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Filmes e Séries - Por Mattheus Goto

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“Sou ativista desde os 13 anos, antes de ser atriz”, afirma Dira Paes

A atriz paraense lança seu primeiro filme como diretora, com tema ligado à natureza, e celebra prêmios nos festivais de Veneza e Gramado

Por Mattheus Goto
27 set 2024, 06h00
Autoralidade: Dira Paes em destaque no elenco, roteiro e direção
Autoralidade: Dira Paes em destaque no elenco, roteiro e direção (Renan Oliveira/Divulgação)
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O último mês foi de realizações para Dira Paes, 55. No fim de agosto, a atriz paraense viajou a Veneza como parte do elenco de Manas, de Marianna Brennand, que recebeu o título de melhor direção na Giornate Degli Autori, seção independente dedicada a novos cineastas.

Lá, conheceu grandes nomes do cinema mundial, como Pedro Almodóvar. Também no mês passado, o filme Pasárgada, que marca sua estreia na direção de um longa, foi exibido pela primeira vez no Festival de Gramado e ganhou o Kikito de melhor desenho de som.

O projeto autoral, com sua assinatura também no roteiro, chega nesta semana aos cinemas do país. Na trama, ela interpreta a ornitóloga Irene, que realiza um mapeamento de pássaros em Macaé (RJ), usado pelo contrabando internacional para localizar espécies.

Com a sensação de solidão e insatisfação, aos 50 anos, começa a se questionar sobre a vida e se reencontra com sua tropicalidade interior quando surge Manuel (Humberto Carrão), um mateiro que fala a língua dos pássaros.

O enredo e o caminho percorrido por Dira fazem jus à sua origem, nascida na Amazônia e conectada com a causa ambiental desde jovem — assunto que considera cada vez mais preocupante e incontornável, diante do aumento das queimadas.

Como surgiu a ideia para Pasárgada?

Ao longo de tantos anos no cinema, sentia alguns impulsos e pensava: “Se fosse eu, faria assim”. Essa máxima se amplificou durante a pandemia. Eu e o Pablo (Baião, seu marido), fotógrafo do filme, queríamos fazer um projeto juntos e a pandemia fez a gente estar disponível. Abracei a causa e virou uma questão visceral. Ia dormir e acordava pensando nisso. E a maturidade, com os 50 anos, me deu vontade de voar. Tinha um desejo de fazer o que não fiz, me provocar existencialmente. Queria participar ao máximo de todas as etapas da feitura.

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Como o local de gravação e o tema dos pássaros foram escolhidos?

Eu passei um tempo isolada na Fazenda Três Marias, no Sana, na Serra Fluminense. Quando fui me confinar lá, sabia que tinha encontrado a locação. Foi um olhar cinematográfico a tudo. Os pássaros vieram da observação do lugar. Naquele período, de quarentena, eles eram protagonistas daquela natureza viva. Quando fui pesquisar, me deparei com o dado de que o tráfico de animais silvestres é o terceiro maior do mundo, perdendo apenas para armas e drogas. Quis falar sobre isso, o fetiche em pássaros é muito cruel.

Qual é a mensagem do filme?

Tem um sentimento de conexão com a natureza. A penetração da Irene na mata é também consigo mesma. Fala sobre a solidão de uma mulher, que não sabe lidar com afetos e vai ficando sensível. Também queria mostrar o oposto dos papéis que costumo ter, para que o público me visse diferente.

Sua relação com a natureza mudou com esse projeto?

Eu falo que atriz sempre tem que ceder espaço no “HD” para aprender. Na época da filmagem, sabia várias questões científicas. O universo da observação de pássaros é viciante. Existe um desejo dos ornitólogos de avistar determinadas espécies, como a Calyptura cristata, ou tietê-de-coroa, uma ave de 10 centímetros, cabeleira vermelha, branquinho e detalhes rajados. Já foi avistado duas vezes, mas nunca se conseguiu fotografá-lo. Também comecei a refletir sobre a relação da cultura de pássaros em gaiolas. A maioria das espécies, cerca de 80%, elege um parceiro para a vida inteira. Forçá-las a viver isoladas é uma crueldade abissal e convivemos com isso com naturalidade.

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As queimadas são uma preocupação?

Se o filme tivesse sido gravado hoje, as queimadas com certeza estariam presentes. Tantos pássaros não sobreviveram por causa delas. A arte está envolvida com a vida, conectada com a natureza.

“Se não fosse a sociedade civil, este país já teria colapsado há muito tempo. A gente precisa se organizar socialmente para ser agente social. É sobre cidadania”

Dira Paes

Qual é sua relação com a causa ambiental?

Sou ativista desde os 13 anos, antes de ser atriz. Sou amazônida. Com essa idade, entendi a questão da terra. O sul e o meio do Pará foram totalmente dizimados. Despertei para o ativismo jovem. Infelizmente estava certíssima, porque estamos vendo os resultados hoje. A pauta ambiental tem a ver com tudo. Quem pensa que não é ativista, querendo ou não, é. Se não quer aplicar o ativismo, vai aplicar o ódio, o não saber.

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Que soluções vê para a crise climática?

Se não fosse a sociedade civil, este país já teria colapsado há muito tempo. Precisamos nos organizar socialmente para sermos agentes sociais. Você não pode impor suas leis. É sobre cidadania. Temos que voltar para o diálogo. Nós todos precisamos ser ativistas. Quem ativa é um ator. São pessoas que pegam um pensamento e transformam em ação.

Quais são os desafios de ser uma mulher na direção?

Foram pessoas muito amigas que estiveram comigo no set e elenco, o que ajudou. Mas dirigir me trouxe uma mistura de prazer e dor. Era uma responsabilidade diária, uma tensão. A demanda da decisão, o tempo todo em alerta. Mas isso é bom. Tem coisa boa que dói. Foi um exercício da alma.

Como foi a experiência em Veneza?

Conheço o projeto do Manas desde o nascimento. Sou amiga de Marianna há muitos anos. Ela escreveu a personagem para mim. Li o roteiro e fiquei encantada. A reação das pessoas em Veneza nos deu uma ideia de que fomos bem. Foi uma experiência fantástica. Fui também à sessão do Walter Salles, com seu filme incrível (Ainda Estou Aqui) e elenco maravilhoso. A força do cinema brasileiro nos deu orgulho. Tive o prazer de ter um momento com (Pedro) Almodóvar. Encontrei com ele de forma espontânea, cumprimentei e falei que sou atriz brasileira, amiga de Caetano (Veloso). Fiz essa aproximação, essa conexão. Também sentei ao lado do (Giuseppe) Tornatore. É muito boa essa troca. São experiências únicas desse mundo “cinderelesco” dos grandes festivais.

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Em que projetos está trabalhando?

Tenho o lançamento desses trabalhos cinematográficos no Festival do Rio, e o Pasárgada vai começar carreira internacional. Estreia neste ano a série Pablo e Luisão, do Globoplay, sobre a família do Paulo Vieira, em que participo como atriz. E tenho outras ideias e projetos pessoais. Estou recebendo convites interessantes como diretora. A atriz é protagonista, mas a porta da direção foi aberta e não se fecha mais.

Publicado em VEJA São Paulo de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912

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