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“Não há cinemas na Arábia Saudita”, diz a diretora de O Sonho de Wadjda

Haifaa Al-Mansour é a primeira mulher a dirigir um filme na Arábia Saudita. Além de corajosa por desafiar as tradições muçulmanas, a cineasta mostra que tem sensibilidade e talento para contar a história de uma menina que, obstinada em comprar uma bicicleta, também acaba trombando com o conservadorismo daquele país. O filme é O Sonho […]

Por Miguel Barbieri Jr.
Atualizado em 27 fev 2017, 10h56 - Publicado em 2 Maio 2013, 20h11

Haifaa Al-Mansour: a primeira mulher a dirigir um filme na Arábia Saudita

Haifaa Al-Mansour é a primeira mulher a dirigir um filme na Arábia Saudita. Além de corajosa por desafiar as tradições muçulmanas, a cineasta mostra que tem sensibilidade e talento para contar a história de uma menina que, obstinada em comprar uma bicicleta, também acaba trombando com o conservadorismo daquele país. O filme é O Sonho de Wadjda e Haifaa Al-Mansour, que viria ao Brasil para divulgá-lo, acabou cancelando a viagem em cima da hora. Respondeu, gentilmente, às perguntas que fiz a ela por e-mail.

Fale um pouco sobre sua vida pessoal e onde aprendeu a fazer filmes? Eu tenho 38 anos, sou casada e tenho dois filhos, Adam (5 anos) e Haylie (3 anos). Aprendi cinema na raça, fazendo, experimentando, filmando… Mas eu também me formei em literatura pela Universidade Americana do Cairo e tenho mestrado em Estudos de Cinema da Universidade de Sydney.

Viu muitos filmes na infância? Cresci em uma pequena cidade e sou filha de pais muito tradicionais. Sou a número 8 de 12 irmãos. Meus pais, felizmente, tinham o costume de nos mostrar filmes. Assisti a várias fitas chinesas, muitas de artes marciais, estreladas por Jackie Chan e Bruce Lee. Vi vários filmes americanos e, da infância, lembro, especialmente, de Branca de Neve e os Sete Anões, da Disney. Também tive a fase dos filmes indianos, aquelas típicas coisas que são feitas em Bollywood. Também aprendi muito cedo, através do cinema, que os filmes têm o poder de te transportar para outro mundo e, com certeza, eles moldaram minha infância.

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Como começou sua carreira? Quando voltei para a Arábia Saudita, depois que eu terminei a minha licenciatura na faculdade, me senti invisível. Mas nem me importei com isso. Fiz um curta-metragem apenas para encontrar minha forma de expressão. Como era um hobby, fiquei surpresa e feliz quando o filme foi selecionado para competir em Abu Dhabi. Lá, as pessoas ficaram muito surpresas em ver uma mulher da Arábia Saudita fazendo cinema.

Cena do filme O Sonho de Wadjda: desejo da menina é ter uma bicicleta

Existe uma indústria de cinema em seu país? Não há nenhum tipo de produção cinematográfica porque, simplesmente, não temos salas de cinema na Arábia Saudita. No entanto, há um monte de produções feitas para a TV, como seriados. Reem Abdullah, a atriz que interpretou a mãe da garota em O Sonho de Wadjda, é uma grande estrela na TV saudita.

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Como foi fazer O Sonho de Wadjda diante de uma situação como esta? Tive de obter permissão para filmar na Arábia Saudita. Tentei escrever um roteiro que mantivesse minha veia autoral, mas que fosse respeitoso com o lugar de onde eu venho. Eu sei que pertenço a uma cultura conservadora e um monte de gente se incomoda quando trato de questões femininas no filme. Acho que consegui escrever uma história que fosse leve e não entrasse em conflito com a ideologia muçulmana, mas que pudesse criar uma espécie de diálogo com os conservadores.

