o mais apreciado pelo próprio: a versatilidade. “Se tem algo que me define, não são nem meus retratos, nem minhas fotografias de moda, nem os nus, nem meus projetos pessoais. É a junção de tudo isso em uma pessoa só. Foi talvez o que me deu essa longevidade.”

O fotógrafo diz ser um “ateu praticante”, e, sobre a mortalidade, partilha da mesma visão sem grandes fantasias que tem sobre a fotografia. “Tenho medo da morte, não lido bem com isso. Quando você tem 70, pensa: quantos anos mais eu vou viver? Dez, vinte, no máximo, se tudo der muito certo. Parece que eu tinha 50 ontem”, diz.

Bob tem três filhas, Helena, Isabel e Chica, e três netos. Desde 1979, divide a vida com sua esposa, Mariza. “Essas datas fechadas são marcos, para você olhar e fazer um balanço. Mas eu tenho uma natureza de ir ao sabor dos acontecimentos — não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”, diz.

O acaso parece ser sua estrela-guia, dentro e fora do estúdio. “Eu abro uma torneira de fluxo para que ocorra algo inesperado, porque o acaso é elemento fundante da fotografia. Mesmo no set, promova o acaso.”

Não valeria o mesmo para todos os âmbitos da vida, estar presente e deixar fluir essa torneira? Bom, vale aqui citar uma última máxima de Bob: “O fotógrafo não tem capacidade de captar uma alma”.

Me parece que, às vezes, nesse compromisso com o inesperado, sem se deter em verdades absolutas, Bob e sua câmera podem chegar perto. ■

Publicado em VEJA São Paulo de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906

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