Rosana Paulino é a primeira artista negra com mostra no Malba
Paulistana celebra 30 anos de carreira ocupando museu em Buenos Aires com retrospectiva
“Artista também é comunicador”, define Rosana Paulino. Após completar 30 anos de carreira, a paulistana tem a oportunidade de falar diretamente ao público argentino. Ela é a primeira artista negra a estrelar uma exposição individual no Malba, museu de arte latino-americana em Buenos Aires.
Com cerca de oitenta obras, a mostra Amefricana celebra as interpretações que ela, também pesquisadora e professora, faz de seus antepassados e da diáspora africana no Brasil.
“Eles chamam de sala, mas ganhei praticamente um andar inteiro. Acho que é até maior do que a mostra na Pinacoteca”, comemora.
Foi em 2018 que ela ocupou parte do 1º andar da Pina Luz, com obras produzidas entre 1993 e 2018 — muitas delas escolhidas para estarem no Malba. Parede da Memória, que fincou o início da sua trajetória em 1994, exibe centenas de retratos em preto e branco, todos impressos em “patuás”, pequenas almofadas de tecido usadas como amuleto por praticantes da umbanda e do candomblé.
Ao formar esse grande painel como uma espécie de álbum de família, Rosana já apontava os problemas de representação dos negros na arte, com aspectos históricos e culturais ausentes até então.
“Sempre penso na obra como um iceberg. A parte da qual tenho consciência é só uma ponta. A linha debaixo d’água ainda guarda muita coisa.”
A série Assentamento, de 2013, também compõe a mostra. Por conta de seu tamanho, com fotografias gigantes, foi exibida com todas as obras apenas uma vez no Brasil.
Uma das criações mais emblemáticas é a imagem em tamanho real de uma mulher negra escravizada, que Rosana cortou em vários pedaços para depois “suturar” e incluir elementos como raízes e um coração. No museu, ela é acompanhada pelos ruídos do mar.
“É uma instalação sobre a travessia dos homens e mulheres sequestrados na África e trazidos para o Brasil. No começo, para evitar rebeliões, eles ficavam presos na mesma posição, uma maneira de enfraquecer tanto o corpo como o espírito”, conta. “E assim só ouviam o som do mar.”
Em cartaz até 10 de junho, a exposição se divide em quatro núcleos: “Memórias Atlânticas”, “As Estruturas Coloniais da Ciência”, “As Narrativas da Arte Brasileira” e “Tecidos da Subjetividade”.
Com curadoria de Andrea Giunta e Igor Simões, é quase uma retrospectiva do percurso da artista e inclui cinco grandes instalações, desenhos, gravuras e um vídeo.
O título remete ao termo “amefricanidade”, cunhado pela filósofa e ativista brasileira Lélia Gonzalez e usado para se referir à experiência comum de mulheres e homens negros contra a dominação colonial.
Para Rosana, seu destaque em terras estrangeiras é um movimento necessário para a cultura brasileira.
“O Brasil ainda se coloca de costas para a América Latina, mas não podemos ignorar o resto do continente”, opina. “Já estive em Cuba e parecia estar em Salvador. Até os gestos corporais, o jeito de andar e falar e os instrumentos tinham semelhanças com os nossos. Podemos ter novas trocas por toda a América.”
Avenida Figueroa Alcorta, 3415, Palermo, Buenos Aires. Quinta a segunda, 12h/20h. Quarta, 11h/20h. Fecha terça. De 2 500,00 a 5 000,00 pesos argentinos. Até 10/6. malba.liit.com.ar
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de abril de 2024, edição nº 2888