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Sérgio Quintella é repórter de cidades e trabalha na Vejinha desde 2015
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Barriga de aluguel: PF investiga possível rota de gestações ilegais em SP

Alerta foi ligado após americano tentar emitir passaporte de bebê gerado na capital

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 dez 2023, 10h32 - Publicado em 22 dez 2023, 06h00

O expediente corria normalmente naquele 24 de agosto de 2023 no Posto de Emissão de Passaportes da Polícia Federal localizado no Shopping West Plaza, na Zona Oeste, quando Philip Ghali, 56, um cidadão americano nascido no Líbano, tentou solicitar um documento para que o filho de apenas 2 meses e meio pudesse deixar o país definitivamente e acompanhá-lo aos Estados Unidos, onde cresceria dali em diante.

A ausência do nome da mãe na certidão de nascimento da criança, porém, levou os agentes do local a não apenas barrar a emissão do passaporte como a investigar, por meio de um inquérito policial (IP), o motivo da supressão da genitora.

Enquanto isso, o bebê, que nasceu prematuro e seguia internado em uma maternidade particular da capital, teve alta dois dias depois. Já Ghali foi proibido de deixar o país e conseguiu reverter uma decisão da Justiça estadual paulista que determinou a apreensão do menor. Ambos estão juntos desde então.

A princípio, o inquérito, obtido pela reportagem da Vejinha antes que entrasse em segredo de Justiça, foi aberto para apurar um possível tráfico de pessoas, o que acabou descartado após a confirmação da paternidade de Philip Ghali. Restava a tese de que a criança nascera após um procedimento de doação temporária de útero, chamado popularmente de “barriga de aluguel”.

A prática não é proibida no Brasil, mas precisa seguir regras do Conselho Federal de Medicina (CFM), como a que determina, por exemplo, a necessidade de haver um parentesco de até quarto grau entre a doadora do útero e um dos responsáveis pelo futuro bebê. Caso isso não seja possível, cabe ao Conselho Regional de Medicina (CRM) autorizar o procedimento. Também é vedado o pagamento pelo “aluguel”. Em relação ao bebê de Philip, nenhum dos dois primeiros requisitos foi preenchido e há dúvidas se houve ou não envolvimento de dinheiro.

Além de não ser parente de Thamiris Vieira Menezes, 36, a mulher responsável pela gestação da criança, Philip nunca esteve antes no Brasil. Todo o procedimento de fertilização foi feito de forma remota, com o envio do espermatozoide e do óvulo de uma doadora anônima diretamente para o Brasil.

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(../Reprodução)

Mesmo sem haver relações pessoais, ambos assinaram no cartório um documento afirmando que possuem vínculos de amizade e que Thamiris cedeu seu útero, de forma espontânea e gratuita, para a gestação de um embrião fertilizado in vitro, com o espermatozoide do cidadão americano. “Ela reside em uma casa na periferia da cidade de São Vicente (litoral de SP), trabalha como promotora de vendas, recebe um salário mensal de aproximadamente 1 500 reais e, segundo os bancos de dados disponíveis, nunca viajou para fora do país, nem mesmo possuindo passaporte”, afirma um trecho da investigação.

A defesa de Thamiris, feita pela advogada Nicole da Silva Chiquetti, nega qualquer indício de irregularidade e diz que o procedimento foi “um ato de amor’.

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Diante de um conjunto robusto de indícios de incongruências e certos de que Philip e Thamiris não possuem nenhum sinal de relação pretérita, os investigadores passaram a analisar os responsáveis não apenas pela concepção da gestação, mas também pela intermediação dos contatos, objetivando, nesse segundo caso, uma apuração maior, envolvendo “barrigas de aluguel” ilegais.

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(../Reprodução)

Em relação aos procedimentos médicos, a Polícia Federal chegou ao Instituto Paulista de Reprodução Humana (IPRH), empresa paulistana que fez o tratamento em Thamiris a partir de maio do ano passado, mesmo sem haver autorização do CRM. A comprovação da relação comercial e médica ocorreu por meio de um termo de compromisso de cessão temporária de útero, assinada pelas três partes.

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Há duas semanas, em meio a uma possível ação de busca e apreensão no IPRH, a defesa do médico José Geraldo Alves Caldeira, dono da clínica, disse à Justiça que seu cliente possui mais de quarenta anos de carreira e jamais foi envolvido em nenhuma acusação de irregularidade. Também assegura que Caldeira está à disposição das autoridades para apresentação de documentos e esclarecimentos.

No mesmo documento anexado ao processo, o advogado Leandro Raca diz que a empresa de Geraldo Caldeira não faz intermediação da escolha de cedentes e citou o nome da empresária Juliana Silva da Paz. Procurada por meio de seus advogados, Juliana não respondeu como fez a intermediação entre Thamiris e Philip e se houve pagamento em dinheiro. “A empresa lidou de forma multidisciplinar com os termos necessários à realização do procedimento e assessorou o estrangeiro na busca de seu sonho em ser pai solo”, diz o advogado Bruno Ferullo, que defende Juliana.

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(../Reprodução)

Após o caso de Philip, a Polícia Federal passou a investigar outras dezenas de situações parecidas, ou seja, de pessoas estrangeiras que vêm ao Brasil procurar “barrigas de aluguel” de forma fraudulenta. A prática comercial é permitida em países como Estados Unidos e México, mas o alto valor (cerca de 500 000 reais, ante 50 000 reais no Brasil) abre caminhos para mercados paralelos.

Enquanto não obtém autorização para voltar para casa com o filho, Ghali pode negociar com o Ministério Público Federal uma delação premiada. Procurada, a defesa dele não confirmou a possibilidade. “Philip é pai biológico do menor. Por isso mesmo, eles poderão voltar para casa. Estão apenas aguardando autorização expressa do juiz para tanto”, diz a advogada Verônica Sterman. O caminho do mercado ilegal de bebês pode começar a ser desvendado.

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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873

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