Me sinto abençoado por ser pai de duas meninas pretas
Para o engenheiro Luciano Machado, é preciso aprender a valorizar e ensinar aos filhos a história de seus ancestrais
Em 1851, na Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio, Sojourner Truth fez um discurso histórico intitulado “Não sou uma mulher?”, em que ela escancara o racismo estrutural e a forma como as mulheres brancas de sua época sempre foram tratadas com muito zelo, cuidado, proteção, ao passo que as mulheres negras foram relegadas à solidão e ao trabalho. E é exatamente deste ponto que eu parto, pois muitas das vezes é necessário darmos alguns passos para trás para que possamos construir um presente menos insalubre para quem amamos.
Sou uma pessoa completamente realizada e feliz por ser pai de duas meninas pretas. A forma de criá-las e conduzi-las é baseada em tudo aquilo que estudamos, aprendemos e acreditamos. Lorena, a caçula, tem 7 anos, já Maria Luísa tem 10. Faço parte de uma família preta extremamente unida e acredito que essa seja uma das nossas maiores qualidades. Sou casado há dezessete anos com uma mulher muito inteligente e linda, Joyce Ribeiro, e estamos completando 22 anos juntos neste ano.
Olho para as minhas filhas, mesmo sendo tão jovens, e já consigo enxergar tantos talentos e virtudes. Elas têm diversos sonhos, e, como pai, quero poder ajudá-las no caminho de realização da melhor forma possível, mas também tenho o papel de orientá-las e explicar que, apesar da vida confortável que elas têm, não podemos esquecer que vivemos em um país com extrema desigualdade social. Lolô, por exemplo, gosta de cantar e desenhar, além de querer aprender a tocar piano e a falar línguas africanas, como o iorubá; já Malu fala inglês, pratica diversas modalidades esportivas e tem uma habilidade manual notória tanto para cozinhar quanto fazer arte, pois ela é uma artista nata! Adora mangás e tem um amplo conhecimento e interesse pela cultura japonesa.
Minhas filhas, além de me ensinarem o tempo todo, também me enchem de orgulho, quando dizem que querem aprender mais sobre a cultura africana e entender suas origens. Apesar de enxergar pequenos avanços, infelizmente, os livros de história ainda carregam um discurso eurocentrado e trazem pouca informação sobre o continente africano. Precisamos aprender a valorizar a história dos nossos ancestrais e ensinar os nossos filhos a história que a História não conta.
Por mais difícil que seja viver num país estruturalmente racista, ter duas filhas pretas é um grande presente e preenche completamente meu sonho de ser pai. Assim como minha esposa, sou muito consciente da realidade que as cerca e o nosso papel é prepará-las para todos os tipos de preconceitos que existem na sociedade. As mulheres pretas estão cada vez mais confiantes e empoderadas. Precisamos aprender a enaltecê-las e tratá-las com todo o respeito e amor do mundo.
Luciano Machado (@engenheirolucianomachado) é sócio da MMF Projetos, engenheiro civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com MBA em gestão empresarial pela FGV, especialista em geotecnia pelo Instituto Brasileiro de Educação Continuada (INBEC) e filósofo pela Universidade Cruzeiro do Sul.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854