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São Paulo nas Alturas

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Redator-chefe de Veja São Paulo, é autor do livro "São Paulo nas Alturas", sobre a Pauliceia dos anos 50. Ex-correspondente em Pequim, Nova York, Washington e Buenos Aires, escreve sobre urbanismo e arquitetura
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A gritaria da ‘elite progressista’ para manter um Ginásio do Ibirapuera obsoleto

Complexo em área nobre da cidade já está subutilizado há décadas, com cada vez menos eventos, competições e shows

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 dez 2020, 14h17 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00
Vista aérea com o ginásio do Ibirapuera na parte inferior.
O velho ginásio do Ibirapuera, de 1957: sem conforto, tecnologia ou modernização, campeonatos e shows evitam o espaço (Carlos Alkmin/Getty Images)
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É um malabarismo circense: depois de passar meses reclamando dos 90 milhões para a reforma do Anhangabaú (“não é prioridade”, “por que não investir na periferia ou nos moradores de rua?”, dizia Boulos), nossa “elite progressista” quer o tombamento do Ginásio do Ibirapuera — apenas para evitar sua privatização.

Como o ginásio está obsoleto há décadas, com cada vez menos eventos, competições e shows, apesar de a manutenção custar 15 milhões de reais por ano, quem teria de pagar para trazer o complexo esportivo ao século XXI? O governo?

Em 2003, o então governador Geraldo Alckmin promoveu um concurso de arquitetura para atualizar o conjunto. Bem modesto, mas custaria 300 milhões de reais em valores de hoje — mais do que o triplo do popular e central Anhangabaú. O preço assustou e foi engavetado. O ginásio continua sem bancos reclináveis, ar-condicionado, espaços e conectividade seguros para transmissões ao vivo, acústica… Até as quadras já estão aquém das medidas oficiais.

São Paulo já tombou o Morumbi, o Pacaembu, o Estádio do Juventus e agora tenta tombar também o Canindé e o Ginásio do Ibirapuera. A proposta do governo João Doria para passar a conta milionária da reconstrução do espaço para a iniciativa privada (que prevê a demolição do ginásio) foi recebida com gritaria. Com 4 000 imóveis tombados nos últimos quarenta anos, nunca o tal ginásio entrou na lista. Antes dele, o casuísmo preservacionista quase congelou o Anhembi. E, assim, nossos arquitetos e urbanistas parecem militar para que São Paulo continue sem um centro de convenções de grande escala e moderno, e sem uma arena multiúso central na faixa dos 20 000 espectadores.

A Bombonera e o Azteca são reformados e transformados sem culpa, nem com as amarras do tombamento nacional. Wembley, Sarrià, Vicente Calderón, o coreano Dongdaemun e até a Feira de Milão foram demolidos sem dor, mas São Paulo quer parecer que se importa mais com o patrimônio histórico do que europeus e asiáticos. Na verdade, mantém apenas sua cruzada antinegócios e antiempregos.

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É uma pena que especialmente a turma das pranchetas não aproveite a deixa para repensar e propor um novo formato para uma das áreas nobres mais desperdiçadas da cidade. Um amontoado de prédios públicos com pouca ou nula vida na rua, moradores, empregos. Nas últimas três décadas, a cidade foi administrada doze anos pelo PT, oito anos pelo malufismo, seis e meio pelo kassabismo e cinco e meio pelos tucanos. Ninguém tocou no Círculo Militar (que ocupa terreno da prefeitura, de graça), no desperdício de áreas verdes — e isoladas — ao redor do parque, nos vastos estacionamentos da Assembleia e dos militares, em terrenos baldios ou doados a amigos do poder.

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Fora algumas aulas em suas instalações sofridas, e menos de 100 atletas, é usado esporadicamente para shows (o Cirque du Soleil se apresentou em maio de 2019, com ingressos de 260 a 580 reais). A campeã Magic Paula disse que o local “dá vergonha”. Há pelo menos vinte anos não é um lugar frequentado pelo povo.

Só que nada mobiliza mais a elite paulistana — da esquerda à direita — que defender o status quo de áreas nobres, mesmo que empoeiradas. Bate-se o pé, abraça-se o ginásio, grita-se bastante: é a nossa adolescência conservadora. Que não quer mudanças, mas não arregaça as mangas para apresentar alternativas. Que defende o Autódromo de Interlagos estatal, frequentado pelos necessitados corredores de kart, frequentadores de Lollapalooza e Fórmula 1, e que defendia a ideia de que o Pacaembu continuasse a ser uma academia de ginástica com piscina gratuita para os poucos vizinhos afortunados do estádio.

Entorno do ginásio Ibirapuera. Grades e arames farpados.
Grades ao redor do complexo esportivo e arame farpado para proteger instalações militares: área nobre deserta e insegura (Raul Juste Lores/Veja SP)
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São gatilhos de sempre: contra qualquer empresário que administre o local, na linha católico-marxista de que se alguém vai lucrar, é automaticamente ruim; mas especialmente contra quem patrocina a iniciativa.

Não houve abraço ao Anhembi quando o então prefeito Fernando Haddad (PT) tentou fazer a concessão privada do também defasado centro de convenções (o projeto da SP Negócios não deixava quase nenhum pilar do complexo atual em pé). Quando estruturas ociosas como o Mirante Nove de Julho e o atual Bar dos Arcos passaram para a iniciativa privada naquela gestão petista. Ou quando Mineirão, Maracanã e Mané Garrincha foram reduzidos a escombros para dar lugar a arenas “padrão Fifa”, com as bênçãos de Lula. Ou quando, depois de muito hesitar, Dilma Rousseff finalmente permitiu que uma concessionária construísse em um ano e meio o Terminal 3 de Cumbica, depois de dez anos de enrolação da Infraero. A militância domesticada ficou quietinha.

