A dona de um dos mais belos pares de pernas do teatro de revista paulistano era uma moça seríssima. Com Marly Marley, conversa fiada de malandro não colava. “Nunca posei nua e não suporto piadinhas a meu respeito”, dizia ela. Seu rebolado deixava os fãs eufóricos, e muitos não economizavam para lhe agradar. “Recebia flores, com joias escondidas no meio do arranjo. E devolvia todas”, garantiu a atriz, em novembro de 2010, em uma entrevista realizada em seu confortável apartamento no bairro do Paraíso. “Aceitar presente caro significava que teria de pagar com outra moeda valiosa.”
Essa firmeza foi exercitada desde a descoberta da vocação. Aos 17 anos, Marly olhou para a mãe e revelou que seu caminho a levava para o teatro de revista. “Se ela não me aceitasse, infelizmente eu sumiria de sua vida”, contou ainda. Nascida no Mato Groso e radicada em São Paulo desde a infância, a futura vedete notou a decepção que causara para a família, mas tratou de contornar a situação com maestria. Nunca deixou de estudar e tornou-se professora, formando-se mais tarde ainda em psicologia. A bela garota despontou na carreira artística e virou uma estrela das montagens do Teatro Natal, um dos principais palcos da revista paulistana. Marly integrou a última geração de ouro das vedetes em um tempo em que o gênero já percebia a necessidade de se reinventar para fazer frente a um concorrente de peso: a televisão.
A estrela deixou de lado as plumas e os paetês em 1965 e seguiu para o veículo emergente. Nos bastidores da Rede Bandeirantes, conheceu o humorista Ary Toledo, com quem se casou em 1968. A dupla não teve filhos e transformou o teatro no maior investimento da vida em comum. Grande sucesso de público na segunda metade da década de 80, a comédia O Vison Voador trazia Marly fazendo as vezes de produtora e protagonista em meio a um elenco que ainda reunia Marcos Caruso, Jussara Freire e Luis Carlos Arutim. Como jurada do programa de Raul Gil, uma nova geração conheceu a artista e os fãs de outros tempos puderam matar a saudade nos últimos anos. Suas opinião sempre foram muito firmes e não desfilava elogios gratuitos para os calouros. Na última sexta à noite, dia 10 de janeiro, Marly Marley se foi, aos 75 anos. Estava internada há um mês no Hospital São Camilo e não resistiu às complicações de um câncer de pâncreas.