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Vinho e Algo Mais

Por Por Marcelo Copello Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Especialista na bebida, Marcelo Copello foi colunista de Veja Rio. Sua longa trajetória como escritor do tema inclui publicações como a extinta Gazeta Mercantil e livros, entre eles "Vinho e Algo Mais" e "Os Sabores do Douro e do Minho", pelo qual concorreu ao prêmio Jabuti
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Sete lições do vinho ao coronavírus

Os apreciadores da bebida podem desenvolver qualidades que são muito úteis para enfrentar o momento de pandemia

Por Marcelo Copello
Atualizado em 20 jan 2022, 14h10 - Publicado em 29 abr 2020, 12h42
 (Shutterstock/Divulgação)
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O que quero dizer com o título que você leu acima é: a cultura dessa bebida ajuda a desenvolver em seus apreciadores qualidades que podem ser valiosas para enfrentar este momento de pandemia. Vejamos quais são:

Paciência

A paciência é uma das grandes virtudes humanas, que tem como primas a constância, a esperança e a coragem. Toda crise traz em si uma porção de perigos e riscos, que demandam coragem e paciência para sua realização, ingredientes cada vez mais raros na raça humana.

O vinho nos ensina uma noção de tempo que está se perdendo em nosso mundo imediatista. Os adeptos de Baco sabem que a elaboração da boa bebida requer tempo (além de esforço, conhecimento e ajuda da natureza). Desde a colheita até o envelhecimento em garrafa, a noção de causa e consequência se dilata e é posta em perspectiva.

O vinho nos ensina a saber esperar, às vezes por anos, até que o conteúdo de uma garrafa atinja seu auge. Ao retirarmos a rolha, flagramos o resultado desse demorado e laborioso processo, que pode ter começado décadas antes. Ao servir, precisamos esperar um pouco mais, até que a temperatura seja a ideal, que os aromas se abram no decanter e na taça, até o momento certo, qualitativo e inesquecível, que valerá por mil anos. A paciência, que requer o vinho, é fundamental para enfrentar o isolamento social e a crise econômica pós-isolamento que nos ameaça.

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Companheirismo

Uma das características de nossa cultura contemporânea, mesmo antes da pandemia, é o isolamento. Apoiados em tecnologia e serviços, ameaçados pela violência e pressionados pela competitividade, tornamo-nos, nos últimos anos, “autossuficientes”, nos isolamos. O vinho é o avesso disso. É gregário, une pessoas em torno de uma garrafa e inspira hábitos que caíram em desuso, como o de conversar e partilhar.

A intolerância entre os povos, agravada por barreiras culturais, tem na mesa seu mais antigo e eficiente campo de entendimento e aproximação. E nela as bebidas cumprem papel fundamental. Historicamente gregárias, são responsáveis pela união entre os homens. Da missa aos bares, ao elevar os copos a comunhão se estabelece. Esta união, camaradagem e companheirismo são qualidades fundamentais para enfrentarmos a crise, que é global, e só com união e ajuda mútua será vencida.

Isolamento

Como dito anteriormente, o vinho é por natureza gregário e combate o isolamento. Há, porém, um outro aspecto. As regiões vinícolas são, em sua maioria, geograficamente isoladas dos grandes centros urbanos. Essa característica faz com que se tornem ilhas de segurança em termos de risco de contágio.

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Não são tão numerosos os casos da Covid-19 em algumas regiões, como o Alentejo, no sul de Portugal. Lá, até a publicação deste texto, havia 214 infectados, contra mais de 10.000 de outras regiões (e mais de 7.000 em Lisboa), e, infelizmente, um óbito.

A lógica se repete na maioria das regiões vinícolas, como o Vale dos Vinhedos, por exemplo,distante pouco mais de 120 quilômetros  de Porto Alegre. Flores da Cunha, na Serra Gaúcha, só registrou um caso de contaminação (sem óbito) de um profissional da área da saúde. Há outros 16 suspeitos em isolamento domiciliar, aguardando os 14 dias de quarentena.

A regra, contudo, é: onde há vinhedos há um isolamento natural. Existem exceções, regiões próximas ou parte de centros urbanos, como Maipo (Chile), Bordeaux (França), Hunter (Austrália) e Lisboa (Portugal).

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A indústria do turismo foi uma das mais afetadas pela pandemia e será uma das últimas a se recuperar. O enoturismo, porém, tende a ser uma das opções  mais seguras para os viajantes.

Hedonismo

A bebida de Baco é um elemento importante de filosofias contemporâneas, como o hedonismo (culto ao prazer) e o esoterismo, e do culto à vida saudável. Deixou, nas últimas décadas, de ser uma bebida alimentar popular nos países europeus para se globalizar, associando-se ao prazer hedonista, à sensibilidade, à saúde, à sofisticação, à cultura, à alegria de viver e à renovação, representada por cada nova safra. O vinho pode ser visto, por consequência, como um símbolo nesta reconstrução do homem por si mesmo.

O homem de hoje vive à procura de sensações, de emoção, de experiências. Neste momento, em que não podemos experimentar o mundo lá fora, o vinho é uma forma de viajar sem sair da taça.

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Humildade

Das maiores e mais raras qualidades humanas, a humildade é a consciência de uma limitação. No vinho, todo conhecimento é limitado, ante à ilimitada complexidade da bebida e de sua infinita diversidade. Costumo dizer que a degustação às cegas é uma lição de humildade e um grande aprendizado. Sem humildade, com arrogância, e sem a consciência do grande poder do inimigo, no caso um microscópico vírus, jamais venceremos esta batalha.

Disrupção

O momento é, em si, disruptivo. O mundo deu uma guinada radical e inesperada. Hora de não deixar o vinho virar vinagre, de enxergar novos negócios, de desenvolver novas habilidades. A história do vinho é repleta de situações onde a adversidade se tornou vantagem. O maior exemplo é a criação do champanhe. A região, à nordeste de Paris, fria por natureza, até o século 17 tinha dificuldade de fazer tintos para competir com os borgonhas, mais apreciados à época. Por que então não fazer vinhos brancos a partir das uvas tintas pinot noir que não conseguiam amadurecer o suficiente para se tornar bons tintos? Este foi um dos pilares do nascimento do champanhe, um dos vinhos de maior prestígio e valor do planeta.

Resiliência

Resiliência, persistência, versatilidade, adaptabilidade, superação, evolução. Sem estas qualidades como estas não superamos nenhuma crise, e tudo isso encontramos exemplificado em profusão na cultura do vinho.

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A começar pelo líquido em si, que traz em suas qualidades intrínsecas a persistência gustativa e aromática, a versatilidade gastronômica, adaptabilidade a diversas situações e estações do ano, e, eventualmente, grande potencial de evolução na taça e em garrafa.

Ser um profissional do vinho exige intenso estudo. Obter títulos como Master of Wine ou Master Sommelier, por exemplo, pode significar anos de estudo aprofundado, exigindo grande resiliência. E mesmo para se envolver com o vinho apenas por prazer, estas qualidades ajudarão muito.

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