Moradores, associações e ambientalistas se unem pela grota do Bixiga
Objetivo é de tentar frear avanço de construções em área de nascentes de água; união já surtiu efeito e levou Promotoria a abrir procedimento
O avanço de empreendimentos imobiliários na grota do Bixiga, uma área formada por nascentes e lençóis freáticos, sempre preocupou moradores do bairro e ambientalistas. A situação vem chamando a atenção de entidades, estudiosos de várias áreas e associações, que estão se organizando para acionar a Justiça para que obrigue o poder público a impor maior rigor na liberação de novas obras e incremento na fiscalização daquelas já existentes, além de tentarem convencer as autoridades a fazer da área uma zona especial de proteção ambiental, chamado tecnicamente de Zepam, que praticamente inviabiliza que novas construções sejam feitas na região. “As nascentes difusas são importantes e têm necessidade de proteção, o que é amparado até pela Constituição Federal. Buscamos proteção não só do ambiente, mas também das pessoas que moram ali e que circulam na região”, afirma a advogada Célia Marcondes, da Appit (Associação dos Proprietários, Protetores e Usuários de Imóveis Tombados).
Essa união de esforços já colheu o seu primeiro fruto na última terça- feira (6), quando a promotora de Justiça do Meio Ambiente Maria Gabriela Ahualli Steinberg instaurou uma PAA (Portaria de Procedimento Administrativo de Acompanhamento) sobre o caso. O objetivo é reunir informações de diversas fontes, sobretudo das incorporadoras, para saber se houve falha nas medidas de fiscalização em relação às nascentes e cursos de água e checar qual é a extensão do dano ambiental que esses empreendimentos imobiliários podem trazer. “Vamos solicitar informações, perícias, artigos de docentes, professores e de órgãos técnicos. Com base em toda essa informação, podemos avaliar a política pública para a região”, diz. Entre as fontes de informação estão as duas ações na Justiça contra quatro empreendimentos entregues ou em construção, além de seis inquéritos civis em andamento que investigam irregularidades em outros seis na mesma área. São casos como o do Ascent Paulista e o Ascent Paulista Select, da incorporadora Niss, nas ruas Doutor Seng e Silvia, locais que ambientalistas e especialistas afirmam estar na grota do Bixiga (foto abaixo). Em 2021, a obra chegou a ser suspensa, porém, a construtora apresentou estudos próprios dizendo que o prédio não estava em uma área de preservação, e a Justiça, mesmo sem ter laudos próprios a respeito, suspendeu a liminar e permitiu a continuidade do empreendimento. “A existência de uma ação civil pública, por si, não é impeditivo para prosseguimento e conclusão de obras, entrega de unidades e sua utilização pelos adquirentes”, diz o advogado Douglas Nadalini, que representa a Niss. Outro caso é o da Trisul, que já começou as obras do prédio, mesmo após ser questionada judicialmente. Geólogo que atuou durante mais de trinta anos no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), Álvaro Rodrigues afirma que a construção de prédios na grota do Bixiga interfere diretamente nas águas subterrâneas e na rede hidrográfica de toda a cidade. “Tudo indica que o mais correto seria evitar novas construções. Seria o melhor não apenas para o Bixiga, mas para toda a população da cidade de São Paulo”, diz. Para o ativista ambiental Diego Gazola, 41, também morador da região, a recorrente verticalização na área onde emergem as nascentes vai piorar ainda mais o fluxo hidrológico na região, que, segundo ele, já é muito ruim. “Haverá mais enchentes na Avenida 9 de Julho e pode provocar novos afloramentos em locais já estabilizados, prejudicando muros de arrimo, ruas, calçadas, imóveis”, afirma.
A prefeitura de São Paulo informou que os projetos tiveram aval do conselho de patrimônio, o Conpresp. Afirmou ainda que foram emitidos alvarás de aprovação e de execução de edificação nova para os empreendimentos da Niss. No caso da Trisul (foto abaixo) o que consta é um pedido de alvará de aprovação e execução de edificação nova ainda em análise. “Toda a análise de processos de emissão de alvará segue os ritos estabelecidos na legislação municipal vigente”, diz a nota. A Subprefeitura da Sé informou que faria vistorias aos empreendimentos para avaliar a documentação deles.
Publicado em VEJA São Paulo de 14 de junho de 2023, edição nº 2845