Ginásio do Ibirapuera sendo visto do chão, com algumas árvores na frente.
Modernização do complexo esportivo, entre o Paraíso e o Jardim Paulista, custaria 300 milhões, o triplo da reforma do Anhangabaú (Filipe Frazao/Getty Images)

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Quando equipamentos públicos ficam abandonados por décadas, tampouco surgem abaixo-assinados. Do Velódromo da tucana USP que deixou de abrigar bicicletas em 1990 (hoje, tem até árvore na pista) à incompleta e milionária Fábrica do Samba, que pouca gente conhece, 300 milhões de reais gastos depois. Para não falar no ocioso Sambódromo ou no pobre Centro Esportivo Baby Barioni (com três piscinas, ginásio, quadras, salas de luta), vizinho ao Parque da Água Branca, fechado desde 2014 para uma lentíssima reforma tucana. O fechado Teatro Brasileiro de Comédia, nas mãos federais desde 2006, só seria lembrado se fosse privatizado?

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O Ibirapuera está nas mãos de uma concessionária há poucos meses, mas já acusam a péssima conservação, de anos e anos, da marquise do parque, como culpa da “privatização”.

Olha, mesmo que os 300 milhões de reais para o restauro modesto estivessem sobrando, dá mesmo para duvidar que a gestão pública de um lugar para eventos esportivos e shows fosse eficiente — mesmo que não houvesse indicações políticas, cobranças de caixinhas ou burocracias arrastadas para qualquer compra ou licitação, de microfones a redes para as quadras.

Petistas e tucanos já demonstraram que não é monopólio de um partido a administração mambembe de bens públicos. Prédios nas mãos federais, como o Museu Nacional e o Wilton Paes de Almeida, viraram cinzas, mesmo depois de quase quinze anos de esquerda no poder. Os tucanos patinam com os museus e centro de convenções da USP e o papelão dos monotrilhos. Poderiam se inspirar na prefeita socialista de Paris, que vendeu dezenas de imóveis pouco utilizados e, além de fazer caixa, determinou os usos e a renovação de áreas degradadas parisienses.

Doria prometeu exatamente o que pretende fazer — privatizar ou conceder bens públicos que estivessem subutilizados ou dessem prejuízo há muitos anos. E foi eleito com ampla margem de votos. Não foi estelionato eleitoral desta vez, como a tal “pandemia controlada” às vésperas da reeleição de Bruno Covas, nem foi a recessão brutal escondida por Dilma Rousseff.

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Imagem aérea da região do Ibirapuera
A mini-Brasília do Ibirapuera: prédios públicos espalhados e áreas verdes recortadas com pouco uso (Filipe Frazao/Veja SP)

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Ainda que, lamentavelmente, a comunicação de Doria tenha prejudicado o que poderia ser uma boa notícia — “novos investimentos, empregos e obras sem sangrar o orçamento público” ou, “finalmente, uma grande arena multiúso em bairro central, sem precisar viajar mais de 10 quilômetros para ver um show ou uma final de campeonato”. Batizaram o local ainda nem privatizado de “Ibirapuera Complex” (parece tradução do Google), o que fez lembrar da coitada “Petrobrax”. Promessa de “shopping” no entorno do parque? Olha outro gatilho. Para quem tem a cabeça em Orlando ou Miami, até parece coisa boa, mas para muitos paulistanos o que vêm à cabeça é um caixotão todo fechado, com paredões, e muito, muito trânsito no entorno. Por que não se inspirar na “avenida do entretenimento”, da O2 Arena de Londres, com sessenta lojas e restaurantes no nível da rua, como um simpático calçadão-galeria? No deserto de opções do Ibirapuera, com as esvaziadas avenidas República do Líbano, Pedro Álvares Cabral, Brasil e Quarto Centenário, vetadas ao comércio e com tanto casarão abandonado, muito vizinho iria até gostar.

Aliás, Londres também poderia inspirar São Paulo: o fracassado “Domo do Milênio”, de Tony Blair, foi convertido em arena multiúso pela Cohab britânica, concedido a uma multinacional de eventos americana (AEG), que ainda arrancou 130 milhões de libras (mais de 1 bilhão de reais) da operadora O2 (que pertence à espanhola Telefónica) para batizar a arena, que é recordista mundial em ingressos vendidos.

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No Brasil, o Rio entregou a administração do Engenhão a um pool liderado pelo Botafogo, e o Maracanã e o Maracanãzinho ao Flamengo. Para as viúvas do estatismo, é bom lembrar que a Arena da Amazônia, de Manaus, erguida apenas para a Copa de 2014, custa 1 milhão de reais por mês para ser mantida, e rende menos de 600 000 por ano; o Nacional de Brasília custou 1,7 bilhão de reais e só agora terá administração privada. As Arenas do Pantanal, em Cuiabá, e Dunas, em Natal, são bastante deficitárias — e, pior, não aparece ninguém querendo investir nelas.

Se nossa militância quer realmente pensar na periferia ou nos mais necessitados, poderia se lembrar que existem 48 centros esportivos municipais e 261 Clubes da Comunidade (CDCs). Especialmente esses últimos têm carências variadas, como a Vejinha já apontou. Espalhados principalmente pela periferia paulistana, muitos CDCs não têm iluminação, a grama já se desintegrou, os banheiros vivem fechados por falta de manutenção. Dependem de emendas parlamentares e viram facilmente currais eleitorais de vereadores. Mas não é esse tipo de esporte social e democrático que mobiliza nossos formadores de opinião.

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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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