Como Rafa Brunelli se entendeu e aceitou sua deficiência
"Meu corpo era um corpo diferente e eu logo o associava a um corpo feio"
Eu descobri a minha deficiência com 11 anos. Mesmo eu já tendo, não sabia ainda por que ela não se demonstrava fisicamente no meu corpo. Então, com os estirões de crescimento, a minha coluna começou a ter lordose, cifose e escoliose. A partir daí, percebi que o meu corpo era diferente.
Fui a um médico especialista em coluna e foi descoberta a neurofibromatose, uma doença hereditária que faz nascer algumas bolinhas de gordura no corpo. No meu caso, essas bolinhas nasceram entre as vértebras e por isso foi aparecendo essa curvatura na minha coluna.
No começo, era muito difícil, porque eu percebia que o meu corpo era um corpo diferente e eu logo o associava a um corpo feio, né? A gente está muito acostumado a ver corpos magros, musculosos, brancos, enfim, corpos padrões, tendo sucesso em tudo: profissional, afetivo… Como meu corpo não era desse jeito, pensei que não teria isso em nenhuma dessas áreas.
Passei a adolescência sem viver aqueles amores que todo mundo vive. Na verdade, eu vivi, mas só na minha cabeça, porque não tinha coragem de expor. E, nas vezes que eu expunha, vinha uma negativa muito forte. Hoje eu associo, sim, que a minha deficiência pode ter sido uma das causas dessas eternas negativas de afeto e coisas do tipo.
Nesse meio-tempo também tinha o “plus” de me entender como uma pessoa que se interessa por todos os gêneros. Então tive esse combo de me entender como um corpo com deficiência e um corpo LGBTQIAPN+.
A adolescência foi um período triste, porque eu me olhava no espelho e não conseguia me achar bonito, interessante, atraente. E, depois, fui por um lado de relevar, de ignorar que a deficiência existe; foi mais aquela coisa de aceitação, mas uma aceitação no sentido de “melhor não pensar nisso, porque se eu pensar nisso eu vou ficar triste”, jogava para debaixo do tapete.
Com o tempo, o sentimento foi ficando mais brando, mais tranquilo, e um pouquinho antes da pandemia esse empoderamento veio em relação a me denominar PcD e me colocar num grupo…
Eu fiquei muito tranquilo, porque vi que tem outros corpos parecidos com o meu, com outras deficiências também, e apesar de eu saber que existiam, é claro, não conseguia colocar essa palavra dentro de mim, porque pra mim deficiência era só a pessoa que era cega ou a que não podia andar, esses casos que a gente está acostumado a ver.
A internet me ajudou muito porque eu comecei a expor toda essa minha descoberta, e junto com o meu público fui me empoderando.
Falta muito esse espaço na internet de um corpo com deficiência mostrar que está tudo bem, de ter uma deficiência e não só levar aquele peso negativo. Meu objetivo é mostrar que nós somos pessoas com deficiência, não somos a nossa deficiência.
E é bem legal o retorno do público, justamente com respeito a esses pontos… de uma pessoa sem deficiência entender que ela pode ser capacitista usando vocabulário, expressões, pensamentos que estão enraizados na sociedade… Percebi que o meu lugar é justamente ser essa professorinha, de trazer esse conhecimento para as pessoas. Afinal, se tem conhecimento, tem mudança
Quem é Rafa Brunelli
Rafa Brunelli (@rafabrunelli) produz conteúdos voltados para a luta PcD. Jovem de 31 anos, possui neurofibromatose, é não-binárie e pansexual. Aborda diferentes pontos sobre o tema nas redes sociais e também em sua coluna em vídeo no Terra Nós.
Publicado em VEJA São Paulo de 19 de janeiro de 2024, edição nº 2876