Memória: Armando Coelho Borges (1937-2013)
Crítico de restaurantes de VEJA SÃO PAULO entre 2000 e 2003, o advogado e relações-públicas Armando Coelho Borges morreu ontem em Porto Alegre aos 75 anos. Ele estava entre as pessoas mais elegantes que conheci, um homem de refinada cultura sem qualquer traço de pedantismo diante de sua grande sabedoria. Era a perfeita definição de […]
Crítico de restaurantes de VEJA SÃO PAULO entre 2000 e 2003, o advogado e relações-públicas Armando Coelho Borges morreu ontem em Porto Alegre aos 75 anos. Ele estava entre as pessoas mais elegantes que conheci, um homem de refinada cultura sem qualquer traço de pedantismo diante de sua grande sabedoria. Era a perfeita definição de gentleman. O cavalheiro Armando tinha sempre um sorriso estampado no rosto e conversava animadamente sobre qualquer tema. Além da culinária, um de seus assuntos favoritos era o vinho. Era também um apaixonado por jazz e música clássica. Cheguei inclusive a encontrá-lo em alguns concertos no Teatro Municipal. Morava em São Paulo desde 1978.
Meu primeiro contato com ele foi quando foi convidado para ser jurado da edição especial “Comer & Beber” em 1999. Saímos algumas vezes para almoçar e, em uma delas, ele me levou a um restaurante japonês da Liberdade, que nem existe mais. Queria me apresentar uma receita especial. Veio à mesa uma lagosta inteira com a carapaça aberta com bem cortados sashimis dentro dela. Durante a refeição, levei um susto ao perceber que o crustáceo estava vivo e mexia as “antenas”.
Quando saí de VEJA SÃO PAULO para ser editor de gastronomia da Gazeta Mercantil no fim desse mesmo ano, Armando me sucedeu na prazerosa tarefa de avaliar restaurantes da cidade. Durante o período em que esteve na revista, fez resenhas brilhantes. Uma das que mais gosto é justamente sobre um restaurante brasileiro, o Joana Francesa, local simples que existiu no Itaim. Inclui a resenha no fim do post.
Armando resolveu se afastar do trabalho em VEJA SÃO PAULO dez anos atrás por causa de problema de saúde decorrentes de um AVC. Mais recentemente, ele que já havia escrito sobre gastronomia para a IstoÉ e a CartaCapital voltou a resenhar o tema na The President. Ultimamente, estava entusiasmado em exercer sua verve literária no “Blog do Armando”, do portal Living Alone.
Espirituoso, tinha muitas histórias curiosas para contar. Uma das mais divertidas foi a da aposta que fez com amigo e escritor Luis Fernando Veríssimo. Os dois sempre disputaram quem conheceria primeiro o estrelado restaurante Maison Troisgos, em Roanne, no interior da França. Quem fosse antes, teria a refeição paga pelo outro. Armando perdeu a aposta. Recebeu de Veríssimo uma carta. Dentro do envelope estava apenas a nota da refeição. “Mandei para ele pagar ”, relembra Veríssimo, o amigo e compadre, autor da brincadeira e que o acompanhou até o funeral. “Acho que nos conhecemos em 1969. Íamos muito ao futebol como torcedores Internacional. Ele era uma pessoa generosa. Como apreciava muito música e literatura, gostava de compartilhar seus gostos oferecendo de presente DVDs e CDs.”
Armando vinha se tratando de um câncer no pâncreas, mas a doença foi fulminante. Ele preferiu mudar-se de São Paulo para Porto Alegre há pouco mais de um mês para ficar perto da família. Pai de Silvia, 49 anos, Luísa, 42 anos, e Maria Eduarda , 17 anos, ele preferiu morrer na capital gaúcha. E assim o fez. Foi cremado nesta tarde.
Resenha publicada em 31 de maio de 2000
Brasileiro apurado
Joana Francesa traz o sabor da nova cozinha nacional
Armando Coelho Borges
O crítico precisa encontrar restaurante, de preferência novo, que valha a pena resenhar, para dar alegria ao leitor. Muitas vezes acha. Pode-se imaginar, também, as experiências ruins. De todos os preços e tamanhos. Cheias de erro e mediocridade. Ou de resultados dúbios, como restaurantes três em um, que juntam culinárias de partes diferentes do globo. Mas há recompensas. A ferramenta de trabalho, que a natureza deu e bondosamente renova, é o apetite. Esse otimista incorrigível nunca perde a esperança.
Joana Francesa, do filme de Cacá Diegues, com Jeanne Moreau e canção de Chico Buarque, quem diria, mora no Itaim. E que surpresa! É ótimo restaurante. O couvert (com beiju, bolinho de bacalhau e molho africano) traz a premonição. O carpaccio de abóbora (R$ 6,00), com azeite aromatizado e alcaparras, deliciosamente simples, não perde para a nouvelle cuisine. O escondidinho à joana (R$ 5,50), com mandioca, carne-seca e queijo cremoso, é uma criação. Nos pratos principais, o camarão com pérolas de chuchu (R$ 26,00), ao molho de tomate e pirão de acaçá, é a nova cozinha à brasileira, saborosa, mas sutil. A carne-seca (arroz com leite de coco, molho de camarão seco e quiabo frito, R$ 20,00), e obrigatórias gotas do molho de pimenta, outra sensação. Há mais pratos. Boas sobremesas, instalações adequadas, iluminação correta, cozinha visível e até uma pequena horta.
Guarde o nome da chef de cozinha: Chuca Cardoso. Publicitária, baiana, mexe com panelas desde criancinha. É a sócia que fica (e precisa ficar) ao fogão. Seu dom, inato, pode crescer ainda mais. Não espere carregação, comida pesada, à brasileira. É tudo apurado, como cozinha de autor. Ronda nossas quatro estrelas. A trilha sonora, de bom gosto, traz Chet Baker cantando Candy. Pena a lista de vinhos. É quase inexistente.