“Não estou dando aulas nem posso visitar outros artistas”, diz Paulo Pasta
"Em um momento desses, pintar é importante, porque me coloca na realidade de uma forma menos desesperada”, completa o artista
Em 2018, quando entrevistei o pintor Paulo Pasta, de 61 anos, para a matéria de capa Onde Nasce a Arte, o enfoque era sua rotina no ateliê no bairro da Barra Funda e as muitas obras que ali se sobrepõem. Agora, com a perspectiva turva de um futuro próximo, parece mais oportuno mirar detalhes de sua biografia, bem como a atmosfera que envolve suas telas que parecem fazer o observador viajar em cores.
Nascido na cidade de Ariranha, a 428 quilômetros da capital paulista, o artista traz em seu sobrenome uma de suas ascendências. “Pasta vem dos meus avós paternos. Eles eram do norte da Itália, de uma região da Lombardia próxima a Bérgamo”, conta ele. A referência à cidade italiana que vive momentos dramáticos devido à pandemia de coronavírus conduz a reflexão sobre os efeitos da crise humanitária em curso no mundo. “Não estou dando aulas mais, nem posso visitar outros artistas. Continuo indo para o meu ateliê todos os dias, onde trabalho sozinho. Em um momento desses, pintar é importante, porque me coloca na realidade de uma forma menos desesperada”, afirma.
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Por lá, em uma sala, com uma única janela, o artista alimenta a memória com fotografias tiradas com o celular, pequenas anotações e algumas cartas. Uma delas, escrita pelo escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002), está pendurada por uma das pontas em uma prateleira. Um de seus trechos funciona como conselho atemporal: “O que caracteriza um artista é seu olhar para si mesmo. Você se torna original procurando suas origens, e não fazendo algo diferente”. Essa busca sem tutorial nem paralelo com outrem demanda tempo e um pouco de isolamento. Pasta sabe bem disso: “O apreço pelo silêncio e pelo vazio me constitui desde sempre. Em um determinado momento, eles afloraram”.
O pintor, porém, não dá uma única forma a esse aquietamento: “Em Ariranha, um terço da paisagem era terra, os outros dois terços eram céu. As nuvens que eu via lá não deixam de ser uma forma de silêncio”. Ainda nesse mergulho, o artista encontrou as protagonistas de sua produção: as cores. “Por meio delas, falo de forma mais incisiva”, diz ele. Decupadas em tons próximos, elas parecem brincar com os olhos e as emoções. Guiadas pelo contraste entre diferentes matizes, originam no mínimo meia dúzia de relações que parecem funcionar como uma análise combinatória, vinda das aulas de matemática. Os desejos de precisão e previsão, no entanto, não têm caminhada muito longa para o pintor. “Não gosto de estudar cor, prefiro entender a experiência de artistas com elas”, conta.
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Ampara sua escolha uma citação que diz ser do francês Paul Cézanne (1839-1906): “É impossível reproduzir o efeito da luz na natureza, mas é possível representá-lo, e isso eu consigo fazer”. Nessa torrente, soma-se ao adeus à verossimilhança e à valorização do olhar do pintor uma ideia de erudição que não se restringe ao ingresso em universidades — e, acho eu, nem ao pertencimento a altas rodas ou a uma bibliografia na ponta da língua. “Arte não se ensina, arte se aprende com a convivência, indo a exposições”, afirma o paulista, que conclui seu raciocínio com uma frase forte: “Se a sensibilidade não chega, não é o conhecimento que vai te levar”. Com tom mais ameno, a conversa termina com ele falando sobre dois espelhos pequeninos, pendurados em uma das paredes do banheiro por fitas branca e vermelha: “Distribuíram eles em um casamento, peguei e fiz deles olhos, que me veem e pelos quais também me olho”.