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Socorro, chef novato!

Convidei amigos para comer um bacalhau cuja receita aprendi. Passei horas no liquidificador batendo amêndoas com azeite até formar uma pasta. Cobri as postas do peixe. Num impulso, pus mais sal e botei no forno. No prazo previsto o timer deu o alarme. Na primeira garfada, um convidado reclamou: – Está salgado! – O meu […]

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h46 - Publicado em 18 set 2009, 20h18
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  • Convidei amigos para comer um bacalhau cuja receita aprendi. Passei horas no liquidificador batendo amêndoas com azeite até formar uma pasta. Cobri as postas do peixe. Num impulso, pus mais sal e botei no forno. No prazo previsto o timer deu o alarme. Na primeira garfada, um convidado reclamou:

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    – Está salgado!

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    – O meu não está – menti, enquanto a salmoura descia na minha garganta.

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    Os outros confirmaram: salgadíssimo. Um a um, afastaram os pratos. Disfarcei:

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    – Mas eu comprei bacalhau dessalgado! Fui enganado!

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    Omiti o sal no último instante e outras pitadas no decorrer. Todos afirmaram que estavam sem fome enquanto roíam os últimos pedaços de pão. Íamos sair juntos. Lembraram-se subitamente: precisavam ir a uma loja enquanto eu me trocava. Mal saíram fritei dois ovos. Enquanto certamente meus convidados se esbaldavam na lanchonete mais próxima.

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    Apesar de algumas tragédias, eu me considero um chef. Se entro em alguma loja de produtos de culinária, quase enlouqueço. Compro pecinhas de design misterioso. Em casa, não lembro para que servem. Já andei quilômetros atrás de minimixer, máquina de fazer pão, cortador de frios doméstico, medidores, balancinhas e mil outros apetrechos. Recentemente, minha batedeira quebrou. Escolhi um modelo sofisticado, com velocidades diferentes para cada receita. Nunca entendi o manual. As claras voaram pelas paredes da cozinha. Finalmente comprei um modelo simplesinho, do tipo liga e desliga.

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    Não sou o único. Há uma geração de novos chefs, para susto de quem os cerca. Conhecem vinhos. Investem em receitas sofisticadíssimas. Mas são incapazes de fazer arroz com feijão, bife acebolado ou omelete. Têm panelas de todo tipo. Instrumentos dignos de uma sala cirúrgica. Na hora H, salve-se quem puder! Um amigo me chamou para uma moqueca. Estranhei.

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    – E o tomate?

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    – Tirei, não gosto. Também não pus pimenta.

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    O sabor era de peixe enxaguado na máquina de lavar.

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    – Gostou? É a primeira vez que faço.

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    – Maravilhosa! – respondi.

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    Vou dizer o quê? Outro contratou um professor particular para aprender a fazer espuma. É uma grande moda na culinária atual, transformar alimentos em espuma. Comprou um aparelho especial, aprendeu e fez um jantar. Prato principal: peixe com espuma de castanha portuguesa. Sobremesa: espuma de morango. A mesa parecia uma banheira de hidromassagem! A de castanha tinha um saborzinho lá no fundo, a de morango menos ainda. O peixe grelhado, sim, tinha um gosto fortíssimo, intragável, e estava seco como uma sola de sapato.

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    – Ainda não tive a aula de peixes! – explicou o chef noviço.

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    Também não passou pela de massa. Há pouco serviu macarrão quase cru e garantiu que era “al dente”, como manda o figurino.

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    Muitos investigam livros de culinária ou receitas na internet. Outros preferem inventar.

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    – Não sigo receita, faço tudo a olho! – garante um conhecido.

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    Seu risoto de arroz integral quase quebrou meu dente. Me fez comer um doce que ele mesmo inventou: figo com pimenta na vodca! Minha garganta arde até hoje!

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    O pior momento não se dá na primeira garfada. Mais terrível é sentir o intenso olhar do chef à espera da opinião. Melhor evitar a franqueza. Sorrio com a comida incendiando minhas cordas vocais.

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    – Está uma delícia!

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    Sou falso, e daí? Também gosto de cozinhar. Se não recebo elogio me magoo. Mesmo sendo exagerado. Como no caso do bacalhau. Todos disseram que estava ótimo, apesar de salgado. E eu fingi que acreditei.

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