Sura Berditchevsky e as “Cartas de Maria Julieta e Carlos Drummond de Andrade”
Sura Berditchevsky, de 58 anos, foi um rosto conhecido da televisão entre as décadas de 70 e 80. Nunca, no entanto, deixou de ser uma mulher de teatro. Atriz, diretora, dramaturga e escritora, ela também formou uma leva considerável de atores nos últimos 35 anos em cursos de interpretações, entre eles o Tablado de […]
Sura Berditchevsky, de 58 anos, foi um rosto conhecido da televisão entre as décadas de 70 e 80. Nunca, no entanto, deixou de ser uma mulher de teatro. Atriz, diretora, dramaturga e escritora, ela também formou uma leva considerável de atores nos últimos 35 anos em cursos de interpretações, entre eles o Tablado de Maria Clara Machado.
Paulistana, Sura mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na infância e não pisa em um palco de sua cidade desde 1982, quando participou da peça “Hedda Gabler”, protagonizada por Dina Sfat. O jejum começa a ser quebrado. No sábado (16), Sura Berditchevsky estreia no Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura, o monólogo “Cartas de Maria Julieta e Carlos Drummond de Andrade”. Em cena, ela dramatiza a correspondência trocada entre o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e sua filha, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade (1928-1987).
Para a preparação do espetáculo dirigido por ela e Luis Fernando Philbert, Sura contou com a ajuda preciosa do cenógrafo Pedro Drummond, filho de Maria Julieta e neto do poeta. Na forma de depoimento, a atriz relembra como foi elaborado esse trabalho, um pouco da relação com seus dois personagens e antecipa a emoção que espera transmitir aos espectadores.
Muito prazer, Juju
“Eu tive a honra de conhecer a Maria Julieta. Chamada por todos de Juju, ela era uma das melhores amigas da Maria Clara Machado, minha mestra e fundadora do Tablado. Nós nos encontramos algumas vezes, sempre com Maria Clara, e falar sobre o amor era nosso tema preferido. Só bem mais tarde, durante a pesquisa do espetáculo e correlacionando as datas, eu percebi que justamente naquela época ela enfrentava o fim do casamento com o Manolo, o poeta argentino Manuel Graña Etcheverry. Não imaginava que Maria Julieta estivesse vivendo um momento tão difícil.”
Um telefonema
“Em outra ocasião, por volta de 1986, Maria Julieta tinha vindo ao Rio para uma das cirurgias que fez devido ao câncer. Sabia por Maria Clara que ela estava deprimida, mas não o verdadeiro motivo. Então, me telefonou para pedir o contato do ilustrador de um dos meus livros infantis. Foi nesse momento que Maria Julieta editou “Gatos e Pombos”, ilustrado pelo Ricardo Leite, que trabalhou comigo no livro “Amor de Cão”.
Um presente do poeta
“Eu não cheguei a conhecer o Carlos Drummond de Andrade, mas guardo uma bela recordação. Pouco antes de sua morte, lancei meu terceiro livro infantil, “Os Olhos da Cara”, e a Editora Record pediu a ele que lesse. Foi quando recebi de presente um poema lindo, lindo, que coloquei no programa dessa peça. Veio junto de uma cartinha gentil, delicada e incentivadora, como era de seu costume.”
Baú de inspirações
“O trabalho com o Pedro foi emocionante. Ele tinha o desejo de ler as pastas deixadas pela mãe e pelo avô, mas também tinha muito medo. Aquele medo de entrar em contato com a sua história, com a memória da família, entende? E lá entramos nós dois, no gabinete do poeta, com todos os livros ao nosso redor. No começo, eu sentava um pouco afastada, não me sentia íntima. O Pedro lia tudo com uma lupa. Os papéis amarelados, as folhas finíssimas a letra corrida do Drummond e da Maria Julieta. Tudo difícil de ler.”
“Durante um ano, Pedro e eu lemos essas correspondências quatro ou cinco vezes por semana, sábados, domingos e feriados. O Miguel, filho dele e a carinha da avó, sempre ficava entre nós. Chegamos a brincar juntos de cabana. Ele fez inúmeras viagens de velocípede no corredor comprido do apartamento da Joaquim Nabuco, em Copacabana. Era um verdadeiro playground montado na sala, junto da mobília original de Drummond e Dolores, sua mulher.”
“Muitas vezes, o Pedro insistia em cartas que, para o meu objetivo e meu coração, não me diziam muito. Por outro lado, elas tinham significado para a vida dele e de sua família. Eu também me entusiasmava com alguns assuntos mais engraçados ou de interesse feminino que não o encantavam tanto. Nós dois acompanhávamos tudo como se fosse um folhetim, uma novela.”
O espetáculo ganha forma
“Eu iniciei a pesquisa em um papel em branco, angustiada para saber o que queria e como seria. Só carregava algumas certezas. Queria estar só no palco e dar voz aos dois. Quis entender o que havia de Carlos Drummond de Andrade na filha dele e o que havia de Maria Julieta no Drummond. Procurei entender essa relação que tanto ouvia falar de longe, desse pai que morreu doze dias depois da filha. Drummond a preparou amorosamente para a vida nessas cartas. Para ser um indivíduo independente. Com um olhar sensível e ao mesmo tempo sagaz. Isso me encantou e tento passar nesse espetáculo.”