O filme já foi lançado na Arábia Saudita? Como disse, não temos salas de cinema e, por isso, o filme nem será lançado. Haverá, porém, lançamento em DVD e deve ser liberado para a TV, talvez até o fim do ano. Vários sauditas assistiram ao filme em Dubai (no Festival Internacional de Cinema). Quem viu, acho que entendeu que eu não quis ser ofensiva. Quis apenas contar uma história e ser respeitosa com a nossa cultura. Mas tenho certeza que muitas pessoas serão contra O Sonho de Wadjda – não pelo filme em si, mas por achar inadequado uma mulher ter a profissão de cineasta.

Qual sua expectativa em relação aos espectadores de seu país? Acho muito importante que pessoas de todas as origens tenham a chance de ver e gostar do filme. Também quis que os sauditas pudessem “se ver” no meu filme, já que isso nunca havia ocorrido de uma maneira tão natural.

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A personagem Wadjda foi baseada em alguém que você conhece? Foi inspirada na minha sobrinha. Quando ela era criança, tinha um grande senso de humor e era uma batalhadora. Ao crescer, teve de se conformar e ser como todas as outras mulheres. Quis que o filme fosse, então, uma fonte de inspiração para as meninas, como a minha sobrinha foi. Quero que as garotas tenham confiança e acreditem que elas podem ser do jeito que gostariam de ser.

A Primavera Árabe, que ocorreu em países como Egito e Tunísia, trouxe mudanças na Arábia Saudita? A Primavera Árabe parece ter passado por aqui e, realmente, me deixou contente. Ao ver as ideologias conservadoras destes outros países, fico preocupada enquanto artista. A Arábia Saudita, pelo contrário, está se abrindo e avançando com reformas. São alterações que podem parecer pequenas. Mas, aos poucos, elas estão tomando a direção certa. Não é o tipo de mudança radical, que tem causado tanta turbulência na região. Para nós, o processo é lento e moderado.

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O filme aborda a poligamia. Acredita que isso, um dia, terá um fim nos países islâmicos? Acho que se tornará cada vez menor ao longo do tempo. As pessoas agora estão mais educadas e dão valor à união. Mas a sociedade ainda é muito tradicional e conservadora. Eu acho que a prática da poligamia se tornará mais difícil na sociedade moderna. Primeiro, por causa da dificuldade econômica de manter uma segunda família. Depois, porque a sociedade não vai mais tolerar estes tipos de arranjos matrimoniais.

Há sugestão de infidelidade conjugal de uma professora no filme. Como isso é tratado na prática? Ser diferente é difícil em qualquer sociedade. Em países conservadores, como o meu, as pessoas tentam atacar e acusar estas pessoas dizendo que elas têm comportamento inaceitável. Acho, porém, que isto existe em todo o mundo – muitas vezes, as mulheres que falam ou agem de forma diferentes são acusadas de serem “vagabundas”.

O que chega do Ocidente à Arábia Saudita? Nosso país é muito rico e os jovens têm um grande acesso à internet. Ou seja: uma janela muito maior para o mundo. Enquanto eu crescia, tínhamos um acesso muito limitado ao exterior, mas agora há televisão por satélite e internet. Com isso, até as crianças ficaram mais engajadas com o resto do mundo. Há, também, muitos estudantes sauditas que estudam fora do país. Ao regressar, trazem experiências e ideias que, certamente, vão levar a grandes mudanças num futuro próximo.

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A que classe social pertence Wadjda? Há desníveis sociais em seu país? Wadjda está muito próxima de uma família de classe média. Eu acho que a maioria das famílias sauditas é de classe média, mas, claro, temos pessoas muito ricas e muito pobres. No geral, temos oportunidades e também um monte de problemas para resolver, como o aumento do desemprego. Porém, há recursos e infraestrutura para resolvê-los.

O sonho de Wadjda é ter uma bicicleta. Você deu uma para sua filha? É claro que eu dei! Ela tem apenas três anos e ainda está aprendendo a andar. Eu também tive uma bicicleta verde quando era menina, mas não tinha permissão para andar nas ruas, só no quintal de casa.

Assista ao trailer!

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=N7aS5uVVgiY?feature=oembed&w=500&h=281%5D

 

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