Ao vencedor, as batatas premium
Matéria-prima orgânica e azeite extravirgem tiram a pecha de junk food do petisco mais consumido do planeta
Entediado com o trabalho numa indústria química no sul da Espanha, o estoquista Rafael del Rosal abriu uma barraca de churros. O que parecia um jeito tranquilo de ganhar a vida — no café da manhã dos espanhóis, os churros representam o pão francês brasileiro — virou um pesadelo. Fritar em imersão não era fácil como imaginara. Del Rosal perdeu quilos de massa até acertar a equação entre a temperatura do óleo e o tempo de frigideira. Quando encontrou a medida, ele a aplicou à batata agria, variedade plantada na Catalunha e considerada ideal para arder em fogo lento. Aproveitava as tardes dourando rodelas fatiadas. Com o evoluir das frituras, os chips afinaram milimetricamente. O óleo perdeu lugar para o azeite extravirgem Almazaras de la Subbética, considerado um dos melhores do mundo até mesmo na Itália, de acordo com o guia italiano Flos Olei. O sal marinho, cujo teor de magnésio faz os vegetais absorver umidade (e, portanto, perder a consistência crocante), foi trocado por grãos rosa da Cordilheira do Himalaia. Del Rosal, então, deu adiós aos churros. Rotulou suas chips de “San Nicasio”. Passados treze anos, a marca de Córdoba coleciona quatro medalhas de ouro do Monde Selection, instituto internacional sediado na Bélgica que mede, desde 1961, a qualidade de produtos alimentícios. Ela abastece hotéis (a rede Ritz-Carlton, por exemplo), empórios como o Club del Gourmet e a loja de departamentos El Corte Inglés, em Madri, além de ser exportada para nove países. Há um mês, o espanhol inaugurou uma fábrica de 2 000 metros quadrados, vinte vezes maior do que a atual. “Intuí haver espaço para batatinhas mais finas.”
Faro certeiro. Junto com a basca Sarriegui, concorrente de San Sebastián, a cidade mais gourmet da Espanha, San Nicasio ocupa o topo da pirâmide alimentar dos petiscos de saquinho: o premium. O mais recente relatório da Snack Food Association, nos Estados Unidos, aponta como tendência a fome por tira-gostos que preservem na receita um vínculo bem mais próximo com a natureza do que o “aroma artificial de” na lista de ingredientes. A onda mexeu com as batatinhas, popularizadas nos anos 1920 e hoje o item mais consumido da categoria: devoram 35% de um mercado de 3,6 bilhões de dólares (a maior fatia desse valor é abocanhada pelos americanos). Portanto, no lugar de uma pasta feita com o tubérculo, farinha, gordura vegetal e realçadores de sabor — como consta nos valores nutricionais da Pringles, da gigante Procter & Gamble —, valem mais batatas de verdade. Literalmente: o saquinho de 190 gramas da San Nicasio custa 4 dólares na Espanha, o triplo das versões populares da junk food.
A qualidade da batata é o xis da questão. Tome-se como exemplo a inglesa Tyrrells. A empresa controla, em Herefordshire, duas horas a nordeste de Londres, uma plantação própria de Lady Rosetta e Lady Claire. O gosto das variedades típicas do solo inglês é acentuado pela adição de temperos como cidra, vinagre, salsicha de Ludlow, mostarda e presunto assado no mel — sob medida ao paladar dos súditos da rainha, os segundos mais vorazes devoradores de chips do mundo. No caso da San Nicasio, a ausência de aditivos químicos torna o produto mais saudável. O sal rosa, por exemplo, diminui em 16% a quantidade de sódio do produto final se comparado ao sal comum. Não quer dizer, em absoluto, que batatas premium engordem menos ou não engordurem os dedos. “A vantagem indiscutível é o sabor”, afirma Del Rosal. A embalagem também acompanhou a “evolução” do conteúdo. Como exporta suas iguarias para mercados tão exigentes quanto o japonês, o agora empresário refez o saquinho cinco vezes em oito anos até encontrar um modelo capaz de impedir que as chips se esmigalhem. Costuma entreter clientes pedindo que se equilibrem sobre um pacotinho. Segundo ele, não estoura.